terça-feira, 17 de julho de 2012

ISABEL - 25 -

- Paulette Goddard -
- 25 -
FRANCISCA
Gonzaga ficou pensativo com o presente da sua mãe. Talvez ela não quisesse que ninguém soubesse ser ela a verdadeira mãe do cavalheiro. As lágrimas encheram seus olhos pela ação da anciã e nem deu por fé quando dona Lourdes trouxe um pacote todo enrolado e depositou em suas pernas. Gonzaga estava a sentar na cama de dormir da anciã. Ela apenas observou o pacote e nada fez. A mulher foi quem despertou a sua atenção:
Lourdes:
--- Esse era o presente do senhor. Tome. Agora é seu mesmo. – falou sem tristeza a mulher.
Gonzaga nem teve ação de abrir o embrulho. E foi dona Lourdes que citou:
Lourdes:
--- Tem uma roupa completa e um par de sapatos. – cruzando as mãos às costas e saiu de perto do homem.
A tristeza era tamanha para Gonzaga. Ele sentia-se em lágrimas como uma criança recém-nascida onde tudo é claridade para um ser vivido apenas na ignorância do seu infeliz passado onde nada se lhe importava. Choro longo de um pobre funcionário de um Teatro. E no seu desalento ele não encontrava explicação para tudo o quanto fez a sua mãe querida. Longe de saber o feito da anciã por sua causa. Tudo era silêncio no peito do homem,  pois, na verdade, ele queria apenas afogar as suas mágoas. Após um tempo infinito ele olhou de volta para a dona Lourdes e essa, sem querer maltratar mais ainda o homem respondeu a pergunta não feita ainda:
Lourdes:
--- Foi meu filho quem comprou essa roupa. E o sapato. Eu creio que vai dar certo no senhor. O meu filho, certa vez, foi ao Teatro e viu o senhor. Era para tomar as medidas da roupa. E o tamanho do sapato. Ele fez tudo isso a mando de dona Francisca. Ela não podia mais andar. – falou com calma e displicente dona Lourdes.
O homem continuava a chorar as lágrimas tardias e convulsas a lembrar de tempos remotos quando a humilde senhora passeava dia a dia pela calçada do Teatro. Nada pedia. E nada lhe era dada. Enfim ninguém ligava para aquela velha senhora. Ela caminhava lenta, alquebrada como se estivesse apenas a pensar nas agruras da vida de uma tão doente anciã. Ela não olhava para ninguém e mal pedia o favor de alguém atravessar a rua a puxar a sua mão. E quando fazia continuava a caminhar vagarosa mais olhando o chão que o espaço à frente. Indo ou vindo era a mesma mulher mergulhada em seus remorsos de não ter alguém para deixar a sua provável fortuna. E tudo isso Gonzaga pensou por um lapso de tempo quando nem mesmo as borboletas pousavam para depositar a sua célula feminina em uma flor de lírio.
Gonzaga:
--- O  seu filho está em casa? – indagou Gonzaga corando e amargurado por seu destino.
Lourdes:
--- Ele saiu logo cedo. Serviços extras. Ele trabalha como alfaiate. – respondeu a mulher sem maiores causas.
Gonzaga passou a vista na parede da sala onde pode ver um velho retrato de uma jovem esbelta e cheia de encanto como uma borboleta. E percebeu também a fotografia de um menino pousado com uma corneta a meia luz. Então ele indagou de dona Lourdes:
Gonzaga:
--- Ela? – indagou o homem.
Lourdes:
--- Sim. Quando moça. Ao seu lado um menino. Se reparar bem esse quadro é o senhor quando menino. – falou a mulher.
Gonzaga:
--- Eu mesmo? – indagou admirado com a fotografia.
Lourdes:
--- Sim. E tem mais. Fotos de amigos. Essa aqui sou eu. – reparou a mulher.
Gonzaga:
--- Como ela fazia tudo isso? – indagou ao leu o homem.
Lourdes:
--- Ela pagava todos os meses para o pessoal o criar. As fotos ela mesma foi com o senhor. – relatou a mulher.
Gonzaga:
--- Comigo? Não me lembro. Quando foi tirada a foto? – perguntou o homem,
Lourdes:
--- Tem a data ai embaixo da foto. – falou a mulher.
Nesse ponto Gonzaga procurou ver melhor e, na verdade, estava a data gravada à mão feita pela própria Francisca. E isso fez ainda mais chorar o homem. Era um tempo que nem ele mesmo se lembrava. E revolveu a memoria sobre o pagamento tendo por fim indagado.
Gonzaga:
--- Minha mãe pagava para o pessoal me criar? – indagou surpreso o homem.
Lourdes:
--- Foi assim que ela me falou. – respondeu a mulher sem mais nada falar. 
O homem se sentiu mais solitário ainda não conversando com o seu amigo Toré e passou a observar com o maior cuidado as fotos expostas na parede da casa node dona Francisca viveu por uma eternidade. E de relance se lembrou do sitio deixado como herança por ela e das casas existentes bem próximas a casa onde a mulher residia. Ele nada sabia sobre a herança de mais alguma coisa. Talvez a sua mãe tivesse deixado algo para dona Lourdes. Pensamentos vãos a lhe cobrir a memoria em certo pedaço de tempo. E então indagou Gonzaga.
Gonzaga:
--- Faz tempo que a senhora morar nessa vila? – indagou.
Lourdes:
--- Um punhado. Nem sei quantos. – falou a mulher.
Gonzaga percebia ser a mulher uma inquilina ou, talvez morasse de graça para cuidar da velha senhora. Mas ele não teve a coragem de saber na ocasião. E olhava nas molduras os retratos antigos expostos ao longo dos anos. Então o homem sentiu coragem em saber da vida da mulher com relação à moradia.
Gonzaga:
--- A senhora morar nessa casa de aluguel? – quis saber.
Lourdes:
--- Faz tempo que dona Chica me deu a casa para morar. Mas isso foi de boca. Eu fiquei aqui para cuida da velha. – falou.
Gonzaga atentou para a situação e resolveu mais nada falar. Apenas se apressou em dizer ter de ir para o seu ponto de comércio e voltaria na vila algum tempo.
Lourdes:
--- Se o senhor quiser eu tenho o pagamento uns alugueis. Da vila. Das casas ainda não recebi. – falou Lourdes.
Gonzaga:
--- Eu vejo isso depois. No momento vou ter de pegar alguns documentos meus. A senhora fique com os alugueis.  – falou  o homem.
A mulher nada falou. Apenas se conservava de braços cruzados  próximo ao busto e com o rosto bastante sério. Não falou em marido nem Gonzaga perguntou algo a respeito. Ele apenas olhou os seus dedos e nada viu de marca por uma aliança. Certamente era uma mulher só. Tinha ela a companhia de um filho. Talvez. O caso foi encerrado com o homem a chamar Toré para seguir caminho. No portão da vila ele observou a presença de José Luiz e demais pessoas residentes naquelas pobres casas.

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