- Pier Ângeli -
- 06 -
FOGO
A chuva castigou o sertão de
Alcântara durante toda a semana com o trovejar retumbante a cortar o céu sem dó
nem piedade. As volumosas águas correntes atravancaram a estrada a carregar corpos
de pequenos e médios animais. Houve até mesmo um afogado levado pela
correnteza. O povo a acudir proteção de Santa Genoveva protetora das enchentes
rezava apeado em perene oração. Procissões estavam programadas para se fazer
quando a torrencial chuva passasse. Era o temor de todos os fieis a rezar a
ladainha dia e noite sob o relampear fustigante na serra de Brotas. Após tanta
reza e sacrifício a chuva amainou e o sol forte voltou a brilhar em toda a área
consumida pelo aguaceiro da semana. Os agricultores já pensavam em roçar a
terra e a plantar milho e feijão, colheita tida em três meses. O comercio de sementes
abriu suas portas para atender a todos quantos procuravam o que plantar. Era
clima de euforia entre os camponeses e cada um dizia ter esperança em um ano
muito bom aquele da chuva de verão mais parecendo inverno. A ponte de pau
rompida e arrastada pelo aguaceiro foi mandada reparar pelos jagunços e
vaqueiros da Fazenda Guandu, do velho coronel Marcolino Godinho, homem de ferro
da região a despeito do seu algoz fazendeiro Severino Policarpo. Toda aquela
região da chapada da Serra de Brotas era comandada pelo coronel a despeito do
fazendeiro Policarpo, homem destemido do lugar. O fazendeiro costumava dizer:
Policarpo:
--- Eu sou quem manda aqui. Quem
pode mais do que eu? – indagava o fazendeiro a seus pistoleiros e jagunços.
E com a morte de Marimbondo o
fazendeiro mandou capangas procurar outros pistoleiros para trabalhar em sua
fazenda. E o grupo saiu mundo afora. De Asa Branca a Serra da Cruz, de Brejo
dos Crioulos a Várzea Grande a procura de matador de aluguel era uma só. O
preço pouco importava. Na Vila da Lagoa o recado era um só. “Matar pra não
Morrer”. Era a ordem do maior criador de gado daquela região, o fazendeiro
Policarpo. Por seu lado, o coronel Godinho estava muito bem aparelhado: tinha
ao seu lado o pistoleiro Satanás a comando de um grupo sem temor de matar ou de
morrer.
Com o tempo bom, o sol a brilhar,
os jagunços a trabalhar na construção da nova passagem sobre o riacho de
Brotas, mesmo sendo de madeira do sertão, a situação se acalmou de vez. O
Coronel mandou rezar missa na capela da fazenda onde todos ou quase todos os
habitantes do lugar puderam acompanhar contritas as palavras do sacerdote. O
celebrante procurou acalmar os ânimos dos pistoleiros e o coronel teve a dizer
não haver animo algum. Isso era história de gente mal intencionada.
Godinho:
--- Seu padre! Não tem animo
algum! Eu sigo a minha linha! Se tiver, é coisa dos outros! – relatou com
firmeza o coronel querendo dizer ser coisa do Policarpo.
O sacerdote calou e depois da
Missa seguiu-se a monumental festa com um lauto café com bolos, macaxeira,
batata, inhame e tudo mais o que servia na oportunidade. Um sanfoneiro cobria a
atenção do pessoal a tocar o seu fole velho. O casal de noivo de faz de conta
puxava a dança para os demais dançarem. Era uma alegria total. Apenas com o
gorducho sacerdote a olhar de víeis para o pistoleiro Satanás, pois o homem não
parava de pular com um dos seus acompanhantes, o outro arremessador de punhal
Antero Soares, o Fogueteiro. E foi assim até largas horas da manhã quando
alguém gritou:
Alguém:
--- Fogo! Fogo! Fogo no galpão
das vacas! – gritou alarmado um destemido vaqueiro.
Diante do alarme do vaqueiro a
chegar esbaforido e cheio de temor, a festa acabou e o povo correu em direção
ao galpão onde se armazenava a ração dos animais. As labaredas comiam todo o
celeiro por inteiro ameaçando outros galpões de igual importância. A ação do
fogo impedia os vaqueiros de chegar mais perto. Formou-se uma corrente de
pessoas para buscar água e jogar no armazém. O coronel gritava para os seus
comandados:
Godinho:
--- Aqui! Desse lado! Vamos!
Água! – gritava o coronel por demais alarmado.
E a fila toda de gente a sacudir
mais águas em todas as direções até mesmo no galpão próximo do celeiro
destroçado pelas chamas ardentes e incontroláveis. De repente, chegou um carro
pipa com bastante água para tentar sufocar as chamas do grande celeiro. Cavalos
e gados foram postos ao abrigo mais adiante de modo a não correr maior perigo.
