- Audrey Hepburn -
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ACERTO
O pistoleiro Renovato Chulé veio
com calma e paciência para chegar até a porta fixando os olhos no seu comparsa
e nada mais. Apenas ele estava calado. O pistoleiro Satanás estava impaciente e
pedia pressa do homem quase desconhecido em suas andanças pelas veredas do
sertão. Conhecedor profundo das artimanhas dos bravos incautos, homens de dizer
ser sabido por nada, o pistoleiro Renovato era um desses tipos caladão e apenas
a falar quando se perguntava algo. Na bodega da vila ele mostrou a sua destreza
onde o dono empurrando a barriga teria de puxar o rifle e o pistoleiro meio
rapaz, alto, franzino, cabelos ondulados, musculatura rígida, ligeiro no olhar
e no fazer acercou-se e mandou deixar o rifle no seu lugar e, depois de
desengatilhar a arma pôs em cima do balcão e se recostou na parede a espera do
sucedido. Mas isso era normal para Renovato. Tudo ele fazia sem a menor
preocupação. E nesse momento, era a vez de mostra ou de falar coisa de pouca
importância, uma vez de só dizer aquilo o qual lhe dizia respeito. Ao chegar à
porta o pistoleiro ainda olhou forte para o bandoleiro Satanás e entrou no
recinto onde estava o coronel Marcolino Godinho a estudar o comportamento do
rapaz como se nada houvesse de mais. Renovato entrou na sala a passos lentos com
rosto austero e retirou o seu chapéu ficando com o mesmo. Não se importando com
o mesmo a segurar por entre as duas mãos à altura de sua barriga o bandido, de
pernas ligeiramente abertas com seus coldres à mostra esperou a conversa. O
coronel se levantou do estofado e veio para frente do birô. Olhos firmes sem
combinar muito bem com seu porte atarracado de colete aberto aos peitos, uma
camisa de linho, gravata borboleta, calças escuro parecendo brim, cinturão
preso e um coldre sem arma. O homem, de cara séria, levou algum tempo para
saber do nome de Renovato.
Godinho:
--- Então o senhor é o Chulé? –
indagou com voz mansa o coronel.
O pistoleiro não se incomodou com
o nome e respondeu.
Renovato;
--- Sim. Sou eu sim! – disse por
sua vez o pistoleiro.
O coronel se aproximou de
Renovato e com os seus olhos de lince viu as armas do bandoleiro, todas
esculpidas com cabo de prata e cano longo também esculpidos com prata. E levou
algum tempo para perguntar:
Godinho:
--- Essas armas servem para
alguma coisa? – falou o coronel no ar de provocação.
O
rapaz olhou bem forte com seus olhos frios e não querendo fazer a vez de
injusto declarou:
Renovato:
--- Depende coronel. Eu sempre as
tenho como companheiras! – falou sisudo o pistoleiro.
O coronel deu volta inteira em
tono do pistoleiro sempre a perceber qualquer movimento e, quando retornou a
frente, foi dizendo sem gracejos:
Godinho:
--- Eu não vejo sentido de se
usar duas armas. Talvez alguém possa explicar de vez. Você, por exemplo, talvez
possa. – lembrou o coronel.
Renovato então fechou a cara após
um breve sorriso talvez de zombaria. Ele olhou para o coronel por alguns
segundos e, de imediato puxou as armas deixando cair o seu chapéu ao chão e se
curvando mais um pouco. Em seguida ele rodeou com os dedos as suas armas e as
pôs nos coldres como eram enfim o seu lugar de repouso. O coronel Godinho não
se assustou e nem fez cara de espanto. Apenas olhou o rapaz e voltou a se
sentar em seu estofado a frente da escrivaninha. Ele cruzou as mãos a olhar Renovato
tendo ao longe por traz do rapaz a figura do outro bandoleiro Otelo Gonçalves. Passaram-se
os minutos e o coronel pediu licença ao pistoleiro, pois ele teria de pegar uma
arma a estar depositada na gaveta da escrivaninha.
Godinho:
--- Cuidado com seus trabucos. Eu
tenho uma arma aqui na gaveta. E quero mostrar para vocês um pouco da arte de
fazer atirar. – e se curvou para tirar a provável arma e com um segundo já
estava com o seu bendito 38 a mostrar aos dois cavaleiros.
Renovato não se espantou com o belo
revolver. Nem tampouco Satanás a de postar atrás de Renovato. Por esses segundos o pistoleiro aproveito
para apanhar o seu chapéu e conserva-lo seguro a cintura preso com as duas mãos
sem tirar os olhos do coronel.
