sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

AMANTES - 41 -

- Bella Thorne -
- 41 -
Na sexta-feira, Racilva se desculpou e disse que naquele dia não poderia ir ao apartamento de Vera Muniz. Era por causa da doença de um seu tio, já bastante idoso, e ela foi chamada com pressa para viajar ao interior do Estado. Isso pareceu normal para Vera. A sessão foi aberta à noite e o mentor como sempre foi “Paredão” tendo “Pescador” como auxiliar e a moça que acabara de chegar para ajudar no serviço de limpeza do apartamento, de nome Otília, também teve assento à mesa circular, junto com o velho Molambo e os donos do complexo, Silas e Vera. Os trabalhos transcorreram normais sem casos específicos a relatar. Alguns espíritos desencarnados vieram. Um foi de um moço bêbado, quando em vida, que reclamava ter sido despertado desesperadamente, no meio do seu sono e estava naquela sala sem saber o por quê. Após breves conselhos o desencarnado voltou para o seu albergue da paz onde outros desencarnados estavam.  Outra passagem foi de um espírito de aparentemente de um homem que relatou tudo o que havia feito no último dia de sua existência. Conforme ele disse, era uma tarde de verão:
--- Eu estava seguindo a pé por uma rua de subúrbio. Ao passar por uma casa eu dizia a uma pessoa que era ali que se fazia inscrição. Não sei bem de que. Depois eu continuei viagem até uma passagem de ônibus em uma estrada longa. Vi muitas pessoas. Vi também uma menina com o seu irmão ao colo. Ela estava toda cheia de baba lançada pelo menino de seu um ano. Peguei um ônibus que passava e o cobrador não teve troco para passar de uma nota bem maior que o valor da passagem. Nessa ocasião, eu vi cerca de quinze sacerdotes que viajavam logo à frente, nos primeiros assentos do ônibus. Eles debatiam sobre a situação da lagoa. Eu não sei qual era a lagoa. Por fim a minha viagem foi interrompida. Eu nada mais pude ver.
--- Talvez o irmão tenha se lembrado de um acidente que houve com um ônibus no qual o irmão viajava. Nesse ônibus também viajavam vários sacerdotes. Eles estavam fazendo uma excursão pela região. A lagoa era a que o Governo estava a fazer serviços. Foi um caso célebre o que ocorreu. Todos morreram no acidente quando o ônibus colidiu de frente com outro carro. Vamos orar para que o seu espírito goze de paz na sua mansão levado pelo espírito de luz do irmão Charcot.
No sábado, pela manhã, Silas disse a sua esposa que ele teria que sair para ver uma questão das jangadas adquiridas recentemente do homem Orlando Maia que morrera logo depois de efetuar o negócio. E indagou se Vera Muniz desejava ir também com ele. A mulher disse não, pois estava muito nauseada naquela manhã e a barriga latejava, pois já era o inicio do parto previsto para duas semanas. O homem não se preocupou com o caso. E disse que qualquer eventualidade ela fosse de imediato para o Hospital Pro Mater. A mulher sorriu e declarou:
--- Também não é assim homem besta. Se precisar, eu chamarei Racilva. Vá logo cuidar das suas jangadas. – respondeu a mulher a sorrir.
--- Mas Racilva não está em viagem para o interior? – indagou surpreso o homem.
--- Ah é. Eu nem me lembrava disso. Mas, eu vou com Otilia. Estamos resolvidos. – sorriu a mulher bastante alegre.
O homem sorriu e tomou o destino que ele aparentemente declarou.
O velho Diomedes já estava agarrado no seu afazer de fim de semana. A construção da moderna casa na praia dos Coqueiros estava no seu final. E ele olhava esmerado com toda prestimosa a atenção que lhe cabia fazer. Era algo deslumbrante aquela casa que Silas providenciara fazer pela Construtora Câmara. Um engenheiro que se fazia presente explicava a Diomedes o que faltava ser executado para entregar o imóvel acabado. E o velho percorria todo o local, bem devagar. Nos casos que não conhecia, Diomedes perguntava ao engenheiro.
--- Pra que serve isso? – indagou Diomedes sobre qualquer coisa.
E a explicação era dada de imediato. E Diomedes ficava impressionado com tudo o que era feito naquela casa antes de pau a pique, quase caindo, telhas ao desalento, poeira nas velhas paredes mal acabadas. Quando chovia era mesmo que está ao relento. E ele, por tanto tempo passou na sua tempestuosa vida sem amor, sem saber ou mesmo sentir a grande necessidade que a velha mãe, aquela que o amparou quando criança. Não raro, ele estava na cidade a estudar em uma escolinha qualquer e a sua mãe a lavar roupa em casas de gente rica. Era tudo isso que ele, passados tantos anos, então pensava. E foi quando o velho Diomedes chorou de tanta emoção.
Na cidade, um pouco mais para fora, um sobrado onde não havia outras casas por Berto. Era só o sobrado. Nele, não habitava ninguém. Era só ele e nada mais. Um muro cercava todo o terreno onde ficava o sobrado. E nele, então estava a habitar da doce e linda jovem Racilva. Este era o seu segredo para todo o sempre. Herança dos avôs maternos. E Racilva guardava tudo com profundo carinho. Quadros de artistas no andar térreo, e outros arranjos no andar de cima. E ela bem sabia que aquele sobrado era tão antigo como o próprio chão em que fora construído. E, de momento, chegara ao seu eterno lar, o seu belo amado Silas Albuquerque, ainda temeroso com aquele alarmante casario onde tudo era legitimamente colocado em devido lugar. Ele, esposo de Vera Muniz, amiga de longas datas de Racilva Pontes, idade igual a de sua prezada companheira. Ao entrar no salão do andar de baixo, Silas notou a presença de algo que não vira da ultima vez que no solar esteve: um carrossel em miniatura com seus cavalinhos saltitantes, todos bem coloridos, montados no próprio magnífico carrossel. Ao lado, um relógio de forma retangular que marcava as horas. Um artigo de luxo dos anos vinte.  O homem ficou a verificar todo aquele suntuoso ornamento, talvez adquirido por sinal pelos próprios donos do solar quando feito. Silas encheu a vista com tal inquietante preciosidade que nem percebeu a chegada de Racilva, descendo o escadario do primeiro andar, trajando suntuosa veste de cetim. Naquela hora de sossego e paz, o que se notava era o traje da bela amada amante cobrindo apenas parte do seu corpo. Por debaixo da veste branca, nada mais estava em segredo. Era somente tão somente aquele robe de cetim. A alguns degraus do escadario, Racilva se mostrava em verdadeira ânsia para o jovem amado. Ela, parada, a sorrir apenas, clamava por um pouco de amor. De repense, sem mesmo Racilva notar, eis que aparece a sua frente, um cenário de modo antigo. Um casarão com largo portão, talvez de três metros, e as janelas de um lado e de outro do casarão, antes e depois da entrada. Eram janelas pregadas em dois andares. Na frente, o pórtico era recoberto por adornos que um dia foi de cor branca. Mais para dentro, um portão de madeira fechava todo o interior do solar. Apenas uma mulher parada no meio do largo portão da frente a chamar com presteza a jovem Racilva para que entrasse no ambiente soturno da mansão. As folhas que adornavam as misteriosas árvores tinham todas caídas.
--- Venha! Venha! – fazia o vulto da mulher toda trajando branco. Saia comprida da gola aos pés.
Com um lenço acenando a bela mulher fazia seus gestos enigmáticos para que a jovem Racilva Pontes entrasse naquele místico recinto. Tudo era como um filme antigo à vista da jovem e majestosa mulher. As árvores temiam de dor e revolta o local bravio o qual fazia o templo da lúgubre morada. Racilva tinha a impressão de que já esteve em tal paragem. Apenas não sabia quando. Naquela hora matinal, ela só sentia o prazer de ver a morada que, um dia, fora de alguém muito querido e amado. Naquele triste instante, sem nenhuma explicação, a mansão aparecia a sua visão. A dama do portal apenas a avocava para que a moça viesse para o seu local onde talvez houvesse outros entes queridos da jovem. Em silencio, o vulto continuava a chamar Racilva como se a moça pudesse transpor o umbral do destino. Com um lenço branco de alcova preso a mão, o vulto dizia e chamava:
--- Venha! Venha! Venha! – lamentava o misterioso vulto de mulher.
Sem meios de resistir à visagem aparente eis que Racilva caiu inconsciente ao forrado chão do escadario. Ao ouvir a pancada no chão da escada, Silas, de imediato acorreu para prestar ajuda a um tempo que não sabia estar ali à luxuosa dama Racilva. Ele se acercou da dama e indagou se ela estava passando mal. À dama nada respondeu ficando inerte, com a cabeça fendida para um lado. Então Silas, chocado com aquele ocorrido, segurou a dama pelas pernas e ombros e a levou para uma cadeira perto onde pode sentá-la com maior segurança. Sem nada poder ou saber fazer, Silas apenas indagava, ao desespero, o que a moça havia sentido tão de repente. De nada resolvia perguntar a Racilva, pois a moça estava inteiramente ao desmaio.
--- Ai meu Deus! O que é que eu faço?! – perguntava atônito o homem.
No local da mansão não havia empregados e nem casas ao redor. Ela estava ali, abandonada ao próprio destino. Então, Silas notou o robe da moça, plenamente aberto, mostrando por completo a sua genitália e seios alvos e majestosos com a candura do eterno dilúculo. Mesmo assim, para ele nada havia de importância naquele derradeiro instante. Apenas vogava a Silas um pouco de paz o que o homem não sentia atormentado com o desmaio da luxuosa dama. E Silas corria para um lado e para outro a procura de encontrar alguma substancia qualquer, um álcool talvez, para esfregar o pulso a mulher amada e torná-la do seu sombrio e inexplicável delíquio.
Com o passar de alguns minutos, a jovem moça despertou do seu estado anormal e buscou a ajuda de Silas lembrando ao rapaz que havia visto uma mansão. E Silas nada entendeu de tal mansão, pois ouvira apenas o baque de um corpo caído no chão. Porém a moça quase encoberta em sonho alegava que esteve na mansão.
--- A mansão! A mansão! A mansão! – repetia Racilva de forma delirante o que vira de fato em projeção na sua mente.
--- Eu sei. Eu sei. Vamos para o quarto de cima! – respondeu Silas a amada.
O pânico voltou a assustar a doce e alquebrada criatura.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

