- Katie Holmes -
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O BILHETE
O Coronel Marcolino Godinho ao
fazer passar para o seu legítimo dono, Renovato Alvarenga, e a sua esposa
Emília. Tomou cuidado em dizer ser aquele documento por demais precioso, pois
seja lá quem fosse não estaria a esconder a sua identificação. No caso, estaria
apenas advertindo de ser o dono da terra, pois no bilhete teria escrito: “Esse
Mundo é Meu”. O novo dono da propriedade ainda cansado da luta diária tido por
ele e a mulher, verificou bem a menção do bilhete e nada falou até porque não
era a vez de falar por desconhecer as possíveis artimanhas por alguém de ser
dono das terras pertencentes nesse momento a Renovato e a sua mulher Emília.
Ele pôs o bilhete na mão e balançou com a outra como a pensar.
Renovato:
---Quem poderá ter sido! – pensou
Renovato no teor do bilhete.
O candidato a deputado federal,
Otelo Gonçalves olhou bem o bilhete e não quis falar ou não soube falar a
respeito do sitio do amigo Renovato.
Apenas destacou ser gente de perto.
Otelo:
--- Esse bilhete foi feito por
gente de muito perto de nós. – falou o homem.
Antero Soares foi um a dizer ter
o temor de ser gente pouco ou nada desconhecida, porém profundamente sábio da
situação na qual se metera.
Antero:
--- É gente profundamente
conhecedora do assunto. Talvez seja até alguém mais ou menos dono das terras. –
comentou o rapaz.
Júlio:
--- Alguém sabe de quem era
aquelas terras? – indagou Júlio Medalha.
O Coronel tomou o bilhete e
sacudiu como se fosse um leque em uma de suas mãos a indagar de quem podia ser
o tal bilhete.
Coronel:
--- No meu conhecimento aquelas
terras foram sempre da família Policarpo. Mas tem sempre algo onde nós não
sabemos quem de direito é. – falou Godinho meio cismado.
Após algum tempo a ponderar por
demais a questão do bilhete o Coronel Godinho deu por encerrado o encontro
advertido, porém, ser cauteloso com o futuro daquele instante à frente para não
se expor em uma esparrela. E dado instante, pediu licença ao Coronel e entrou
todo trôpego o senhor Manoel Quelé. Ela andava quase sem forças por motivo do
seu reumatismo nas pernas. E de cabeça abaixada ele veio em seguida, bem
acanhado a querer formular algo até então desconhecido. E foi logo a dizer:
Quelé:
--- Com perdão do meu protetor,
eu tenho algo a falar. – relatou o velho com voz cansada.
Todos se olharam e nada disseram.
Apenas esperaram a decisão do Coronel Godinho.
Coronel:
--- É com relação ao bilhete? Se
for o caso pode falar! – respondeu o Coronel.
O ancião baixou a cabeça por
pouco tempo e logo a seguir falou manso e compenetrado com todo o ocorrido
daquela hora.
Quelé:
--- Eu sei quem é o autor da
missiva. – disse o ancião.
Seu corpo delirantemente franzino
parecia de apagar diante de um sopro de criança. E ao falar de um assunto tão
grave, ele se deixava transparecer como alguém no final da vida querendo
resgatar todo o seu passado. E voltou falar:
Quelé:
--- É um assunto muito antigo.
Bem antigo que os nossos pais, avós e bisavós ou outros nossos parentes. Antigo
por demais. – parou o ancião de falar. Após algum tempo a procura de uma
cadeira para sentar, o ancião falou.
Quelé:
--- Eu ainda era menino. Foi essa
a história. O meu pai herdou essas terras de meu avô. Foi nessa hora ter havido
uma contenda com o avô de Severino Policarpo. E nessa contenda sobrava um vivo.
Ou o meu avô ou o avô dos Policarpos. Foi uma temeridade. Os dois escolheram um
lugar distante, entre duas montanhas, para ver que tinha razão na contenda. Se
o meu bisavô ou se o bisavô dos Policarpos. Os dois estavam armados com
carabinas. Não houve guerra. Apenas os dois Coronéis. As montanhas estavam
repletas de parentes dos dois lados e a capangada toda armada com carabinas.
