- Juliana Didone -
- 03 -
ACORDO
No dia seguinte, antes do sol
nascer, o pistoleiro Otelo Satanás já estava de pé dando chutes nos demais para
acordar também. O tempo se mostrava nublado prenunciado chuva a qualquer
momento da manhã e da tarde, provavelmente. A fogueira acesa ele chutou para um
lado e para outro. E com isso mostrava não ter ninguém importunado pela
madrugada nenhum dos seus pistoleiros ou arremessador de punhal. Tudo era normal por fim. O acordo feito com o
coronel estava indo bem até àquela hora. Otelo Gonçalves Dias, o popular
Satanás puxou a manda de cada um para eles acordarem de vez. Apenas Renovato
Chulé ele não precisou fazer, pois o homem já estava acordado quando Satanás
veio para chutar o seu manto. Apenas Chulé fazia a vez de dormir a enganar o
próprio Satanás. O pistoleiro olhou a cara entre panos de Chulé e não sorrio
por ter sido ludibriado. Otelo era um grandalhão, forte, mas não gordo. Ele era
alto mesmo. Talvez 1,90 metros de altura. Talvez um pouco mais. O lugar onde
Satanás e o seu grupo dormiram àquele resto de noite e madrugada apenas
cheirava a cavalo e feno. O homem limpou o feno pregado na roupa, pegou as suas
trailas de viajante, puxou o cavalo para o animal poder comer um pouco de aveia,
feno e capim a fim de corresponder ao seu trato. E depois ainda tinha água para
o animal tomar. Os demais pistoleiros e o arremessador de punhal já estavam
prontos com os seus cavalos a nutri-los da comida oferecida no curral. Renovato
Chulé era o menos preocupado. Aqui e ali apanhava um ramo de feno e punha-se a
mastigar.
Nesse ponto, Otelo Satanás
chamou ao largo o ameaçador de punhal, Renovato Chulé e conversou com o rapaz o
trato feito e o dever de cada um.
Satanás:
--- Tu segues a mocinha da
casa. Ela não pode falar com Deodato Policarpo de forma alguma. Essa é tua
função! – falou baixo o pistoleiro.
O arremessador de punhal, homem ligeiramente baixo, porte
atlético e cara de manso fez com um gesto a dizer sim.
E não perguntou pelas funções dos
demais pistoleiros pelo assunto não interessar a ele. E apanhou outra haste de
feno e fez com ela um mastigar. Ele passou a mão na barriga a sentir fome, mas
não disse nada. E se voltou até o celeiro onde tirou o seu café com bolachas e
matar a fome, com certeza. Os demais bandoleiros conversavam entre si assuntos corriqueiros
de pistoleiros afamados. Renovato Chulé apenas notou o virar de Otelo a apontar
para o alto a dizer só sabe Deus quem era. E Chulé não deu a menor importância.
Apenas afagou a sua montaria, deu água e sacudiu o manto no seu lombo, a cela e
os arreios. Depois de tudo feito, ele saiu a caminhar a espera do serviço a
fazer. A mocinha da casa tinha o nome de Ludmila. Ludmila Godinho. Pele alva,
cabelos soltos e dourados, vestido longo e de boa classe. Esse era a moça Lu,
abreviatura de Ludmila. Logo cedo da manhã, Lu surgiu na varanda. Ela olhou
para o céu e notou talvez a chuva. E então Lu voltou a deixar a porta aberta.
Nesse momento o lançador de punhal não deu importância. Apenas desmontou e
ficou a espera do fazer. Ele sentou em um tronco de madeira jucá, estirou as
pernas e apenas ficou no aguardo. Vez
por outra Otelo olhava para ele e nada falava. Em determinado instante surgiu à
varanda a figura do coronel Godinho, figura atarracada e pronta para responder
qualquer desaforo e chamou e chamou o pistoleiro Satanás para conversar. Os
dois se encontraram e foram para dentro do casarão. Chulé não se importou com o
caso. Ficou ele sentado no tronco de jucá a espera de algo a lhe interessar. No
alto da serra um relâmpago açoitou.
Chulé:
--- Chuva! – fez ver o homem.
E logo em seguida o trovão. E
veio a chuva torrencial açoitando a mata como um todo. O vento frio se fez
presente. Seu uivo era cortante como todo vento e tempestade do verão. Os
animais de porte permaneciam trancados em suas porteiras, salvo os animais
soltos ao longo do tempo. Os vaqueiros corriam para extrair o leite da manhã.
Diante do aguaceiro Lu veio até a porta ver a mudança do tempo. E disso alguma
coisa de pessoa revoltada, tendo retornado em seguida para o interior do
casarão. O homem Renovato Alvarenga, o Chulé, estava de pé, encostado na parede
do alpendre por conta da torrencial tempestade. Rugia o tempo a todo instante.
Ele seguia silente e nada falava. As mulheres da cozinha fechavam as janelas
antes de mais nada. Uma auxiliar de cozinha veio até a entrada da casa grande e
se encolheu toda.
