segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

AMANTES - 37 -

- Crystal Harris -
- 37 -

Orlando Maia estava por demais exausto. A tosse constante e cansativa lhe deixava cada vez mais oprimido. Ninguém de sua casa aparecera nos últimos dias para saber sua condição de saúde. Ele era um enfermo descrente por sua vida. Algumas vezes aparecia em seu quarto da enfermaria para lhe fazer alguma injeção ou lhe dar um comprimido. O almoço, café e jantas eram servidos por uma auxiliar de enfermaria nas horas marcadas. A mulher chegava com a refeição e saía para uma ou duas horas depois voltar e levar a bandeja. Era uma lástima a situação de Orlando. Para ter tão poucos dias de vida, não lhe cabia sofrer de tal forma. E Silas sofreu também com a enfermidade do homem. Em certo ponto, Silas indagou a Orlando:
--- Quem é o seu médico? – perguntou Silas a Orlando de forma carinhosa.
--- Não sei o seu nome. Talvez seja um dos que não vem nunca aqui. É sem nome. Loiro e alto. Porém sem nome. – declarou Orlando entre tosses.
--- Entendo. Entendo. E o senhor o que sente? - investigou Silas ao homem.
--- Eu só tenho tosse. Tosse que não acaba mais. Está me definhando. – chorou Orlando.
--- Entendo. Eu posso levar o senhor para outro quarto. Que achas? – averiguou Silas.
O homem chorou como um menino. Já não lhe restava tanto tempo de vida. E ele preferiu não sair da enfermaria. Com relação ao pagamento das jangadas, Silas podia fazer ao rapaz que lhe ofereceu. O dia já descambara e a noite estava quase a chegar. Vozes lá fora indicavam que os amigos e parentes de outros enfermos já deixavam o hospital. Do seu canto onde estava apareceu uma auxiliar advertindo a Silas e a sua esposa que a hora já  havia chegado ao  fim. Precavendo-se de maus tratos para com o homem, Silas indagou sobre quem era o médico de plantão. A auxiliar informou que ele não estava no hospital.
--- Essa é boa! Um médico de plantão que não está no serviço! – comentou Silas a sua esposa.
--- Hoje tem jogo, senhor – falou a auxiliar.
--- Essa é ainda melhor! Pois eu faço questão, de imediato, de transferir esse doente para um quarto de primeira classe. E com acompanhante. Ouviu bem? E logo! - falou Silas enfezado da sorte do paciente.
--- Mas eu não posso fazer nada! – falou a auxiliar de modo acanhado.
--- Eu disse: LOGO! Procure um médico ou quem seja lá quem for. Quero a transferência agora. De imediato! – falou alto o homem Silas para o acanhamento de sua esposa.
--- Sim senhor. Vou ver o que faço! – reclamou a auxiliar.
Não demorou tanto para o quarto ser invadido por outros auxiliares e enfermeiros. Tinha até um homem mal encarado torcendo as mãos. O seu porte era de gigante. Sua feição, também. Ele era um brutamonte fora da jaula doido para partir ao ataque. A mulher franzina com um bloco de apontamentos se acercou de Silas e lhe perguntou de imediato:
--- Alguma dúvida aqui? – indagou a mulher franzina.
O brutamonte se aproximou de Silas com ampla impetuosidade. Esse viu o monstro parecido paquiderme e mesmo assim não teve receio.
--- Esse enfermo vai para um quarto de primeira classe. E se não tiver aqui, mande transferir para outro hospital. Isso é para ter se feito ontem. – esbravejou Silas.
--- É. Mais ele preferiu ficar na enfermaria. – falou a mulher.
--- Olhe minha querida. Esse homem não tem querer. Ele vai ser posto AGORA em um quarto de primeira categoria. Nesse ou noutro hospital. E eu saio quando a situação estiver resolvida; - falou enervado Silas a mulher franzina.
--- Eu sei senhor. Mas tem o médico. O senhor deve me compreender! – respondeu a mulher franzina.
--- Não tem médico coisa nenhuma! Esse hospital não tem médico. Eu tiro agora o paciente para outro hospital ou a senhora arranje um leito de primeira. – esbravejou o homem Silas já sentindo os punhos do grosseirão a sufocá-lo a qualquer instante.
--- Esta tudo bem. Eu providencio agora. Temos que fazer um prontuário. E tem que. ...- respondia a mulher magra quando Silas lhe cortou a palavra.
--- Eu pago a transferência, a primeira classe e seja lá o que for. Vamos sair daqui. – respondeu Silas cheio de ódio. E se voltando, disse a Orlando com bastante raiva.
--- Pode me esperar. A sua situação vai melhorar. – falou Silas a Orlando e saiu por fim. O troglodita, esmagando suas mãos, saiu também acompanhando Silas, tendo a sua frente à esposa do homem para agüentar qualquer tranco. 