Então o velho meu bisavô declarou:
Bisavô Quelé:
---Guardem as armas! Guardem as
armas! Essa briga é somente entre eu e o chefe dos Policarpos. Guardem as
armas! Guardem as armas! – dizia o bisavô Quelé.
Quelé:
--- E ninguém atirou! Todos
obedeceram às ordens dois Coronéis! O velho Coronel Policarpo também fez o
mesmo! Os dois armados! Um só tiro de cada lado! E o meu bisavô chegou para o
bisavô dos Policarpos e apontou a arma! O Policarpo velho disparou primeiro!
Acertou o meu bisavô bem em cima do peito! Meu bisavô era um homem forte e
corajoso! Ele pesava cerca de cem quilos! E não caiu com o impacto da bala! Ele
mirou certo no velho Policarpo e deu o seu único tiro! E acertou em cheio! O velho
caiu morto! O meu bisavô também morreu por conta do impacto do tiro desferido
contra ele pelo velho Policarpo! Foi assim que se deu a refrega! Os filhos do
Policarpo tomaram de conta da fazenda e nada mais restou! Apenas meu pai me
contou essa história! – falou o velho já cansado pelo tempo quase a desfalecer.
Os demais ouviram a história e
nada comentaram a respeito da morte dos dois velhos inimigos das terras
distantes das riquezas do solo árido do sertão dos Inhamuns. Ao cabo de certo
tempo o Coronel suspirou e declarou tristonho:
Coronel:
--- Velhos tempos àqueles onde
nossos ancestrais viveram. Eu confesso nunca ter ouvido falar em tal historia.
– comentou abatido o coronel.
Quelé;
--- E tudo por causa do rio que
passava além da fronteira dos ranchos. – completou o velho Quelé.
Depois dessa história o ancião se
levantou e saiu mansinho da sala onde estavam os novos donos da terra. O
caminhar solitário para ele só restava à saudade daquele sitio. Manco ou quase
manco de uma perna, talvez um calo no dedo do pé ou mesmo uma hérnia, Quelé
seguia a pensar da sua infância ou mocidade, das terras as quais seu bisavô
perdera por completo por causa de um boi ou uma vaca e seu bezerro a querer
beber água no rio de água doce. Era a sina do camponês de velhos ou novos
tempos talvez, essa de querer dar de comer e de beber aos seus animais
ignorantes por natureza. O outro dono dizia:
Dono:
--- “Esse mundo é meu. Aqui não
bebe vaca alheia. Só bebe a minha vaca!”. – dizia o dono.
Quelé caminhava sozinho pela
varanda e desceu no fim os degraus da escada tendo dai seguido para a sua casa
de vaqueiro onde encontrou a cama armada e se deitou para dormir o eterno sono
dos justos. Alguém da fazenda encontrou
o corpo de Quelé horas após como se estivesse a sonhar com certos anjos,
arcanjos e querubins. E logo pôs a mão na boca a gritar.
Alguém:
--- Socorro! O velho está morto!
Socorro! – gritou a mulher ao desespero.
O velório de Manoel Quelé foi
coisa rápida e muito simples. O povo da fazenda rezava a penitencia dos mortos.
As carpideiras oravam em contrição as orações de tempos remotos a lamentar o
morto para todo o sempre. Herdeiras de uma arte milenar, míticas e respeitadas,
as carpideiras eram cheias de devoção para o ilustre e venerado morto. No
sepultamento do velho Quelé, as carpideiras jogavam flores na catacumba como
sinal da mais elevada posição social do defunto. Foi um verdadeiro espetáculo
por onde passou o velório do ancião. Moças e rapazes acompanhavam a cerimônia
ao lado do Coronel Godinho, sua mulher e filha, o casal Alvarenga e mais os
outros amigos do homem falecido. As carpideiras iam gesticulando e soluçando
durante todo o trajeto. E não cessavam de gemer as carpideiras em um patético
gesto de desespero. Em seus cânticos elas suplicavam pela ressureição do finado.
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