No combate às chamas estava presente também a filha do coronel Godinho a levar
baldes com água na tentativa de aplacar as chamas. Os pistoleiros Otelo, Júlio,
Antero e Renovato igualmente não fizeram questão no combater as chamas
devoradoras. Até mesmo o sacerdote largou a batina e de calça e camisa sem
cerimonias combatia as vorazes chamas. A
ação de todo o pessoal no extinguis esse fogaréu só terminou ao final da tarde.
Gente veio de cidade próxima para ajudar a extinguir as labaredas sem fim. Um alguém declarou:
Alguém
--- Nessa hora não chove! –
relatou alguém totalmente suado pelas ardentes chamas do incêndio devorador.
Quando tudo havia terminado os
furiosos combatentes seguiram cansados e busca de repouso no alpendre da casa
grande. Cada um lembrava a ação do fogo e havia quem dissesse ser aquilo ação
criminosa do criador de gado Severino Policarpo, vizinho do coronel Godinho. Os
três pistoleiros foram chamados para dentro do casaram e ficou de fora, todo
comido pelas chamas o quarto pistoleiro, Renovato Alvarenga conhecido por
Chulé. Esse simpático pistoleiro
ainda bastante exaurido pelo esforço desprendido procurava tomar um gole de
água enquanto a mocinha Emília corria para dentro para fora da casa a levar mantimentos, água e
leites para todos os participantes do combate ao incêndio desproporcional.
Emília:
--- Nunca vi fogo tao grande
assim. – comentava a mocinha.
Renovato apenas fazia se limpar
da sujeira do fogo a abanar a fuligem pregada em sua roupa nova e bem molhada.
A mocinha passou e viu a ação do rapaz e disse bem depressa:
Emília:
--- Deixa! Eu tenho outra roupa
nova! Vá pru banheiro dos homens! Vá! Vá! – recomendou a mocinha com bastante
pressa
E assim caminhou a moça para o
interior do casarão com seu jeito de menina mulher. O pistoleiro de arguta fama
esteve a olhar com bastante atenção àquela jovem empregada da casa. Ela queria
apenas ajudar o homem. Não mais, não menos. A sua ação era a de uma mucama ou
talvez alguém a ajudar os mais necessitados. Podia-se supor talvez a garota a
estar já um tanto aconchegada ao moço. E mesmo assim era ela uma pessoa feliz.
E não queria olhar com desdém alguém ainda a necessitar de sua ajuda. Era só
isso então.
E Renovato Alvarenga lembrou de
repente de uma irmã. Ela era de idêntica idade da sua irmã, talvez um pouco
ainda mais moça. A irmã de Renovato tinha esse mesmo proposito: sempre ajudar e
não vê a quem. Católica, a moça irmã de um atirador profissional ingressou da
Ordem Franciscana para as jovens moças. Não tinha dia nem hora para Josefina
estar a ajudar alguém necessitado. Certo dia ela acordou tarde da noite por
causa de uma ajuda para o seu irmão Renovato. Foi o primeiro crime de morte de
Renovato. E ele precisava se esconder no Mosteiro ate a confusão cessar. A
polícia inteira estava a sua procura. E ele amoitado no Convento a ninguém
saber. Nem mesmo a freira Madre Superiora Irmã Hortência. A polícia esteve
inclusive no Convento e não o encontrou. Apenas os policiais saíram para
Renovato pegar o seu rumo. Desde esse dia, o pistoleiro não viu mais a sua irmã
Josefina.
Emília:
--- Táqui a roupa! Vá se ajeitar!
Depressa! E não tem mais nem menos! – disse então a mocinha Emília entregando a
roupa de muda e se voltando para a casa.
O rapaz ficou com embrulho de
roupas na mão e não sabia como agradecer àquela domestica de verdade. O homem
ficou parado como uma estátua a olhar apenas a roupa dada. Parecia ter o mar se
aberto e ele a passar para a outra margem. Diante de todo aquele fervor humano
o jovem rapaz pistoleiro com as roupas novas em suas mãos, pensou tão somente em
Josefina, sua irmã. E logo depois e sentiu um remorso por tudo quanto fizera e
apenas chorou. Era um caso surpreendente aquele da ação da mocinha em dar
roupas a um estranho. Ele não queria chorar. Mesmo assim chorou. E se dirigiu
ao banheiro dos vaqueiros e ali chorou copiosamente por ver a ação de Emília
despretensiosamente a ajudar um pistoleiro. Estavam ali dentro do banho os
vaqueiros da Fazenda, todos por ajudar no combate as chamas a qual destruiu por
completo o celeiro. Todos os vaqueiros comentavam o fato. E entre todos os
outros rudes homens se encontrava o pistoleiro Renovato tao somente a chorar. E
nada mais. Quando um vaqueiro deixou o banheiro disse a Renovato:
Vaqueiro:
--- Pronto amigo. O banheiro está
livre! – falou o vaqueiro
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