- Ava Garder -
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A AJUSTE
O Coronel Godinho se sentou em
uma poltrona em frente ao prefeito Jorge Nepomuceno e ficou sisudo e calado por
largo espaço de tempo. Apenas o olhava sem desviar a vista. O prefeito a sentar
em uma cadeira de palha não falava e até ficava um tanto confuso pelo olhar do
Coronel. Ao redor do coronel estava o ajudante Otelo Gonçalves, o caçador de
fugitivo Júlio Medalha, o segundo caçador Jerônimo Alvino – caçador de primeira
linha. E se não fosse Alvino nada disse se teria a falar -. E o pai de Alvino,
o coiteiro Manoel Quelé, homem velho por demais. Todos os presentes estavam
calados. A maioria de pé. Apenas o velho Quelé permanecia sentado, dado as suas
dores nas juntas: reumatismo. Os rapazes olhavam direto para o prefeito e esse
permanecia calado. Pernas juntas, braços cruzados, chapéu em cima das pernas e,
com certeza a tremer de medo, pois sabia o seu fim. Nepomuceno sentia vontade de urinar. Porém
temia a dizer. Aquela era a hora da Justiça. Do ajuste final. O coronel Godinho
bebia sua água e depois despejava um pouco no balde sem tirar a vista do
prefeito. A sala onde eles estavam era toda vazia de gente. Quadros antigo nas
paredes; moveis velhos; estantes de livros; flores ao redor como de alguém sem
nada a dizer; uma cadeira e um centro solitários; cadeiras vazias; uma mesa e
quatro cadeiras; janelas ao redor todas fechadas. Era o cenário de um
julgamento. Em determinado momento o Coronel se levantou a andar de um lado a
outro da sala de móveis rústicos com as mãos para trás, a bater uma na outra. E
não parava de olhar o prefeito. Após algum tempo escorou-se no birô cheio de
papeis e outros enfeites. Afinal, o Coronel indagou.
Coronel:
--- O que se deve fazer prefeito?
Heim? Heim? Heim! – perguntou o coronel muito bravo ao prefeito.
O prefeito nada respondeu. Ele
apenas baixou a cabeça, Senti a ausência de algo para se amparar. E nada havia,
porém. Apenas a cadeira até muito estreita. Enfim, o homem de cabeça baixa
começou a chorar. Em sua mente se passou inúmeras situações. Os contratos
feitos, o lugar da Prefeitura. Seu secretariado. Todos enfim. E ali não havia
ninguém a lhe dar apoio. Estavam presentes naquele momento os homens da lei do
Coronel Godinho. Nada de sítio e sua mulher e filhos. Nada, nada! Apenas as
lágrimas travessas a lhe encobrir a face.
Coronel:
--- O senhor não mais o prefeito
de Alcântara. Já assumiu outro. O senhor deixou a cidade às moscas! Fugiu! Nem
se sabe para onde! Apenas fugiu! O celerado foi morto. Apenas ficaram os seus
recados. Apenas. Agora eu tenho o senhor a minha frente. O que fazer? Heim?
Heim? Heim? – perguntou muito rude o coronel.
O silencio se fez presente. Dos
que estavam ninguém falava. Apenas olhava para o prefeito já então ex-prefeito.
Todos eles de uma posição nobre; braços cruzados; altaneiros; cara rude; forma
impiedosa. O vento soprava de leve como se desse o sinal. E era um vento frio correndo
por sobre à casa grande. O uivo de um lobo se fazia mais presente; as hienas ao
longe a gargalhar. Sabiás escutavam o julgamento do mato em volta. Era o mundo
a se abrir de forma implacável. Apenas o ex-prefeito a chorar. E o coronel
falou:
Coronel:
--- Paremos de lamentações.
Tranque-o. À noite se tem o julgamento!
– relatou com avidez o Coronel Godinho. – Está encerrada a sessão. – concluiu o
Coronel.
Os jagunços da fazenda levaram o
ex-prefeito para um calabouço existente muito além da casa grande. E por lá o
prenderam em uma cela acanhada e úmida. Quase nada tinha para se fazer por
dentro da cela. Um catre, uma privada e nada mais. A cela não tinha janela.
Apenas a grade de ferro da entrada. Quando era meio dia um jagunço levava sua
comida, o mais simples possível. À noite, era pão e água e nada mais. Contudo era uma prisão bem melhor do que as
dos escravos. Eles eram amarrados em trocos, quando desobedeciam as ordens dos
capitães do mato. Esse era o costume das senzalas de antes. Alguma coisa ainda
perdurava.
Na casa grande o Coronel fez uma
reunião com os seus homens da caça. Estavam quase todos a se contar com Manoel
Quelé, Jeronimo Alvino, Pixe – o coiteiro de Pernambuco – e mais Otelo
Gonçalves, Júlio Medalha e o próprio Coronel Marcolino Godinho. Esses teriam de
decidir a sorte de Jorge Nepomuceno. Era a vez do voto. Cada qual votava sim ou
não. Ao fim da votação se teria o destino do prisioneiro. E foi feita a missão.