Godinho:
--- Aquiete-se. Não vai acontecer
nada! – disse o coronel a Renovato.
Renovato Alvarenga fez de conta
que estava a entender o caso do Coronel Godinho e ficou logo moderado em seu canto a espera de um
acerto por vir. O seu companheiro de acerto veio de lá e buscou a arma do
coronel. Sorriu e a deixou na mesa de trabalho. De passagem, ele alertou para
Chulé apenas com os olhos. Era um alerta de modo a falar algo sem necessitar
dizer. Chulé fez de conta ter entendido e saiu do meio da sala ficando ao lado
a espera do Coronel. De momento, Godinho saiu da sua escrivaninha e andou para
sair em busca de um lugar mais distante fora de casa. E feito isso o coronel os
chamou:
Godinho:
--- Vamos até o local de tiro. –
relatou o coronel e seguiu com pressa.
Satanás e Chulé acompanharam o
coronel para o caminho de tiro no outro lado da casa bem mais distante onde se
podia ficar e atirar com segurança de não se acertar um alvo, como uma pessoa a
passar. Por isso, o local era marcado como de Tiro ao Alvo tendo alí um cercado
bem amplo para se manejar armas de fogo. O sol era de rachar o crânio aquela do
meio dia ou coisa mais. Os três homens caminhavam sem parar tentando chegar o
mais breve possível ao terreno amplo. Podiam-se verão longe um coelho se
aparecesse. Mas não eram caças, afinal. O velho tinha o seu terreno com estande
com bonecos, patos e coelhos de ficção apenas para se acertar no alvo além de
modalidade esportiva com teste de precisão e velocidade no manejo de uma arma.
Na verdade, era uma prática dessa modalidade requerendo treinamento e
disciplina. O coronel Godinho buscou um alvo móvel para experimentar a sua pontaria.
Os outros dois atiradores ficaram cada qual, com suas partes escolhidas para
ver se de fato eles estavam com a pontaria segura. O velho manejava com esmero
a sua arma. Satanás, algumas vezes, atirava fora do alvo a uma distancia de
vinte metros. E mais novo de todos, Chulé, acertava todos os disparos com seu
revolver Magnum 45 ou coisa parecida. A arma era simples no seu carrego e de
disparo eficiente como poucos. A trinca de atiradores permanecia no seu ponto há
meia hora quando alguém disparou por cima do pistoleiro Renovato Alvarenga de
causar espanto aos demais. Era então a moça Ludmila. Ela acabara de chegar
sutilmente e olhou o mais certeiro dos pistoleiros e fez a mira por cima de sua
cabeça. E quando acabou de fazer o disparo Ludmila pediu desculpas.
Ludmila:
--- Desculpa! Foi só para
experimentar a arma. Ela está em ordem! – sorriu Ludmila a guardar o seu Colt.
Renovato:
--- Você é doida? Chega tirou
fogo dos meus ouvidos! – reclamou o pistoleiro Renovato.
Ludmila:
--- Que nada! O senhor já teve
tempo de metralhar até mesmo os bandoleiros na mata! – relatou a moça a sorrir.
E Renovato ficou a apertar os
ouvidos, a bocejar como quem quer botar para fora algo. Enfim, a sacudir os
ouvidos quase moucos. Ludmila a sorrir integralmente e a pedir desculpas por
mais uma vez pelo susto causado. O seu pai, Marcolino Godinho, de surpresa,
teve de explicar ter Ludmila puxada ao seu avô, homem robusto e exímio atirador
pelos rincões dos sertões.
Godinho:
--- Isso é de raça! Acerta em um
alvo há 300 metros de distancia. Eu duvido quem tenha maior destreza do que a
minha filha. – argumentou o velho Godinho.
Renovato:
--- É de raça ruim! Ainda estou
mouco. Ora mais! – dizia o pistoleiro enquanto sacudia os ouvidos para verse
destampava tudo.
E o tira-teima continuou até bem
duas horas ou mais enquanto munição houvesse. Ludmila mostrou a sua exuberante
destreza a competir de par a par com o seu protetor Renovato Alvarenga. Após
esse tira teima o grupo deixou o parque, cada um contando vantagem. Mesmo assim
foi Ludmila a eximia atiradora daquela tarde. A sua mãe, já um tanto angustiada
gritava para os companheiros:
Cantídia:
--- Almoço gente! Deixa de tiro! –
reclamava Cantídia de cima da calçada do solar.
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