AMANTES - 40 -

- Monica Bellucci -
-  40 -

Manhã do dia seguinte Racilva caminhava logo cedo pela Rua do Comércio onde imperava as lojas comerciais da capital. Tinha de tudo naquela rua. E também gente muita. Um indo. Outro voltando. Um ruge-ruge tremendo em plena manhã de sol de inicio ou meio de semana. Tinha também os cabeceiros para fazer a entrega de mercadorias compradas. Em uma calçada, um homem a tocar o seu violino. Racilva olhou o homem em trajes de mendigo, e nada falou. Uma procissão caminhava pela rua a uns cem metros de distancia. Eram os padres conduzindo o Santíssimo Sacramento, seguidos por uma banda de música. Vindo logo depois a imagem de um Santo sendo conduzidos pelos devotos Irmãos dos Passos trajando roxo e de um lado outros Irmãos trajando vermelho em sintonia com os que trajavam roxo. Após esses Irmãos vinha o séquito de pessoas. Mulheres, em sua maioria, com uma tira no pescoço identificado a cor roxa. Os menos e alguns homens, esses não trajavam nada. Os homens e as mulheres, todos vestiam negro. No meio da multidão, três cinegrafistas. Um se movimentava rápido para a frente onde fazia tomadas da Imagem do Santo e mais para a frente, fazia tomadas da banda de musica e dos padres que conduziam o Santíssimo.. Um rapaz que vinha com pressa, ao passar por Racilva, apenas disse:
--- É uma filmagem da procissão. – e sorriu caminhando para se perder entre os prédios existentes na Rua do Comércio.
A procissão ainda vinha longe. Racilva olhava as vitrines das lojas abertas naquele dia. Em uma vitrine, ela notou com verdadeiro espanto, uma boneca de porcelana toda vestida de noiva, mostrada em exposição ao lado de outros brinquedos e bibelôs espalhados pelo chão da vitrine onde havia também relógios de algibeira e de pulso parecendo sorrir para os que os admiravam. Canetas de várias marcas, outras bonecas e um sem numero de negócios a mostrar. Racilva ficou a olhar a boneca de porcelana e, depois de certo tempo, entrou e perguntou a balconista se aquela boneca estava à venda. A balconista disse que sim e lhe deu o preço. Racilva concordou e a balconista pediu a um moço que a trouxesse da prateleira a esmerada boneca em trajes de noiva. Com um pouco de tempo, o moço tirou a boneca da exposição e a trouxe para a vendedora. Racilva contemplou a boneca e sorriu, devolvendo a balconista pedindo que fizesse um embrulho para presente.
--- Só isso senhora? – indagou a balconista a sorrir de leve.
--- Só. – respondeu Racilva com um sorriso.
A procissão que seguia pela Rua do Comércio àquela hora já estava a passar em frente da loja de brinquedos. O toque ensurdecedor da corneta perturbou um pouco Racilva. Em seguida, após pagar pela boneca, a moça saiu ligeiro da loja ouvindo da vendedora a promessa:
--- Volte sempre. Temos novos artigos. – sorriu a balconista.
Na rua ainda havia o tumulo de gente que seguida a procissão. Nessa ocasião um jovem se aproximou de Racilva para lhe dizer apenas:
--- Deixei com seu secretario a partitura. – falou o rapaz.
Racilva agradeceu e caminhou leve para seu escritório vendo ainda o mendigo a tocar seu modesto violino. Ela se aproximou do violinista mendigo e lhe deu uma cédula em dinheiro. Ao chegar ao seu escritório ouviu do seu secretario que estava com um envelope que um cidadão havia deixado.  Ela agradeceu e tomou o envelope segurando com a sua pouchet e o pacote que continha a boneca de louça. E vez de entrar, Racilva notou que ela estava com muito embrulho na mão. Desfez-se do pacote da boneca e abriu a porta de entrada do seu escritório. Nesse ponto o secretario já estava ao lado para segurar algum pacote. Ela sorriu para o rapaz e se desculpou por não ser aquilo um grande trabalho. O rapaz sorriu de volta dizendo:
--- Não é nada. Eu vi que a senhora precisava de mais uma mão. – sorriu o rapaz.
Finalmente Racilva entrou em seu escritório e desembrulhou o envelope que continha a partitura musical que ela nem chegara a solicitar, pois isso era assunto de Vera Muniz. De um modo ou de ou de outro, Racilva verificou as partes ilustradas. Após algum tempo, a moça se levantou da cadeira almofadada e foi até a janela do prédio e ficou a olhar do alto para os prédios vizinhos e para os carros estacionados em baixo. Ela olhava todo aquele negocio como forma indiferente. Notadamente, viu três rapazes procurando roubar um veículo estacionado ao lado esquerdo da rua. Eles enfiavam um arame para abrir a porta. E após alguns minutos, com toda a pressa por fim a turma conseguiu abrir a porta do auto. O alarme disparou. Os rapazes fincaram pé e procuraram sair vexados do local com o carro. Eles enfim conseguiram furtar o veículo. Um homem saiu de uma agencia bancária, desesperado, gesticulando a todo instante. Por fim o homem ligou o celular para alguém. E assim, o homem afirmava ter sido roubado. Era isso o que deixava entender pelos gestos que fazia o homem baixo e gordo com o paletó desabotoado. Racilva viu a cena por completo. Mesmo assim, a moça nada fazia do alto do prédio. E nem tecia argumento. Ela somente olhava a cena. No outro lado da rua, um rapaz vendia cachorro-quente aos consumidores. Ela também observou a cena do auto do edifício.
Em instantes, quando Racilva estava parada ainda olhando para o movimento da rua, alguém bateu em sua porta cumprimentando seguida. Ela se voltou e viu ali a amiga Vera Munis, bem alegre a sorrir.
--- Você aqui? – perguntou Racilva a Vera.
--- Fui ao médico. Faltam apenas trinta dias. – sorriu Vera ao beijar a moça com agrado.
--- E o marido? – indagou sem surpresa a jovem Racilva.
--- Ah. Esta no seu escritório. – sorriu Vera e procurando se sentar em uma cadeira também almofadada que havia no escritório de Racilva.
Ambas se sentaram e Racilva olhava atenta apenas a mulher. Em certa ocasião, foi até a garrafa de café posta em uma banca ao lado do seu birô e ofereceu a Vera um pouco de café. Esta recebeu ao contento. Vera havia saído do seu apartamento em companhia do marido, sem beber café ou fazer qualquer refeição. Ela estava em jejum até àquela hora.
--- O médico exigiu para que eu fosse de jejum. – sorriu Vera ao contemplar Racilva.
Racilva sentou novamente em sua poltrona e, com as mãos nos queixos em forma de amparo, olhando para Vera apenas disse isso:
--- Parto! Tem cada coisa! – e sorriu sem sentir a jovem moça.
E ambas conversaram sobre partos, médico, mulheres, ter filhos. Era tudo o que estava na cabeça de Vera naquele instante. Com certo tempo, entrou no escritório de Racilva o marido de Vera. Foi entrando e dizendo:
--- Vocês estão confabulando? – o sorriu Silas para as duas amigas.
--- Ora! Não. Eu estava dizendo a Racilva que nós fomos ao médico. – sorriu Vera naquela ocasião.
--- Ah bom. Melhor. -  aquietou-se Silas sobre mal presságio.
--- Aqui tem um envelope para você. – respondeu Racilva entregando um envelope a Silas.
E o homem disse que depois abriria o envelope. E perguntou a sua mulher se não desejava ir para o apartamento dos dois. Ela não resistiu e logo eles saíram do escritório de Racilva. Quando estavam os dois a sair do escritório de Racilva um rapaz trouxe umas frutas que entregou a Vera. A mulher agradeceu ao rapaz.
--- Maçãs? Adoro maçãs! – foi o que disse Vera ao rapaz, agradecendo por fim. E ofereceu umas maçãs a Racilva, o que esta agradeceu e disse para Vera.
--- Maçãs! São suas! – respondeu Racilva sorrindo.
Racilva se lembrou do presente que tinha comprado e entregou a boneca enrolada em papel de presente a sua amiga. Era a boneca de porcelana vestida de noiva. Vera sorriu e agradeceu. O marido a tomou para si, pois Vera Muniz já estava com bastante coisa para levar para o seu apartamento. Alguns livros que Silas levava na mão, ele achou por bem deixá-los com Racilva, pois apanharia logo mais à tarde.
Racilva ficou a meditar em Silas e em Vera. Amantes eram assim. Passara-se o tempo e os dois se casaram. Como eles fizeram para se juntar depois de tantos anos, ela não imaginava saber. Apenas o amor dos dois poderia explicar como eles estariam assim a viver ternamente unido como alucinados amantes. Coisas e casos da sua própria vida. No mesmo instante, Racilva se lembrou do fim de tarde do dia que passou, pois na verdade, lhe deu receio ao ver a amiga de sempre, Vera Muniz, entrar em seu escritório aquela manhã. Era verdadeiro o sentimento que Racilva sentia por Silas Albuquerque, desde adolescente, apesar de que nunca lhe fizera nenhuma menção nesse sentido. De início, Racilva supunha ser apenas um amor terno, leve e passageiro. O tempo passou para muitos anos, estimado em quinze anos. Ela, durante esse tempo não se lembrou de procurar Silas. Também não teve novo romance desde que foi aluna do Grupo Escolar com algum jovem ou rapaz. Ao atingir vinte e dois anos de idade, Racilva era funcionária da Agencia Pomar. E desde algum tempo ela sempre foi entendida como boa companheira por todos os demais servidores da casa. Quando Silas chegou a agencia, então, Racilva novamente ficou inquieta, pois ali estava o seu verdadeiro amor.


quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

AMANTES - 39 -

- Simone Spoladore -
- 39 -
Racilva não se conteve com aquele pedido que lhe fizera a amiga Vera Muniz. Pelo resto da tarde Racilva, no seu escritório, sempre a chorar, era isso que teimava fazer ao se lembrar do que fora suplicado por sua velha e querida amiga de largos anos. Para mais ficar recolhida às suas quimeras, Racilva trancou a chave toda a porta do seu escritório alertando o rapaz que fazia a vez de secretário que não estaria para ninguém naquele resto de tarde sombrio e de poucas e reais amizades. A cortina que cobria o interior do escritório fora fechada não permitindo a ninguém se ver o que estava ali dentro ou quem estava também. Racilva se ressentia de não ter mais amigos na sua voragem da vida. Amiga apenas era tão somente Vera mulher da mesma idade que Racilva, de contar segredinhos a cada uma, de matar a saudade quando essa se aplacava, de reviver as lembranças dos velhos e imortais tempos de escola. Eram causos de suas vidas quase que distintas a qual as amigas reviviam ao sabor da natureza amena, às vezes solitária. Racilva não tinha e nunca teve um amor para viver com ele. Solitária, vivia apenas do seu trabalho. Moça esbelta, carinhosa e meiga e até mesmo de boa altura, de um metro e setenta centímetros, ela gostava de vestir de preferência um vestido branco, saia plissada encobrindo outras meias saias para dar maior enchimento ao seu corpo de menina-mulher. Cabelos longos que Racilva sempre trazia enrolados à cabeça, pele clara, rosto de menina, andar de mulher. Na mão, uma bolsa onde se podia encontrar quase de tudo que uma jovem donzela carecia necessitar.
Amores e amantes são coisas que nunca se fala nem mesmo ao ou a melhor amiga. Racilva sofria com esse enigma desde o tempo em que era estudante do Grupo Escolar. Ela bem pouco ou quase nada falara de um amor o qual, não raro a deixava com despeito amoroso por ter dificuldade de se aproximar do garoto. Além do mais, uma amiga que Racilva prezava já o fizera seu maior namorado daqueles tempos de Grupo. A classe findou se dissipando e Racilva não ouviu falar naquele encantador garoto. O tempo inexorável passou, Racilva cresceu e se tornou moça, porém nunca quis saber de um amor eterno. Na sua lembrança só restava à figura do belo garoto. Talvez ele até nem soubesse do amor sentido para com ele por Racilva. E se notou, ele já estava com outra namorada. E o caso findou nesses malgrados termos. O tempo lacrimoso passou, Racilva continuava encantadora até que um dia o rapaz surgiu mais uma vez e muito mais belo em sua amargurada visão apaixonada. Porém, a moça nada falou para o moço. Eles eram apenas amigos de trabalho. As vagas foram surgindo no seu trabalho e ela então já assumira o cargo de vice-presidente. E o seu amante, por despeito do destino se abraçou novamente com a velha amiga de Racilva. Por fim, Vera Muniz e Silas Albuquerque se tornaram noivos, viajaram para a Europa e Racilva ficou apenas como um caso de amor não resolvido.
Com o passar dos meses, Racilva findou por ouvir de Vera uma confissão.
--- Case com Silas se eu não escapar dessa gravidez! – dizia a mulher já a altura de ter menino
Era um dilema atroz para Racilva. Casar com Silas era o seu maior sonho. Mesmo assim, a vida de sua amiga era o seu maior desejo e Racilva não apostava nem um pouco em vir a se casar com Silas para ajudar à amiga. E nem acreditava que Vera morresse da gravidez daquele filho querido e bem dito.  Por isso mesmo, Racilva, amargurada, chorou a tarde inteira.
--- Onde está Racilva? – indagou o diretor Silas Albuquerque ao secretario da moça.
--- Está aí dentro, porem me ordenou não dizer a ninguém. E estou dizendo ao senhor por ser amigo da moça. – dialogou o secretário de Racilva.
--- Quem está com ela? – indagou de novo o diretor.
--- Ninguém. Ela fechou as cortinas do escritório para não se ver o que estava fazendo. – respondeu o secretário.
--- Abra a porta, por favor! – pediu Silas ao moço secretário.
--- Não posso. Ela fechou por dentro. – respondeu o secretário.
--- Deixa-me ver. – e ligou o seu celular para o de Racilva.
O celular chamou e endereçou para a caixa postal. E em seguida, atordoado, Silas tocou na sineta de Racilva e essa não respondeu ao chamado feito. O homem então bateu na porta chamando por Racilva e dizendo quem era por sinal. Um barulho distante se fez no interior do escritório e com um pouco de tempo a porta se abriu.
--- Até que enfim. Estás doente? – perguntou Silas a moça que estava a olhar para os prédios da rua ficando de costas para o homem que entrava no seu gabinete.
A moça enxugou as lágrimas dos olhos e se voltou para Silas, procurando se sentar em seu almofadado e indicando outro para o homem.
--- Sente, por favor. Café? - indagou a moça ao seu visitante de todos os dias e todas as horas.
--- Não. Não. Eu estou só trazendo um esboço para uma nova produção. Para mim, o filme que nós fizemos só entra no mês de fevereiro no festival de Berlim. O de Veneza é para agosto. E tem outros certames, como Espanha, Cuba e Portugal. Tem o do Brasil, em Brasília. – falou com heroísmo o cidadão Silas Albuquerque.
--- Está bom. – falou Racilva limpando com um lenço de papel uma lágrima furtiva.
--- Você está chorando? – indagou Silas a moça.
Para disfarçar os acontecimentos que tivera no início da tarde Racilva negou tal choro e fez de imediato um leve sorriso. A conversa entre os dois durou pouco tempo. Em um instante, a moça convidou Silas para sair, pois teria que cumprir outro compromisso.
--- Assim não. Pode ir. – ressaltou Silas bem humorado.
--- É só para me fazer companhia. Não tem nada a ver com assuntos da empresa. – sorriu a moça tecendo para o homem se retratar e também ir com a jovem moça.
O homem pensou um pouco e resolveu ir com Racilva que lhe advertiu para os dois seguirem no auto da jovem donzela. Ele não precisava do outro carro, deixando do velho Diomedes a esperá-lo mesmo na empresa Pomar.
A tarde era de intenso movimento nas ruas centrais. Gente e carros. Um transeunte por pouco não é atropelado ao cruzar a Avenida da Paz. Garotos a oferecer jornais do dia ou da tarde. Uma menina a pedir esmolas quando o veiculo parou em um sinal. A mulher que atravessava a avenida soltou um gritinho ao ver que por quase não era atropelada por um moço com sua bicicleta. Alguém oferecia frutas. Outros vendiam comidas de ocasião na ponta da calçada em carro de pronta entrega por baixo de um pé de fícus. Sorvetes era o presente de um real por outro vendedor. Um carro se encostou de perto ao de Racilva. O motorista olhou em sua direção e sorriu a despeito de estar no seu auto um homem. Outros carros faziam fila. Buzinas a atormentar. Sinal abriu. Racilva acelerou fundo e partiu. O local para onde ela tencionava seguir, não falou. Após alguns minutos, o carro saiu da cidade. O ambiente era mais calmo. Silas não conversava. Esperava apenas que o lugar chegasse. Após meia hora, de entradas em entradas, ela seguiu para uma casa quase que abandonada sem dizer coisa alguma. Era um casarão. Ninguém morava no prédio de primeiro andar. Um portão foi aberto por Racilva. Ela para isso teve que descer do seu auto. E logo após a moça entrou no local onde estava o prédio. Então falou ao seu companheiro de viagem:
--- Chegue. É aqui. – sorriu Racilva de forma tranqüila.
Obras de arte enfeitavam a sala de autores como Jean Honoré Fragonard. Pinturas clássicas. Cenas de amor ao devaneio; fotos de uma Biblioteca Real; pintores franceses, como Gustave Caillebotte; Joseph Levebvre e Pierre Renoir. Era o mundo real que estava encoberto em um casarão do tempo remoto.
--- Suba! – falou a moça em doce perfume.
Apesar de tantas obras a enfeitar da velha casa, que deixaram Silas extasiado de orgulho por ser um dos que admiravam tais fascinações, ao mesmo tempo o homem obedeceu e subiu as escadas do primeiro andar. Um corredor sem grandes atrativos e uma porta que se abriu ao sabor da rosa mulher, era tudo o que havia no caminho da alcova. A moça entrou em um banheiro e deixou fora, no quarto onde havia uma cama de casal coberta por um véu; algumas cadeiras de palha em vime e armação em madeira; toalete; mais quadros em nus artísticos; ambiente soturno deixando a ver pela janela entreaberta as árvores de acácia a verdejar o espaço de fora. Uma imensidão de pássaros canoros a revoar. Então, a jovem moça surgiu como por encanto, vestindo uma simples roupa confortável onde, a cobrir de cima a baixo, deixava antever que nada além do que Racilva vestia tinha por baixo.
--- Tire traje. – repreendeu Racilva sem, contudo não querer ofender Silas.
Atônito, o jovem rapaz ficou a contemplar a mulher cheia de candura que lhe estava à frente. A moça desabotoou com vagar a camisa, e puxou a gravata, uma vez que o homem já havia retirado o seu paletó. Com muito vagar, a moça foi a desabotoar até o ultimo botão de sua camisa presa por dentro do cinturão. Ao terminar o ato, Racilva lhe falou:
--- Faça o que quiser. Sou toda tua. – e sorriu.
Na cama de casal apenas se mostrava a face da mulher a olhar com o homem a formar o seu ambíguo e alucinado ser.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

