- Keira Knightley -
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CAMINHOS
O irmão do falecido homem,
Severino Policarpo, era o agricultor de uma simples fazenda bem distante
daquele triste local, em um município para além dos montes eternos da plena
saudade dos habitantes da região. Era o
homem Gustavo Policarpo. A sua família: Dolores, a esposa; Margarida, Norma e
Abreu, os filhos. Era toda gente simples cuidadosa com os seus entes queridos.
Eles vieram de tão longe para o sacrifício do sepultamento de Severino, irmão
mais velho da família. Esse povo simples nem sabia falar direito quando era
preciso. Viviam eles do cuidar da lavoura, do aboiar cinco cabeças de gado,
alimentar as aves domésticas e a olhar o tempo em volta. Gente muito simples
mesmo, a dormir com as primeiras horas do anoitecer e acordar quando o sol
nascia. O homem, Gustavo, nada sabia falar. Era tudo um “sim” e um “sim
senhor”. O irmão mais rico era o Severino, homem senhor de terras. A sua morte
foi um infausto acidente para os Policarpos. Porém, nada Gustavo sabia dizer ou
falar. O filho do velho Severino,
chamado de Deodato, parecia puxar a família do seu tio. Ele levava a vida a
dormir de sol a noite. Se alguém o chamasse, ele nada respondia. Apenas seguia
os passos da empregada, comia e voltava a se deitar e dormir com certeza. Se
alguém lhe perguntasse o construir de novo à casa grande, ele respondia:
Deodato:
--- Não paga a pena. - era o que
dizia o rapaz.
O seu namoro com a moça da terra
vizinha ele nem deu por conta. Ludmila, mais esperta, também não deu a mínima
no seu casório. Então, Deodato decidiu rumar para o distante cercado do tio
além dos montes e deixou o fogo consumir o restante da casa grande. Essa foi a
sina do senhor Policarpo. Severino, por sinal.
Após guardar os seus pertences –
no muito eram roupas e utensílios de cavalo além de balas para rifle e
revolveres – o pistoleiro Renovato ainda estava de costa para a porta de
entrada do seu quarto quando surgiu e figura enigmática de Ludmila. Ela entrou
sem bater e fechou a porta sem fazer ruído. Apenas observou o homem acocorado
fazendo os arremedos com os petrechos e a contar qualquer coisa a ela não
saber. E Ludmila ficou de pé escorada na porta do quarto olhando o homem a
embrulhar e desembrulhar as coisas. Depois de seguido tempo Ludmila resolveu
dar sinal de sua graça. E pigarreou. Renovato se assustou e bem depressa se pós
de pé e assustado indagou da moça:
Renovato:
--- Bom dia. Faz tempo que a
senhora está aí? Eu estava arrumando os meus petrechos! – sorriu sem querer o
rapaz
Ludmila sem graça respondeu:
Ludmila:
--- Não! Eu cheguei inda
agorinha. A chuva está braba e eu queria fazer um negócio, mas assim não dá
para ser feito. – falou calmamente a jovem Lu.
Renovato:
--- É. Tá chovendo muito. Parece
até ser inverno. – pontuou Renovato enxugando a testa.
E o tempo, por volta das dez
horas, começou a estiar, porém não de todo. Na cavalariça os animais batiam as
patas a espantar as moscas e, mais adiante, um vaqueiro tremia de raiva quando
uma rês lhe chutou o pé descalço machucando por demais o seu calo agudo, fruto
de botas de calçar para apanhar animais.
Vaqueiro:
--- Arra lasqueira! Tais cega
burra? – e saiu a gritar e a espremer o calo a latejar demais.
Ludmila caiu na gargalhada com o
desespero do vaqueiro e este ouviu a risada e ainda olhou para a casa grande.
Ele saiu mancando dali adiante e foi ao pé de bananas onde cortou uma porção e
lavou seu pé descalço e com o miserável calo. A moça se acercou da janela do
quarto e viu a cena sem parar de sorrir chegando a por a mão na boca para
evitar do vaqueiro notar onde a moça estava. Nesse ponto Renovato se acercou da
janela para ver também o vaqueiro sofredor. Ele sorriu de leve e se sentou na
cama.
Com um tempo a moça, escorada na
janela, perguntou ao pistoleiro onde ele aprendera a atirar tão bem como fazia.
Então o atirador respondeu:
Renovato:
--- Com a vida, moça! Com a vida!
Eu me encrenquei logo cedo e fiz o meu primeiro disparo. Dai por diante fui
aprendendo, aprendendo e hoje já sei sacar uma arma! Não tão bem feito a
senhora. Mas saco para me defender! É por isso que hoje estou nessa vida! Tem
quem saque melhor do que eu! Isso tem! Mas até lá, eu me defendo! – falou sem
gloria o pistoleiro.
Ludmila:
--- Mas o senhor conhece todos os
que estão no seu bando? – indagou como sem saber a moça Ludmila.
Renovato:
--- Conhecer por conhecer, eu não
conheço! Apenas sigo as ordens do meu chefe! Se um dia nós nos apartarmos, eu
sigo o meu caminho e eles seguem os deles! Só isso! – relatou sem pressa o
pistoleiro.
Ludmila:
--- Ah bom! Entendi! E o homem
que não usa revolver? O que o senhor diz dele? – indagou a moça sem muito
querer saber.
Renovato:
--- Antero? Ah eu não sei. Apenas
ele diz não ter jeito de andar armado! Ele só usa o punhal e nada mais! Agora,
eu não me meto com a arma dele! E silenciosa e fatal! – responde o homem
Ludmila:
--- Ah bom! E se ele desaforar o
senhor? – perguntou novamente a moça.
Renovato:
--- Ah minha senhora! Ele não usa
disso! Nem por brincadeira! Se ele está no bando é porque o chefe ajustou com
ele. Com o punhal ele mata em surdina! Foi assim que se deu na Vila! E inclui
muitos caso também! Ele não é valente! Até que é manso! Mas ninguém brinque com
o punhal que ele trás escondido! Ninguém! Se quiser contar história! –
respondeu o pistoleiro.
Ludmila;
--- O senhor tem medo dele? –
indagou de modo sutil a moça.
Renovato:
--- Eu? Ter medo? Por que haveria de ter? De modo
algum! – falou serio Renovato.
Ludmila:
--- E se o homem pegar o senhor
dormindo? – quis saber a moça.
Renovato:
--- A mim? Isso ele não faz! Os
pistoleiros tem uma lei! Só defrontam o outro de peito aberto! Não tem nada de
escondido! Agora, se for de tocaia, o bando sabe se defender! Com a gente não
sobra um pra contar historia! – relatou Renovato.
Ludmila:
--- Nenhum mesmo? – indagou
persistente a moça.
Renovato:
--- Nenhum, digo eu! Nenhum
mesmo! – cuspiu fora uma palha de feno o pistoleiro.
A moça então sorriu e disse ter
sido boa a conversa e depois do almoço ela estaria de volta para mais
conversar. O atirador respondeu positivo e saiu para o alpendre onde estavam os
outros três bandoleiros. Ao se acercar do grupo viu a conversa do seu chefe de
quem ficaria de vigia naquela noite. Renovato ouviu a escala do plantão e não
respondeu coisa alguma.