Não demorou meia hora e estava decidido o fim de Jorge Nepomuceno. Um jagunço
foi chamado para levar a decisão do Jure (improvisado) decretando sentença de pena de morte. Sem
saber o que levava, o jagunço foi até a cela onde estava preso Jorge
Nepomuceno. Ao chegar à cela, o jagunço teve receio. Ele viu o homem
dependurado na grade da cela puxado por seu cinturão preso ao pescoço. Para o
jagunço aquilo não representava algo demais. E assim, ele voltou até a sala e
falou ao Coronel Godinho:
Jagunço:
--- O homem está morto, Coronel!
– falou o jagunço na maior calma do mundo.
Coronel:
--- O que foi que você disse
rapaz? Morto? – indagou exaltado o coronel Godinho.
Jagunço:
--- Sim senhor. Mortinho da
silva. Ele se enforcou com seu cinto, coronel! – respondeu o jagunço
Os Jurados se olharam entre si e
nada comentaram. Foi como dissessem um para o outro.
Jurados.
--- Era o que se esperava.
Bandido solto é bandido morto. – responderiam os jurados.
O Coronel resolveu ir até a cela
verificar o caso de Nepomuceno. Ele e os jurados. E teria ele de arranjar um
meio de fazer com o morto algo não suspeito. No caso, se levava para deixa-lo
cair na cratera da Caveira do Diabo, longe demais para se encontrar.
Quando era meia-noite, quatro
capangas saíram da fazenda em um carro de boi, levado o corpo o prefeito Jorge
Nepomuceno coberto com cana de açúcar em monte, para ninguém desconfiar do
carregamento ter em baixo um defunto. O horário foi escolhido por ser o mais
tranquilo de todo o arraial onde ninguém estaria na rua, apesar dos jagunços
seguirem por local bem mais escondido de quem pudesse passar. O carro de boi,
mesmo gemendo, era um meio de transporte insuspeito. Não havia lua e com isso o
tempo, apesar de seco, dava melhor condição aos jagunços. Eles se passavam por
boiadeiro. Nem se falavam, mesmo entre si. Apenas caminhavam com um destino
certo: a cratera da Caveira do Diabo, longe demais da cidade onde ninguém, ou
pelo menos quase ninguém conseguia ir. À meia noite, as corujas varavam o
espaço agourando a tudo e a todos com seus gemidos cruciais. Lobos e hienas
faziam a festa no monte da cratera. O carro de boi era lento e levaria duas
horas para chegar ao destino. Em plena noite escura somente havia aves de
rapinas, como o carcará e animais, como a raposa, lobos e hienas. Os jagunços
de nada temiam, pois, acima de tudo, não fora a cana. Havia apenas o corpo de
prefeito ou ex-prefeito com era então bem mais sabido. Um nevoeiro açoitou a
noite sem trazer chuva. Os jagunços de pouco se importavam. No caminhar apenas
mascavam fumo e cuspiam de lado. Ao sentirem o cheiro da carne morta, hienas se
aproximavam do carreiro por entre fileiras de árvores miúdas e graúdas. Quase
sempre um jagunço estava a espantar os animais. A marcha lenta continuou até as
escarpas da Caveira do Diabo onde os jagunços despejaram toda a carga de cana e
carne morta. Ainda eles esperaram o defunto chegar ao fim do monte para então
voltar à fazenda. Os jagunços estavam já bem castigados pelo cansaço da luta e
da lida. Esse caso nunca foi dito por nenhum jagunço ou pistoleiro a ninguém.
Diante do fato consumado o Coronel
Marcolino Godinho mandou chama a sua fazenda o novo prefeito de Alcântara, José
Genoíno dos Anjos, homem rude e sem nenhuma experiência administrativa. Na
conversa vieram os conchavos. Nada o homem sabia. Ele entrou na política porque
encontrou a porta aberta, por assim dizer. E entre tapas e beijos o Coronel Godinho
foi logo advertindo para ter ele cuidado com os cargos de nomeação. E devia
fazer abrigos dos idosos, dá maior atenção as Irmãs do Convento, fazer negócios
imprescindíveis tais como calçamentos, arborização, distribuir feiras aos
pobres, leite para as crianças desnutridas e algo mais desse gênero. Em tudo o
novo prefeito afirmou saber mandar fazer.
Coronel:
--- Outra coisa: para a
Prefeitura o senhor indica nas próximas eleições o colega do nosso tempo. Eu
pretendo colocar da Prefeitura o senhor Antero Soares. Um rapaz jovem, sem
muita pretensão e bem feitor nas suas obrigações. – explicou o Coronel sem
muito alarde.
Novo Prefeito:
--- Sim senhor. Pode o senhor
deixar. Eu concordo. – relatou o novo prefeito.
Coronel:
--- Tem mais coisa: o senhor
Júlio Medalha vai ser o novo presidente da Câmara. É só isso de momento. –
falou o Coronel de forma a quem ninguém ouvisse.
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