AMANTES - 38 -

- Paola Oliveira -
- 38 -

Na manhã daquele dia Otilia estava da cozinha da casa arrumando os materiais de comida e pondo em dia o que ela ainda não sabia direito. Vera Muniz tinha tomado café e estava àquela hora no seu quarto de descanso. Com oito meses de gravidez, Vera resolveu deixar os encargos com a sua vice-presidente, Racilva Pontes moça a qual tinha profundo afeto. Em um dia qualquer ela foi com Racilva até a praia dos Coqueiros para a moça conhecer de perto o lugar que o seu marido havia de construir uma mansão. Naquele dia, lembrava-se Vera, era tudo mato. Ou seja, cajueiros, mangueiras pitombeiras e como não podia de deixar de existir; muitos coqueiros. E além do mais, Vera indicou a casa em construção do seu Diomedes, velho que as duas conheceram ainda meninas e tinha a alcunha de Molambo.  No seu quarto de dormir, Vera sonhava com aqueles dias passados. As peraltices de Racilva em busca da praia nem tão distante, pois para se tomar banho de mar era só atravessar a estrada feita de areia e nada mais. Racilva se largou ao mar, de maré seca mostrando as pedras pontiagudas que rodeava a maré de fora a fora deixando apenas espaço para o banho de mar e, talvez, para a pescaria e o arrastão. Podiam-se ver as redes de arrasto penduradas em uma trepadeira de pau ao longo da praia naqueles dias de calor e ventania. Quem olhasse o céu, por certo teria a ver as nuvens “trancadas” anunciando que dentro em pouco instantes era tempo de chuva, acontecendo em pleno verão. Então, Racilva, no mar, gritava:
--- Vai chover Vera! Chuva! Olha! – e assim mergulhava outra vez aproveitando uma onda baixa.
E assim Racilva seguia mais para dentro do mar onde houvesse maior profundidade nas águas mansas a cada vez mais que se passava devido à maré seca. Outras moças, rapazes e meninos também estavam a nadar com franqueza. Os rapazes mostravam a sua condição de nadador afamado para a gente rica da cidade. Um dos rapazes nadava até encontrar largas ondas onde o mar bravio era mais profundo. Depois de tudo o que ele conseguiu fazer, nadou em outra direção para mais distante atingindo a praia mais para depois onde apenas tinham arrecifes.
--- Olhe ali! – gritou Vera para a moça Racilva apontando o rapaz destemido.
--- Estou mouca! Água nos ouvidos! – sorria e gritava de bem longe Racilva pulando dentro d’água para ver se desentupia o ouvido.    
Na orla, Vera sorria de ver tamanha disposição de manhã tão cedo, de Racilva a pinotear na água do mar. Logo depois, passado alguns instantes, Racilva saiu da água e veio até onde deixara Vera a tomar conta de seus pertences. Ainda estava com o ouvido entupido por força da água do mar. E pulava, pulava. Às vezes com um pé. Outras, com outro pé. E sacudia, sacudia para ver se o ouvido desentupia. E nada. Com isso, Vera sorria. E mandava ela por álcool na boca e deixar esquenta. Depois colocar um pingo no ouvido entupido.
--- E isso é bom, é? – indagava Racilva.
--- Quem já entupiu o ouvido diz que sim. – Vera salientou sorrindo.
E Racilva fez gestos com a boca, abrindo e fechado. E também fez gestos com os olhos, abrindo e fechando como quem faz careta para outra pessoa.
Essas lembranças fizeram Vera sorrir virtualmente como quem ou não queria sorrir. Ela estava só a pensar, deitada na cama de casal em seu quarto e por vezes sorriu. Caras lembranças alucinadas de tempos de outrora e nem muito outrora. A doméstica Otilia chegou de repente e indagou a Vera um negócio assim.
--- A senhora está me chamando? – pergunto Otilia meio assombrada.
--- Não. Não. Eu estava me lembrando de uns negócios. – sorriu Vera se dizer o que.
--- Ah bom. Pensei que estivesse chamando. – declarou Otília.
--- Não. Mas me dê essa revista de modas! – pediu Vera a domestica.
--- Essa? – fez ver Otilia para não confundir as revistas.
--- É essa mesma. – sorriu Vera. Após se aprumar no leito voltou ao seu modo de dormir.
A doméstica entrou para a cozinha do apartamento cantarolando baixinho uma musica bem alegre para o seu tempo. E Vera abriu a revista e olhou na página a foto de uma modelo que se parecia com alguém que um dia ela tivera oportunidade de ver também como foto abrindo uma propaganda do tempo do seu pai. E Vera se lembrou de seu avo a contar estórias remotas do tempo da II Guerra quando o velho servia ao Exército Brasileiro.
--- Foi um tempo amargo e difícil. – pronunciava o velho Muniz.
E prosseguia com a verdadeira estória do combate ao dizer que eles sempre tiveram o propósito de lutar em Pistóia, terra da Itália, sobre os escombros da sangrenta guerra. Coisa alguma estava de pé naqueles dias sombrios de nuvens terríveis onde a morte sempre passava por perto. Soldados famintos. Homens com sede. E eles nem se sabiam ao certo quem era o seu superior naquele instante. Vera ficou a meditar sobre aquele episódio soturno que o velho Muniz contava.
--- Tinha noite de densa escuridão que a gente não via nem o companheiro de perto. Certa vez eu topei com um soldado. Ele já estava morto. Parece que morreram quatrocentos e cinqüenta e seis soldados brasileiros. Foi uma coisa triste. A gente batia num soldado para ver se ainda estava vivo. Estava morto. Quase três mil feridos. Loucura! Nós lutamos em Toscana, em plena cordilheira alpina. Era um frio de matar. Período de inferno. Temperatura às vezes de 15 graus negativos. Se a gente levantava a cabeça, a bala comia. Era um terror. Os inimigos armados de canhões. A batalha de Montese foi a mais cruel. Montese foi a Monte Castelo. Em fevereiro de 1945. – falava em voz baixa, quase rouca o avô Muniz.
E Vera, ainda pequena, ouvia tudo o que o velho avô recitava em uma emoção contida pelas lágrimas de quem não abria o peito há muitos anos. O velho Muniz era calado e não falava muito. Apenas quando a sua mulher lhe chamava para tomar café. Ele, arcando com os anos, ele rastejava da sala de visita até a sala de jantar, em uma casa velha de paredes grossas, tijolos largos e batentes nem muito baixos. O velho Muniz passava por dois quartos da casa, sempre abertos e dali alcançava a sala de jantar onde com muito esforço se sentava em uma cadeira feita de madeira envergada com escoras e assento de palha. Quando notou as suas lembranças, Vera percebeu que já estava chorando.
 A sineta do porteiro soou. Eram, com certeza, as marmitas que o rapaz de todos os dias vinha deixar, notadamente. Tais marmitas eram adquiridas em um restaurante do bairro onde ficava o edifício que Vera Muniz residia. Para Vera era mais fácil comprar em um restaurante próximo ao seu edifício do que mandar trazer direto do restaurante que a firma mantinha no seu local de trabalho.  A mocinha Otília atendeu ao interfone e falou para Vera.
--- O rapaz das marmitas. – relatou a moça à Vera.
A mulher estava apenas folheando a revista de modas e deu a entender que o mandasse trazer de pronto. Foi o que Otilia disse ao interfone a falar com o guarda da hora. As marmitas eram apenas uns pratos cobertos. E o garoto da entrega com alguns minutos chegou até o andar de Vera Muniz. Até parecia que Otilia o estava aguardando. Pois quando tocou a sineta a porta logo se abriu. A moça recebeu a encomenda e disse para o rapaz:
--- Tem as de ontem para levar. – falou a moça sem maior preocupação.
O rapaz esperou o que tinha de levar de volta e nem mesmo agradeceu. A moça fechou a porta dizendo umas palavras ao entregador de vasilhas.
--- Bruto! Nem agradece! – ressaltou a moça Otilia com a cara amuada.
Logo após a hora do almoço a sineta voltou a tocar. Era o rapaz da vigia anunciando a presença de Racilva que estava a subir no elevador. Otilia por sua vez fez espera para atender a porta que se fechava de forma automática. Quando Racilva entrou no apartamento, Otilia fez um sorriso e depois rumou para o seu local de trabalho. Antes, passou pelo quarto e disse a Vera:
--- Visita. – e sorriu Otilia.
A duas amigas entraram em conversa e risadinhas. Coisa de mulheres. Racilva lhe entregou uns papéis para Vera ver se estavam certos, muito embora já, de antemão, soubesse que em nada faltava para Vera poder assinar. Depois de tudo pronto Racilva indagou sobre as novidades. E Vera apenas relatou:
--- Bucho! – e caiu na gargalhada fazendo vez para Racilva também sorrir.
E as duas continuaram a conversar e a sorrir. No apropriado instante, Vera Muniz, com sua barriga enorme, de oito meses de vida, lembrando-se de seu avô, apenas comentou o que lhe sobrou à mente.
--- Sabe Racilva! Eu às vezes fico a pensar. Se eu, por acaso morrer desse parto, eu te peço, por favor, que você tome conta desse menino. E se possível, case com Silas. Para mim, ele é tudo. E você é minha única amiga. – confessou Vera em lágrimas.
--- Que é isso Vera! Você vai viver muito tempo. Eu... - e chorou Racilva com o pedido que lhe fora feito pela amiga Vera Muniz tão amarguradamente.
--- Mas você me diga se atende a minha súplica? Não sei se escapo! Não sei! – falou Vera Muniz com a sua voz quase nula e derramando em prantos.



segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

AMANTES - 37 -

- Crystal Harris -
- 37 -

Orlando Maia estava por demais exausto. A tosse constante e cansativa lhe deixava cada vez mais oprimido. Ninguém de sua casa aparecera nos últimos dias para saber sua condição de saúde. Ele era um enfermo descrente por sua vida. Algumas vezes aparecia em seu quarto da enfermaria para lhe fazer alguma injeção ou lhe dar um comprimido. O almoço, café e jantas eram servidos por uma auxiliar de enfermaria nas horas marcadas. A mulher chegava com a refeição e saía para uma ou duas horas depois voltar e levar a bandeja. Era uma lástima a situação de Orlando. Para ter tão poucos dias de vida, não lhe cabia sofrer de tal forma. E Silas sofreu também com a enfermidade do homem. Em certo ponto, Silas indagou a Orlando:
--- Quem é o seu médico? – perguntou Silas a Orlando de forma carinhosa.
--- Não sei o seu nome. Talvez seja um dos que não vem nunca aqui. É sem nome. Loiro e alto. Porém sem nome. – declarou Orlando entre tosses.
--- Entendo. Entendo. E o senhor o que sente? - investigou Silas ao homem.
--- Eu só tenho tosse. Tosse que não acaba mais. Está me definhando. – chorou Orlando.
--- Entendo. Eu posso levar o senhor para outro quarto. Que achas? – averiguou Silas.
O homem chorou como um menino. Já não lhe restava tanto tempo de vida. E ele preferiu não sair da enfermaria. Com relação ao pagamento das jangadas, Silas podia fazer ao rapaz que lhe ofereceu. O dia já descambara e a noite estava quase a chegar. Vozes lá fora indicavam que os amigos e parentes de outros enfermos já deixavam o hospital. Do seu canto onde estava apareceu uma auxiliar advertindo a Silas e a sua esposa que a hora já  havia chegado ao  fim. Precavendo-se de maus tratos para com o homem, Silas indagou sobre quem era o médico de plantão. A auxiliar informou que ele não estava no hospital.
--- Essa é boa! Um médico de plantão que não está no serviço! – comentou Silas a sua esposa.
--- Hoje tem jogo, senhor – falou a auxiliar.
--- Essa é ainda melhor! Pois eu faço questão, de imediato, de transferir esse doente para um quarto de primeira classe. E com acompanhante. Ouviu bem? E logo! - falou Silas enfezado da sorte do paciente.
--- Mas eu não posso fazer nada! – falou a auxiliar de modo acanhado.
--- Eu disse: LOGO! Procure um médico ou quem seja lá quem for. Quero a transferência agora. De imediato! – falou alto o homem Silas para o acanhamento de sua esposa.
--- Sim senhor. Vou ver o que faço! – reclamou a auxiliar.
Não demorou tanto para o quarto ser invadido por outros auxiliares e enfermeiros. Tinha até um homem mal encarado torcendo as mãos. O seu porte era de gigante. Sua feição, também. Ele era um brutamonte fora da jaula doido para partir ao ataque. A mulher franzina com um bloco de apontamentos se acercou de Silas e lhe perguntou de imediato:
--- Alguma dúvida aqui? – indagou a mulher franzina.
O brutamonte se aproximou de Silas com ampla impetuosidade. Esse viu o monstro parecido paquiderme e mesmo assim não teve receio.
--- Esse enfermo vai para um quarto de primeira classe. E se não tiver aqui, mande transferir para outro hospital. Isso é para ter se feito ontem. – esbravejou Silas.
--- É. Mais ele preferiu ficar na enfermaria. – falou a mulher.
--- Olhe minha querida. Esse homem não tem querer. Ele vai ser posto AGORA em um quarto de primeira categoria. Nesse ou noutro hospital. E eu saio quando a situação estiver resolvida; - falou enervado Silas a mulher franzina.
--- Eu sei senhor. Mas tem o médico. O senhor deve me compreender! – respondeu a mulher franzina.
--- Não tem médico coisa nenhuma! Esse hospital não tem médico. Eu tiro agora o paciente para outro hospital ou a senhora arranje um leito de primeira. – esbravejou o homem Silas já sentindo os punhos do grosseirão a sufocá-lo a qualquer instante.
--- Esta tudo bem. Eu providencio agora. Temos que fazer um prontuário. E tem que. ...- respondia a mulher magra quando Silas lhe cortou a palavra.
--- Eu pago a transferência, a primeira classe e seja lá o que for. Vamos sair daqui. – respondeu Silas cheio de ódio. E se voltando, disse a Orlando com bastante raiva.
--- Pode me esperar. A sua situação vai melhorar. – falou Silas a Orlando e saiu por fim. O troglodita, esmagando suas mãos, saiu também acompanhando Silas, tendo a sua frente à esposa do homem para agüentar qualquer tranco. 
E não passou nem meia hora quando os maqueiros faziam a transferência do enfermo para um quarto de primeira classe enquanto Silas e Vera atendiam a presteza da mulher franzina em preencher toda a documentação necessária. Nesse ponto, chegou o médico de plantão ao seu consultório e procurou se inteirar da situação com uma enfermeira ou foi a enfermeira  que lhe deu as informações necessárias. Uma coisa desse tipo. O certo é que, com um pouco tempo o médico apareceu junto a Silas e o cumprimentou como fazia de costume com todas as pessoas que cuidavam de um paciente de primeira classe. Silas aceitou os cumprimentos e, em troca lhe falou solene.
--- Como o senhor estava assistindo o jogo eu tomei a liberdade de transferir o paciente Orlando para o quarto de primeira classe. – falou com cara séria o rapaz Silas.
--- E o jogo, meu time perdeu. – sorriu o médico.
---De qualquer jeito, Orando Maia já deve ter sido transferido. – alocou o jovem Silas para o assombro de todos os que estavam no gabinete da mulher franzina.
Os maqueiros transferiram tão logo tiveram a ordem de remover o enfermo para outra sala de primeira classe. Já passavam das sete horas da noite e Silas e sua esposa Vera ainda estava no apartamento de Orlando que desde então passou a receber todos os cuidados que um doente merecia ter. Para a surpresa total de Silas, até uma auxiliar de enfermagem ficou a disposição de Orlando Maia, dando-lhe a medicação a cada hora marcada. De um modo ou de outro, Silas, no outro dia esteve em um hospital especializado para enfermos e por lá ficou, a saber, que algo qualquer Orlando Maia desfrutaria de imediato da atenção especializada de médicos, enfermeiros e auxiliares. Nesse dia, Silas deixou por mais tempo Orlando no velho Hospital e seguiu para a praia dos Coqueiros onde efetuou o preço combinado com o rapaz das jangadas e ordenou para que ele cuidasse das embarcações, consertando a quarta que estava quebrada. O rapaz ficou contente e perguntou:
--- O senhor quer outras? – indagou o rapaz das jangadas.
--- Vamos ver. Vamos ver. – ressaltou Silas de bom grado.
Por todo o dia Silas ficou ocupado com esse serviço. A tardinha, ele voltou ao hospital para saber como estava passando o doente Orlado. Não foi sem surpresa que a moça da recepção lhe informou que Orlando havia falecido pela madrugada. Silas ficou bastante triste com a notícia que ele recebera. Como não tinham parentes presentes, ele e a mulher Vera Muniz se encarregaram de fazer o sepultamento do homem. O féretro com conduzido por Diomedes, Silas, “Paredão” e “Pescador” até o local onde estava estacionado o carro fúnebre, no interior do Hospital. Ao sepultamento do homem Orlando estava presente todo o restante do pessoal disponível da Agencia Pomar. Não houve prantos nem velas. Apenas o silencio retumbava.
À noite, na sessão do Centro Espírita houve uma prece em suplício da vitima. Sem prantos nem dor. Apenas preces. Vera Muniz, já no oitavo mês de gestação, não foi à sessão do Centro. Ela estava a receber em seu apartamento a sobrinha de Diomedes, moça de nome Otília que chegara para ajudar nas coisas da casa. Tinha sido o próprio Diomedes quem trouxera a jovem moça após ter sido indagada pela mulher Vera Muniz da possibilidade da mãe da moça lhe ceder aquela criatura para tomar conta de seu apartamento. Vera Muniz sentia dores de parto a todos os dias. Oito meses, e ela não podia mais fazer os negócios que se incumbira. Tendo Otília no seu apartamento, ela se sentia mais segura para não fazer nada. Apenas orientava a moça de como fazer o que merecia ser feito. Logo após o sepultamento do homem Orlando, a esposa de Silas caminhou em seu automóvel dirigido por Diomedes para o seu complexo de morada.
--- Alguém bate. – alertou a moça Otilia assustada ao tarde das sete horas.
--- É o rapaz do restaurante. – respondeu Vera a doméstica.
E a moça foi até a porta do complexo e se pôs a atender o rapaz que acabara de trazer o jantar das pessoas que ali moravam. A mulher Vera Muniz observou atento o que lhe foi enviado e nem sentiu cheiro nem mau cheiro. Tudo o que disse foi:
--- Tire o seu e o restante ponha no freezer. – falou Vera meio desgastada.
--- A senhora está bem. – perguntou Otilia de forma surpresa.  
--- Estou. Estou. São a dores que vão e vem. – sorriu Vera a Otília.


