sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

AMANTES - 41 -

- Bella Thorne -
- 41 -
Na sexta-feira, Racilva se desculpou e disse que naquele dia não poderia ir ao apartamento de Vera Muniz. Era por causa da doença de um seu tio, já bastante idoso, e ela foi chamada com pressa para viajar ao interior do Estado. Isso pareceu normal para Vera. A sessão foi aberta à noite e o mentor como sempre foi “Paredão” tendo “Pescador” como auxiliar e a moça que acabara de chegar para ajudar no serviço de limpeza do apartamento, de nome Otília, também teve assento à mesa circular, junto com o velho Molambo e os donos do complexo, Silas e Vera. Os trabalhos transcorreram normais sem casos específicos a relatar. Alguns espíritos desencarnados vieram. Um foi de um moço bêbado, quando em vida, que reclamava ter sido despertado desesperadamente, no meio do seu sono e estava naquela sala sem saber o por quê. Após breves conselhos o desencarnado voltou para o seu albergue da paz onde outros desencarnados estavam.  Outra passagem foi de um espírito de aparentemente de um homem que relatou tudo o que havia feito no último dia de sua existência. Conforme ele disse, era uma tarde de verão:
--- Eu estava seguindo a pé por uma rua de subúrbio. Ao passar por uma casa eu dizia a uma pessoa que era ali que se fazia inscrição. Não sei bem de que. Depois eu continuei viagem até uma passagem de ônibus em uma estrada longa. Vi muitas pessoas. Vi também uma menina com o seu irmão ao colo. Ela estava toda cheia de baba lançada pelo menino de seu um ano. Peguei um ônibus que passava e o cobrador não teve troco para passar de uma nota bem maior que o valor da passagem. Nessa ocasião, eu vi cerca de quinze sacerdotes que viajavam logo à frente, nos primeiros assentos do ônibus. Eles debatiam sobre a situação da lagoa. Eu não sei qual era a lagoa. Por fim a minha viagem foi interrompida. Eu nada mais pude ver.
--- Talvez o irmão tenha se lembrado de um acidente que houve com um ônibus no qual o irmão viajava. Nesse ônibus também viajavam vários sacerdotes. Eles estavam fazendo uma excursão pela região. A lagoa era a que o Governo estava a fazer serviços. Foi um caso célebre o que ocorreu. Todos morreram no acidente quando o ônibus colidiu de frente com outro carro. Vamos orar para que o seu espírito goze de paz na sua mansão levado pelo espírito de luz do irmão Charcot.
No sábado, pela manhã, Silas disse a sua esposa que ele teria que sair para ver uma questão das jangadas adquiridas recentemente do homem Orlando Maia que morrera logo depois de efetuar o negócio. E indagou se Vera Muniz desejava ir também com ele. A mulher disse não, pois estava muito nauseada naquela manhã e a barriga latejava, pois já era o inicio do parto previsto para duas semanas. O homem não se preocupou com o caso. E disse que qualquer eventualidade ela fosse de imediato para o Hospital Pro Mater. A mulher sorriu e declarou:
--- Também não é assim homem besta. Se precisar, eu chamarei Racilva. Vá logo cuidar das suas jangadas. – respondeu a mulher a sorrir.
--- Mas Racilva não está em viagem para o interior? – indagou surpreso o homem.
--- Ah é. Eu nem me lembrava disso. Mas, eu vou com Otilia. Estamos resolvidos. – sorriu a mulher bastante alegre.
O homem sorriu e tomou o destino que ele aparentemente declarou.
O velho Diomedes já estava agarrado no seu afazer de fim de semana. A construção da moderna casa na praia dos Coqueiros estava no seu final. E ele olhava esmerado com toda prestimosa a atenção que lhe cabia fazer. Era algo deslumbrante aquela casa que Silas providenciara fazer pela Construtora Câmara. Um engenheiro que se fazia presente explicava a Diomedes o que faltava ser executado para entregar o imóvel acabado. E o velho percorria todo o local, bem devagar. Nos casos que não conhecia, Diomedes perguntava ao engenheiro.
--- Pra que serve isso? – indagou Diomedes sobre qualquer coisa.