E não passou nem meia hora quando os maqueiros faziam a transferência do enfermo para um quarto de primeira classe enquanto Silas e Vera atendiam a presteza da mulher franzina em preencher toda a documentação necessária. Nesse ponto, chegou o médico de plantão ao seu consultório e procurou se inteirar da situação com uma enfermeira ou foi a enfermeira  que lhe deu as informações necessárias. Uma coisa desse tipo. O certo é que, com um pouco tempo o médico apareceu junto a Silas e o cumprimentou como fazia de costume com todas as pessoas que cuidavam de um paciente de primeira classe. Silas aceitou os cumprimentos e, em troca lhe falou solene.
--- Como o senhor estava assistindo o jogo eu tomei a liberdade de transferir o paciente Orlando para o quarto de primeira classe. – falou com cara séria o rapaz Silas.
--- E o jogo, meu time perdeu. – sorriu o médico.
---De qualquer jeito, Orando Maia já deve ter sido transferido. – alocou o jovem Silas para o assombro de todos os que estavam no gabinete da mulher franzina.
Os maqueiros transferiram tão logo tiveram a ordem de remover o enfermo para outra sala de primeira classe. Já passavam das sete horas da noite e Silas e sua esposa Vera ainda estava no apartamento de Orlando que desde então passou a receber todos os cuidados que um doente merecia ter. Para a surpresa total de Silas, até uma auxiliar de enfermagem ficou a disposição de Orlando Maia, dando-lhe a medicação a cada hora marcada. De um modo ou de outro, Silas, no outro dia esteve em um hospital especializado para enfermos e por lá ficou, a saber, que algo qualquer Orlando Maia desfrutaria de imediato da atenção especializada de médicos, enfermeiros e auxiliares. Nesse dia, Silas deixou por mais tempo Orlando no velho Hospital e seguiu para a praia dos Coqueiros onde efetuou o preço combinado com o rapaz das jangadas e ordenou para que ele cuidasse das embarcações, consertando a quarta que estava quebrada. O rapaz ficou contente e perguntou:
--- O senhor quer outras? – indagou o rapaz das jangadas.
--- Vamos ver. Vamos ver. – ressaltou Silas de bom grado.
Por todo o dia Silas ficou ocupado com esse serviço. A tardinha, ele voltou ao hospital para saber como estava passando o doente Orlado. Não foi sem surpresa que a moça da recepção lhe informou que Orlando havia falecido pela madrugada. Silas ficou bastante triste com a notícia que ele recebera. Como não tinham parentes presentes, ele e a mulher Vera Muniz se encarregaram de fazer o sepultamento do homem. O féretro com conduzido por Diomedes, Silas, “Paredão” e “Pescador” até o local onde estava estacionado o carro fúnebre, no interior do Hospital. Ao sepultamento do homem Orlando estava presente todo o restante do pessoal disponível da Agencia Pomar. Não houve prantos nem velas. Apenas o silencio retumbava.
À noite, na sessão do Centro Espírita houve uma prece em suplício da vitima. Sem prantos nem dor. Apenas preces. Vera Muniz, já no oitavo mês de gestação, não foi à sessão do Centro. Ela estava a receber em seu apartamento a sobrinha de Diomedes, moça de nome Otília que chegara para ajudar nas coisas da casa. Tinha sido o próprio Diomedes quem trouxera a jovem moça após ter sido indagada pela mulher Vera Muniz da possibilidade da mãe da moça lhe ceder aquela criatura para tomar conta de seu apartamento. Vera Muniz sentia dores de parto a todos os dias. Oito meses, e ela não podia mais fazer os negócios que se incumbira. Tendo Otília no seu apartamento, ela se sentia mais segura para não fazer nada. Apenas orientava a moça de como fazer o que merecia ser feito. Logo após o sepultamento do homem Orlando, a esposa de Silas caminhou em seu automóvel dirigido por Diomedes para o seu complexo de morada.
--- Alguém bate. – alertou a moça Otilia assustada ao tarde das sete horas.
--- É o rapaz do restaurante. – respondeu Vera a doméstica.
E a moça foi até a porta do complexo e se pôs a atender o rapaz que acabara de trazer o jantar das pessoas que ali moravam. A mulher Vera Muniz observou atento o que lhe foi enviado e nem sentiu cheiro nem mau cheiro. Tudo o que disse foi:
--- Tire o seu e o restante ponha no freezer. – falou Vera meio desgastada.
--- A senhora está bem. – perguntou Otilia de forma surpresa.  
--- Estou. Estou. São a dores que vão e vem. – sorriu Vera a Otília.


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