domingo, 26 de dezembro de 2010

AMANTES - 36 -

- Demi Levato -
- 36 -

Estranhos acontecimentos se relataram no apartamento de Vera ao prosseguir do vagaroso tempo naquele momento, período de aflição e dor, próximo da amante ter o seu filho. O local era cada vez mais cheio de pessoas em busca de auxilio espírita para os seus delírios graves por parentes que tinham sido desencarnados há algum tempo ou há tempos remotos. Um dos casos que por tal viveu o médium espírita Molambo foi de um espírito desencarnado há algum tempo que viera para a Mesa no Apartamento de Vera Muniz. Seu nome era Santa Alma. Pelo menos foi como se identificou. Era uma entidade que talvez tivesse vivido há muitos anos na Terra. Na verdade, seu nome não era esse. Mesmo assim jamais se teve a certeza do seu verdadeiro nome. Certa vez, Molambo serviu de amparo para Santa Alma que dizia ser de uma “colônia” – morada dos Espíritos - há um tempo distante. Naquela vez primeira, o Espírito esteve a dizer que aquela Mesa retangular não utilizava nos meios espíritas sendo preferível uma mesa circular ou mesa girante. Santa Alma chegou a narrar fatos estranhos do médium “Paredão” que ele mesmo não sabia. E a Santa Alma lhe declarou que um dos seus avôs estava presente a sessão e que “Paredão” era a encarnação de um seu ente passado de tempos longamente remotos. “Paredão teve a preocupação de perguntar quem seria o espírito que ele então encarnara e Santa Alma respondeu que ele jamais conhecera, pois já fazia longo tempo em que o espírito havia desencanado e estava de volta então no corpo de “Paredão”. Mesmo assim, o homem perguntou quem era esse espírito. E o espírito de Santa Alma lhe disse apenas o primeiro nome, que era Georg, da Prússia. “Paredão” agradeceu pelo que lhe disse Santa Alma. E o homem indagou ainda de onde era Santa Alma. E ela disse:
--- Vários mundos. – declarou Santa Alma.
Nesse momento, após breve prece, o Espírito de Santa Alma se desfez do corpo de Molambo depois de dizer que estava muito grata a todos os médiuns presentes pela perspectiva que lhe trouxeram.
Na outra sessão, Vera já providenciara uma mesa circular ou girante onde todos os médiuns pudessem estar presentes ao seu tempo. Cadeiras foram arrumadas ao lado, sendo servida por alguém que procurasse a sessão das sextas-feiras. E por mais uma vez os espíritos de luz que já incorporavam nos corpos de Racilva e Molambo pôde estar mais presente com assiduidade.
Na verdade não existe uma regra geral que oriente a realização de uma sessão espírita. Com a preocupação da desobsessão, os médiuns se asseguram tão somente. É de costume se ter uma mesa circular, coberta com toalha branca, um livro espírita, um jarro com água e iluminação sóbria. O doutrinador abre a sessão com uma prece à luz de livro espírita. Pode-se pedir a orientação de espírito de luz e ao final da reunião as pessoas devem beber a água que foi transformada pelos espíritos de luz durante a vibração. Os espíritas não fazem preces formais ou escritas e a especialização das sessões segue os princípios básicos do Espiritismo: estudo e mediunidade. Em alguns Centros os médiuns fazem cursos de desenvolvimento mediúnico. A desobsessão de um espírito sobre uma pessoa é a mais importante. As sessões podem ser em período diurno como noturno. Porém, os espíritos de luz recomendam  que a iluminação seja feita por uma vela acesa ou por  pequena lâmpada de óleo postada sobre o centro da mesa circular. Os espíritos de luz recomendam não se colocar nenhum objeto de vidro para evitar à recepção de certo tipo de espírito.
No sábado, Diomedes estava a ver sua obra de construção, feita pela Construtora Câmara. O estágio estava bem adiantado podendo ser concluído dentro de mais alguns dias. Por sua vez, Silas e a esposa Vera Muniz, foram ver o que já estava pronto da construção de sua mansão a beira-mar. A mulher estava com uma barriga e tanto, faltando pouco tempo para dar à luz a um rebento. Nessa conversa de casa e construção, eis que surgiu um rapaz ao dar bom dia aos dois amantes e por vez perguntar ao moço Silas se ele estava interessado em adquirir uma jangada. A pedra caiu do céu. Prontamente Silas respondeu que chegou a pensar no assunto:
--- Por quê? O senhor tem jangada? – indagou Silas ao forasteiro.
--- Eu não. Mas eu sei quem tem algumas jangadas! – respondeu o homem quase a sorrir.
--- E onde está esse homem? – indagou Silas ao lado de sua esposa na sombra de um cajueiro
--- Ele está no Hospital. Mas eu posso fazer negócio em nome dele. – sorriu o rapaz.
--- No Hospital fazendo o que? – perguntou surpreso o moço Silas.
--- Ele está doente. Quase morrendo. Não tem mulher. Os filhos não ligam para isso. E eu estou vendo à hora de as jangadas irem ao fundo.  – tangenciou o rapaz ao seu modo de falar.
--- E quantas jangadas têm o homem? -  indagou Silas.
--- Quatro. Mas uma está de mal a pior. Por isso, só conto com três. E mais ou menos. – enfatizou o rapaz com a cara de angustia.
--- E quando podemos ver essas catraias? – perguntou Silas ao moço.
O homem sorriu leve e depois respondeu:
--- Não é catraia não sô. É jangada. Ah se fossem catraias! – sorriu o jovem ao desespero.
--- Catraia é o modo de falar. E onde estão as jangadas? – resmungou Silas impaciente.
--- Aqui na paia. Os homens só velam com elas quando não tem outra jangada para sair para o mar. Estão ali. As quatro. Mas só se vê três das quatro. – sorriu leve o moço.
Silas foi com o home até a beira da praia que ficava bem próxima deixando a mulher na construção de sua mansão. O velho Diomedes vinha se acercando e por determinação do seu chefe ficou com Vera ao sobrar da ventania. Diomedes ficou a olhar o seu patrão de forma lenta enquanto a mulher lhe dizia não ser do seu gosto ele adquirir aquelas embarcações de pesca por ser velhas demais. As velas eram todas remendadas. Tinha uma até sem vela. Já o dono estava no Hospital. Sabe o que esse homem sofria. Talvez um câncer. Talvez próstata. Talvez qualquer outra enfermidade. O marido já estava na margem da maré vazante a conversar algo com o moço que viera lhe oferecer as jangadas. Silas havia dito certa vez que era intenção sua adquirir umas jangadas. Depois calou de vez. A não ser quando ele apenas perguntava a Diomedes.
--- Onde estão as jangadas? – sorria Silas ao fazer a pergunta.
--- No mar! – sorria Diomedes ao se referir as tais jangadas.
No Hospital, o dono das jangadas, àquela hora da tarde, quase no seu final, no momento em que Silas voltou à capital, quase dormia, só e abandonado pelo tempo pelos parentes próximos e distantes e por seus amigos. Os mais duradouros dos amigos. Ele não tinha a seu lado nem uma companhia de uma nobre ou pobre mulher. As enfermeiras, auxiliares, homens de farda branca, médico e outros pobres infelizes, passavam ao largo, indo e voltando. Nos demais leitos existentes naquele quarto dos infelizes, estavam outros enfermos, todos a dormir ou a fazer de conta que estavam a adormecer. O nome do enfermo, dono das jangadas era tão somente Orlando. Um Orlando qualquer. Um Orlando Maia da vida e da morte. Foi por esse nome que Silas o procurou ao fim da tarde. O crepúsculo já era próximo. Andorinhas voavam pelos horizontes tranqüilos e macios. Um soar alegre de um quack quack de um pato, fazia se notar naquelas redondezas. E outros patos também faziam o mesmo. E depois saiam em revoada. Um homem interno tossia violentamente. Outro se postava a gemer de dor. Vera Muniz sentia náuseas por tudo aquilo pensava de quando esteve internada no Hospital. Silas, o seu marido lhe dava tapinhas na mão como que para lhe tranqüilizar. Ali estava o outono da vida daqueles incrédulos vivos na derradeira chama de suas vidas. Tudo acabado e nada mais.
--- Orlando? – perguntou por sua vez Silas ao pé da cama do moribundo.
--- Sim. Sou eu. – respondeu o homem acabado, desnutrido e fraco.
--- Eu sou apenas uma visita para o amigo. – sorriu de leve Silas ao lado de sua esposa.
--- Visita! Quem me dera! Não tenho nem meios para mandar sentar. – tossiu o homem com sua voz acabada.
--- Não tem importância. Apenas queremos a sua melhora. – falou Silas ao doente de cama.
--- Melhora! Ah que dera! Eu vou morrer em poucos dias. Então eu melhor. – tossiu o homem.
Orlando Maia estava sedado e por isso não mais sentia dores atrozes que lhe acometia a enfermidade cruel a que todos os afligem. A enfermidade tirana vem de mansinho e se ajeita de forma a não mais se retirar. Ele estava tão somente abandonado pelo próprio destino. Era apenas coisas de dias ou horas. O ultimo degrau da vida, ele galgava. Algo que não mais tinha retorno. E Silas, meio preocupado com o estado de saúde de Orlando, indagou suavemente.
--- Eu venho da praia dos Coqueiros. Eu tenho uma casinha por perto. Gostaria de saber se o senhor vende as jangadas que o senhor possui! – indagou Silas.
--- Jangada! Eu nem me lembro mais de quantas jangadas. Deixei aquilo largado a própria sorte. Um rapaz toma conta das jangadas. – falou baixinho o homem enquanto tossia.
--- Eu sei. Eu sei. E por quanto vende as jangadas? – indagou Silas de forma baixa.
--- Eu nem sei se vale se vender. É para o senhor? – perguntou o homem a tossir bravo.
--- Sim. É para mim. Eu pergunto por quanto eu devo pagar pelas embarcações. – relatou Silas
--- O que o senhor der, está pago. – tossiu o homem.
--- Pago ao senhor mesmo? – indagou Silas.