Mulher:
--- Ui! Que frio! – disse a
mulher há observar o tempo.
O tempo esfriava mesmo de uma só
vez. Relâmpagos e trovoes ricocheteavam a todo instante com se estivesse com
uma brutal fome para comer todo o resto do mundo. Um bezerro apareceu mugindo,
desorientado procurando por sua mãe sem saber onde a encontrar. Os mugidos do
bezerro despertaram a atenção da vaca e o chamou com outro mugido grosso o identificando
a sua presença no pasto. O bezerro correu célere a pinotear como uma criança
travessa e inocente. Um fato de cabras,
bodes e cabritos estavam a balir no alto das pedras existentes no longo
terreiro do imenso sítio do coronel Marcolino Godinho. Não fazia questão em
balir, pois toda a família estava completa. A mulher de dentro do casarão
indagou ao homem estranho chegado às dez horas da noite e estava a sentar nua
cadeira estofada posta do alpendre.
Mulher:
--- Café meu senhor? – indagou a
mulher.
Chulé logo entendeu a aproximação
da mulher e assentiu de forma bem positiva. A mulher respondeu como forma de cortesia.
Mulher:
--- Vá por lá. – respondeu a
mulher sem outras palavras ao fazer roda com o dedo indicador.
Com isso, o homem se levantou da
cadeira e rodou nos pés, percorrendo o alpendre pelo lado de fora até chegar à
porta de entrada da cozinha. Por lá estava à donzela Lu. Ele a observou com
maior atenção. Ela nem sequer notou a sua presença. Uma criada veio com um bule
de café para servir ao moço Chulé. Tinham na mesa biscoitos, bolachas feitas na
cozinha da casa grande, inhame, cuscuz, batata doce e um sem numero de demais
alimentos. Ludmila estava a procurar algum alimento para engordar mais a sua
pança e depois de muita pesquisa recomendou a cozinheira chefe a levar tudo
para o seu quarto. Chulé a olhou ternamente e não lhe disse nada. Apenas se
levantou da cadeira da mesa e foi até ao pote de água e dali pode observar onde
era o quarto da donzela. Uma mocinha doméstica se aproximou do pote de água e
sorriu para Chulé. E logo baixou a cabeça com certa vergonha de alguém. Chulé a
acompanhou em seu caminhar de volta rodopiando em seus pés. Ele não tinha pressa
em tomar seu café. A caneca estava aquecida e Chulé comia apenas os biscoitos.
Ele a olhar a pequena mulher-menina-moça morena.
Em tal instante apareceram na
porta da cozinha o coronel Godinho, o pistoleiro Otelo Gonçalves, o Satanás,
Júlio Vento e por trás do grupo também Antero Foguetão. A turma toda caminhava
para tomar café com cuscuz, batata e macaxeira. As conversas eram diversas
todas ao sabor do coronel Godinho. Ele conversava e a turma escutava sabendo
ter de cumprir ao mando do coronel. Por alguns instantes o pistoleiro Renovato
Alvarenga levantou o chapéu da sua cabeça em sinal de respeito e cortesia a
fazer um aceno ao coronel:
Chulé:
--- Coronel! – e se pôs em marcha
acabado de beber seu café.
O coronel ainda olhou para o
pistoleiro e nada respondeu. A conversa girou apenas para o comandante da
turma, Otelo Gonçalves, o Satanás. Nesse ponto, Chulé se ajeitou e tomou caminho
em rumo a frente da casa grande a percorrer o alpendre do terraço e procurou se
sentar em um estofado com as pernas esticadas para frente da mobília. Em poucos
minutos apareceu à porta da casa a mocinha feiticeira com um punhado de
biscoito para dar a Chulé e logo fez questão em dizer:
Mocinha:
--- Tome! Fui eu quem fez! – disse
a pequena mocinha a sorrir de leve.
O rapaz agradeceu a oferta dos
biscoitos e jogou tudo em suas pernas para comer uma e outra a olhar devagar a
jeitosa mocinha. E então lhe deu vontade em saber:
Chulé:
--- Por acaso tens nome? –
perguntou Chulé a mocinha.
A mocinha sorriu antes de
responder quando estava já na porta da casa grande.
Mocinha:
--- Eu sou Emília. E você? –
indagou a moça ao rapaz.
O rapaz titubeou em respondeu e
deu o seu primeiro nome:
Chulé:
--- Renovato. É o meu nome. – fez
ver o pistoleiro Chulé.
Emília sorriu, teceu um beijo com
os dedos da mão direita, pois meia cabeça de fora e depois saiu de vez. Chulé se conteve de mais ação naquele ponto.
A chuva torrencial não parava. Os vaqueiros e ajudantes a correr com o leite
tirado na hora para depositar nos baldes. Um touro bravo se espantou só sabe
Deus porque e teve de ser contido pela a ação dos boiadeiros. O pistoleiro viu
o caso e não se mexeu do seu canto. Apenas olhava para a serra ao longe onde
parecia ter iniciado a invernada.
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