sábado, 25 de dezembro de 2010

AMANTES - 35 -

- Bella Swan -
- 35 -

O trabalho das casas de Silas e Diomedes seguia a todo vapor. A obra de construção da casa do velho era mais rápida por ser uma construção menor. A construção de Silas demorava mais um pouco. Devia acabar quando Vera tivesse o filho, dentro de mais dois meses, uma vez que Vera estava entrando para o oitavo mês de gestação. Após aquela pavorosa hemorragia, nada mais aconteceu com Vera. Para suavizar mais o seu pré-parto, a mulher resolveu apenas ter que ir a um expediente na Agencia da qual ela era a presidente e não fazer nenhum esforço físico. Entrementes, a vida seguia normal no apartamento de Vera e Silas Albuquerque. Houve reuniões mediúnicas na residência, todas as sextas feiras. Casos estranhos foram relatados pelos médiuns receptores, como o de uma garota de seus dezessete anos que aparecia em um sítio remoto. Era freqüente essa aparição no sentir do médio Diomedes conhecido nas sessões espíritas como sendo Molambo. Certa vez, a jovem donzela surgiu ao velho e não disse nada. Apenas ela estava ao seu lado, pela observação de Racilva que era médium vidente e dotada de percepção e de falar com os entes desencarnados. Ela – Racilva – viu a jovem donzela como se estivesse em um sítio naquele instante, apesar de estar sob o apoio do velho Molambo. Então Racilva falou com a donzela naquela hora;
--- Seja bem vinda irmã. O que procuras? – perguntou o espírito de Annie incorporado em Racilva.
--- Ande a procura de meu pai e minha mãe. – respondeu o espírito desencarnado ali no corpo do velho Molambo.
--- Quem são seus pais? – indagou Annie bastante compreensiva.
--- Um casal que morava aqui. – respondeu o espírito desencarnado.
--- Onde você reside? – indagou por vez o espírito de Annie.
--- Eu moro aqui mesmo. Eles parecem que viajaram. – reclamou o espírito da donzela.
--- Aqui não mora mais ninguém. Vê se me diz o nome do local que estava a residir. – falou Annie contemplativa.
--- É aqui mesmo. Sitio do Meio. – respondeu o espírito da jovem.
--- Você sabe que estas em outro plano? – indagou Annie ao espírito.
--- Não. Eu estava dormindo e acordei há poucos momentos. – respondeu o espírito da donzela
--- Mas você não está mais no mundo dos seres viventes. Você está desencarnada. E hoje o seu lar não é mais esse. – ajuntou o espírito de Annie.
--- O que é isso? Desencarnado? – perguntou a donzela a sua interlocutora.
--- Vamos dizer que você “morreu”. E hoje está em outro plano. – respondeu Annie.
--- Morreu? Mas eu estou viva. Meus pais saíram daqui e me deixaram! – falou assombrado o espírito da donzela.
--- Na verdade você, irmã, não “morreu” como acreditou. Apenas você desencarnou. Você está em outro plano de vida. Por isso estás a vagar pelo terreno que pensas ser Sítio do Meio. Convido você para seguir com outros espíritos de luz para onde estão teus pais. Eles estão bem atrás de você. Por isso, eu rogo que saibas andar pelo caminho do bem. – declarou Annie, o espírito que estava em Racilva.
E nesse ponto o espírito da jovem donzela se apartou do médio Molambo. Annie também se apartou de Racilva. E o grupo de médiuns então pediu para rezar a oração do Pai que eles sempre faziam quando um espírito necessitado era encaminhado para outro plano. Outro espírito de luz incorporou em Racilva e disse logo ao saudar a todos:
---“O caráter essencial de qualquer revelação deve ser a verdade”, revelou esse espírito de luz citando como conceito de Allan Kardec.
Outros eventos se seguiram em outras reuniões no apartamento de Vera e Silas demonstrando o valor sublime do poder espírita. O problema mais sério das mesas circulares era o poder da desobsessão. A obsessão é a ação persistente de um mau Espírito sobre uma pessoa. O Espírito do mal age sobre diversas influencias. Com o tempo, o médium fica isento de qualquer obsessão por saber de imediato o que um espírito de luz.
Certa noite de sexta-feira se fez presente no apartamento de Vera a senhora Dulce Prata em busca de auxílio dos médiuns espíritas. Dulce era uma senhora dos seus quarenta e cinco anos, uma vez divorciada, em busca de seu filho Fernando que morrera em acidente de transito há alguns anos. Dulce fora convidada pelo médium “Paredão” para fazer passes especiais e assistir a uma sessão no apartamento de Vera Muniz. A mulher nunca tinha freqüentado uma sessão espírita, nem mesmo nos Centros existentes na cidade. Com efeito, Dulce vivia atormentada por alguma coisa que a não deixava tranqüila. Era como uma espécie de visagem que as noites lhe aparecia em sonhos. A mulher já perdera seus dez quilos e estava cada vez atormentada com seus pesadelos. De gorda Dulce passou para uma mulher definhada. Em sua casa morava uma serviçal que não era peixe nem carne. Vivia na casa apenas para ajeitar o que precisava fazer. E Dulce não a despedia por compaixão. Na reunião do apartamento de Vera a mulher – dona Bela – foi também acompanhando a sua patroa, pois Dulce tinha medo de andar sozinha principalmente durante à noite. O rapaz Fernando, filho de Dulce, igualmente morrera durante uma noite de sexta feira ao voltar de uma festa em um clube social. Eram ele e mais três rapazes. O carro em que Fernando viajava seguia em alta velocidade. Todos os que estavam no veiculo tinha bebido, menos Fernando, pois no dia seguinte teria que ser submetido a uma operação de vesícula. A operação seria no sábado. Ao entrar em uma rua, na contra-mao, o motorista do carro nem deu por sentido. Alí mesmo perdeu a direção do veiculo e foi de encontro a uma parede de uma moradia. Do confronto do carro com o muro da residência apenas teve morte o jovem Fernando que viajava no assento da frente. A pancada foi forte e atingiu o lado do passageiro. Os outros rapazes saíram com leves ferimentos e o motorista foi lançado fora do carro.  Houve prestação socorro por parte de outros veículos que transitavam na rua àquela hora da madrugada. Apesar de ter sido atendido com pressa, Fernando já chegara morto ao Hospital. E desde essa época que Dulce Prata não teve mais sossego. O seu casamento desandou e, por fim, veio o divórcio. A mulher vivia em pratos pelo interior de sua residência. Por vezes nem comia aquilo que ela pedia. A comida amargava em sua boca.
E foi nesse estado de coisa que Dulce Prata foi, certa vez, a casa de “Paredão” pedir ajuda dessa rodada de amigos, pois era a única coisa que faltava fazer. “Paredão” se comprometeu em lhe dar ajuda e, finalmente, em uma sexta-feira ele a levou junto com a sua serviçal para ter uma verdadeira acolhida por parte de Vera, Silas, “Pescador”, Racilva e também Molambo. A sessão teve início como de sempre. As orações eram feitas por “Paredão”. Em seguida o homem discorreu sobre o acidente do qual foi vítima o rapaz Fernando e rogou aos guias espirituais de lhe prestarem ajuda para sentir se, na verdade, Fernando estava a necessitar de tal ajuda. Houve um enxame de espírito vindo para Molambo e nenhum era na verdade o de Fernando. Ao fim da reunião, veio para Molambo um espírito de um desencarnado advertindo que Fernando estava a “dormir”, ou seja, inconsciente até àquela hora, pois a pancada que sofrera o rapaz lhe tornara desacordado e “morto”.  A entidade de luz teria que despertar o espírito e trazê-lo a mesa para ele falar o que sentia na outra parte da vida. Quem estava fazendo “visitas” a Dulce Prata era o seu avô para tentar que ela despertasse o “morto” que ainda não tinha conhecimento da vida que passara. Foi uma verdadeira tensão que a mulher passara naqueles momentos. Em seguida, após algum tempo, um espírito se incorporou em Dona Bela fazendo com que a mulher caísse ao solo quase que desacordada. E o espírito do suposto Fernando indagou a alguns poucos instantes.
--- Olha a parede Ferreira! – disse isso e desacordou.
Um espírito de luz veio na voz de Racilva, dizer ao espírito que estava desacordado, indo até o local do “morto”.
--- Levanta irmão. Não estás a dormir. Levanta, pois estás em outro estágio da vida. – disse o espírito de Annie falando por Racilva.
Dona Bela foi soerguida do chão com ajuda rápida de “Paredão” e “Pescador” e posta na mesa como devia ficar, atormentada pelo espírito de Fernando. Em seguida, o espírito de luz de Annie disse a Fernando:
--- Vê tua mão com estranha agonia por tua causa. Vens agora para o lar dos aflitos e por lá encontraras a pás que o teu avo tanto almeja. Os espíritos de luz se encarregaram de ti. – falou a angelical Annie.
A mãe do rapaz não se contentava em chorar de tanta emoção de ver seu filho tão perto e ela nada poder fazer por ele. Num verdadeiro e momentoso instante o espírito desencarnado de Fernando deixou o corpo de Dona Bela e subiu para o Hospital dos aflitos. E a sessão chegou ao seu final com a recomendação para a mulher Dulce Prata por flores no local onde houve o desenlace do seu filho e levar flores ao tumulo do seu avo e de Fernando como forma de agradecer aqueles momentos de desencarnação. A sessão terminou às onze horas da noite quando tudo se acalmou de verdade.


sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

AMANTES - 34 -

-  Deborah Kerr -
- 34 -

O quarto onde Vera Muniz estava era iluminada a meia luz. As luminárias eram programadas para tal fim. Contudo, podiam-se ler as mais tenras letras de um receituário de medicamento se alguém tivesse tal curiosidade. Havia soro com algum medicamento posto em um escalpo bem ao alto da cabeça de Vera. A auxiliar de enfermagem verificou o conteúdo da bolsa do soro e depois saiu do local sem dizer uma palavra. Apenas Racilva perguntou baixinho se era possível acordar a paciente e a auxiliar respondeu:
--- Ela está acordada. – e sorriu saindo em seguida.
O marido de Vera se encostou a cama um pouco elevada, e sorriu par a mulher temendo até lhe dar um beijo, pois o homem estava totalmente sujo por ter passado quase o dia todo no salão do hospital. Racilva, de braços colados um no outro, como se fosse uma noviça e uma freira, se juntou do outro lado da cama a olhar Vera evitando tocá-la. O motorista do carro, o velho Diomedes, ficou um pouco mais distante da cama apenas a olhar a jovem parturiente. A porta se fechara ao sair do quarto a auxiliar de enfermagem. Barulho de qualquer espécie não chegava até ao quarto 213. Tudo era silencio. O ar condicionado nem fazia zoada costumeira. Com pouco tempo a mulher abriu os olhos e notou à presença de seu marido. Sorriu para ele. E lhe apertou a mão levemente. Para o outro lado estava Racilva, a jovem. Vera olhou devagar e sorriu leve para a sua amiga. E sorriu também para o motorista do seu marido, o velho Diomedes que estava mais ao largo. Após todos esses sorrisos, Vera indagou quando era que tinha que sair do hospital.
--- Breve. Amanhã. Hoje ainda você passa a noite sob os cuidados do Doutor Lemos. – explicou o marido em voz suave.
--- Amanhã? – perguntou a mulher meio chorosa.
--- É. Assim diz o médico. – explicou Silas de vagar e com muito afeto.
--- Você tem urinado? – indagou Racilva a mulher.
--- Acho que sim Não sei. Estou meio sonolenta. – respondeu Vera com voz de choro.
E a conversa continuou nesse termo e Silas indagou da esposa se podia fica para dormir no seu quarto. Ela respondeu não saber. Porém, parece que ele podia ficar. Mas ao mesmo tempo a mulher recusou a oferta, pois sabia que o marido tinha que comer algo.
--- Eu já comi. Racilva trouxe uma pizza. – sorriu Silas ao lembrar-se dos muxicões que a moça havia prometido se ele não comesse.
--- Que foi? – indagou Vera de forma sonolenta. –
--- Nada. Foi isso mesmo. – respondeu o marido.
--- Foi isso Racilva? – indagou a mulher à sua companheira de forma bem lenta.
--- Foi. Silas comeu uma pizza. – respondeu Racilva de forma acolhedora.
--- Mas não é isso que Silas disse. Ele sorriu. – falou a mulher de forma lenta.
--- Sorriu por que ver você boa, pronta pra outra. – sorriu leve Racilva.
--- É isso mesmo Diomedes? – indagou a mulher ao velho que estava somente a olhar de longe os três amigos.
--- É verdade, senhora. – respondeu o velho Diomedes sem saber nem o que.
Por fim, Silas Albuquerque disse que ele ficaria no quarto e que Racilva e Diomedes poderiam sair a qualquer hora e somente voltar no outro dia pela manhã. Houve acordo entre os funcionários da Agência Pomar. Eles voltariam no dia seguinte quando Vera retornaria para o seu apartamento. A noite era tranqüila e nada se ouvia de fora. Apenas a reclamação de Vera.
--- Quanto trabalho eu dou para vocês. – falou a mulher com voz embargada.
--- Isso é normal. Foi um acidente de percurso. – respondeu Racilva calmamente.
Silas estava a chorar por tanta aflição por que passara a mulher naquelas horas.
A enfermeira e outra bela mulher, a nutricionista, entraram no quarto de Vera. A segunda pessoa, a nutricionista, fez apenas algumas perguntas de praxe: como a paciente estava se sentindo, o que desejava comer na manhã seguinte, se havia se alimentado normal durante o dia no Hospital e outras coisas a mais. Disse ainda à moça que uma auxiliar lhe traria em breve uma sopa para que Vera se nutrisse.
--- Sopa? – indagou Vera repugnando a sopa.
--- São cuidados especiais para com a senhora. – sorriu a nutricionista que estava a oferecer a sopa.
--- Se eu não como meu marido pode comer? – indagou Vera a enfermeira.
A moça sorriu e respondeu que o acompanhante teria uma refeição apropriada para ele. Que a paciente não se preocupasse com isso. E Silas indagou a enfermeira, de pronto:
--- Tem banheiro aqui? – perguntou Silas a enfermeira.
--- Tem. Pois não. Naquela local ao seu lado. – sorriu a enfermeira e passou para indicar o local.
E a jovem enfermeira passou para mostrar o banheiro e aparelho existentes.
--- Agora, a sua esposa deve urinar apenas no aparador. Queremos ver se não há mais presença de elementos estranhos. – sorriu a enfermeira um pouco baixa e um tanto gorda.
--- E fezes? – indagou o marido ao saltar de preocupação.
--- Fezes ela não tem. O hospital já fez uma lavagem evitando a presença de elementos estranhos como fezes. – sorriu a enfermeira.
--- Então ela só deve urinar? – indagou Silas alarmado com a notícia.
--- É sim. Só isso. - sorriu a enfermeira baixa e gorducha.
Depois que as profissionais saíram do apartamento hospitalar, os três visitantes e mais a paciente trocaram algumas palavras. Vera apenas chorava e reclamava da cama em que estava que era desconfortável. Racilva juntou o travesseiro na cabeça de Vera e, assim, colocou um pouco mais elevado para que a paciente se acomodasse de forma mais confortável. E após o serviço perguntou a mulher:
--- Assim está bom? – indagou Racilva de voz suave.
--- Melhor. – respondeu Vera de voz lastimosa.
A conversa prosseguiu com Silas Albuquerque discorrendo que ficaria àquela noite no Hospital e se possível, Racilva viesse na manhã do dia seguinte. O velho Diomedes também poderia ir descansar no apartamento e apenas voltar pela manhã. Após certo tempo, a moça Racilva se despediu de Vera e de Silas e, aproveitando a presença do velho Diomedes pediu para que ele a conduzisse até o escritório da Agencia Pomar vez que deixara no local o seu automóvel.
Manhã do dia seguinte. Cinco e meia. Enfermeira entra no apartamento de Vera Muniz de forma tão sutil que nem os seus passos se podiam ouvir. Silas dormia em uma poltrona com a cabeça pendida para um lado. A enfermeira trazia um frasco de injeção em uma das mãos para fazer a injeção na veia de Vera. Essa estava dormindo a sono solto e acordou com o sacolejo da aparelhagem. Abriu os olhos e atendeu a solicitação da enfermeira. Vera perguntou se ela sairia naquela manhã. A enfermeira disse não saber. A mulher olhou para a poltrona onde estava a dormir o seu esposo.
--- Ele dorme. – disse a enfermeira de forma baixa e fez a injeção na veia de Vera.
--- Tanto medicamento. Vou sair como um hipopótamo. – relatou Vera de forma lenta.
A enfermeira sorriu e não disse nada. Apenas Vera perguntou:
--- Que horas o médico vem? – indagou muito calma a paciente.
--- Dez horas. – respondeu enfermeira.
---- Dez horas! Para mim é uma eternidade. – comentou Vera lacrimosa..
--- Sua urina não apresenta nada. Vou levar agora. – comentou a enfermeira a sorrir e tirou o aparador de baixo da cama.
Vera ainda teve a intenção de olhar para a urina, porém não teve como. A enfermeira colocou a urina em um saco plástico e deixou o aparador para ser mudado por uma das auxiliares de enfermagem. Depois de tudo feito, a enfermeira deixou o apartamento de Vera do mesmo modo como entrou: sem fazer o mínimo ruído.  A mulher olhou para a poltrona onde estava recostado o seu marido e esse continuava a dormir. O silêncio imperava em toda a extensão do Hospital, onde não se ouvia nem o passar de uma formiga. Pouco depois das dez horas o médico esteve com Vera em seu apartamento e lhe deu alta recomendando repouso absoluto até o nascimento do seu filho.