E a explicação era dada de imediato. E Diomedes ficava impressionado com tudo o que era feito naquela casa antes de pau a pique, quase caindo, telhas ao desalento, poeira nas velhas paredes mal acabadas. Quando chovia era mesmo que está ao relento. E ele, por tanto tempo passou na sua tempestuosa vida sem amor, sem saber ou mesmo sentir a grande necessidade que a velha mãe, aquela que o amparou quando criança. Não raro, ele estava na cidade a estudar em uma escolinha qualquer e a sua mãe a lavar roupa em casas de gente rica. Era tudo isso que ele, passados tantos anos, então pensava. E foi quando o velho Diomedes chorou de tanta emoção.
Na cidade, um pouco mais para fora, um sobrado onde não havia outras casas por Berto. Era só o sobrado. Nele, não habitava ninguém. Era só ele e nada mais. Um muro cercava todo o terreno onde ficava o sobrado. E nele, então estava a habitar da doce e linda jovem Racilva. Este era o seu segredo para todo o sempre. Herança dos avôs maternos. E Racilva guardava tudo com profundo carinho. Quadros de artistas no andar térreo, e outros arranjos no andar de cima. E ela bem sabia que aquele sobrado era tão antigo como o próprio chão em que fora construído. E, de momento, chegara ao seu eterno lar, o seu belo amado Silas Albuquerque, ainda temeroso com aquele alarmante casario onde tudo era legitimamente colocado em devido lugar. Ele, esposo de Vera Muniz, amiga de longas datas de Racilva Pontes, idade igual a de sua prezada companheira. Ao entrar no salão do andar de baixo, Silas notou a presença de algo que não vira da ultima vez que no solar esteve: um carrossel em miniatura com seus cavalinhos saltitantes, todos bem coloridos, montados no próprio magnífico carrossel. Ao lado, um relógio de forma retangular que marcava as horas. Um artigo de luxo dos anos vinte.  O homem ficou a verificar todo aquele suntuoso ornamento, talvez adquirido por sinal pelos próprios donos do solar quando feito. Silas encheu a vista com tal inquietante preciosidade que nem percebeu a chegada de Racilva, descendo o escadario do primeiro andar, trajando suntuosa veste de cetim. Naquela hora de sossego e paz, o que se notava era o traje da bela amada amante cobrindo apenas parte do seu corpo. Por debaixo da veste branca, nada mais estava em segredo. Era somente tão somente aquele robe de cetim. A alguns degraus do escadario, Racilva se mostrava em verdadeira ânsia para o jovem amado. Ela, parada, a sorrir apenas, clamava por um pouco de amor. De repense, sem mesmo Racilva notar, eis que aparece a sua frente, um cenário de modo antigo. Um casarão com largo portão, talvez de três metros, e as janelas de um lado e de outro do casarão, antes e depois da entrada. Eram janelas pregadas em dois andares. Na frente, o pórtico era recoberto por adornos que um dia foi de cor branca. Mais para dentro, um portão de madeira fechava todo o interior do solar. Apenas uma mulher parada no meio do largo portão da frente a chamar com presteza a jovem Racilva para que entrasse no ambiente soturno da mansão. As folhas que adornavam as misteriosas árvores tinham todas caídas.
--- Venha! Venha! – fazia o vulto da mulher toda trajando branco. Saia comprida da gola aos pés.
Com um lenço acenando a bela mulher fazia seus gestos enigmáticos para que a jovem Racilva Pontes entrasse naquele místico recinto. Tudo era como um filme antigo à vista da jovem e majestosa mulher. As árvores temiam de dor e revolta o local bravio o qual fazia o templo da lúgubre morada. Racilva tinha a impressão de que já esteve em tal paragem. Apenas não sabia quando. Naquela hora matinal, ela só sentia o prazer de ver a morada que, um dia, fora de alguém muito querido e amado. Naquele triste instante, sem nenhuma explicação, a mansão aparecia a sua visão. A dama do portal apenas a avocava para que a moça viesse para o seu local onde talvez houvesse outros entes queridos da jovem. Em silencio, o vulto continuava a chamar Racilva como se a moça pudesse transpor o umbral do destino. Com um lenço branco de alcova preso a mão, o vulto dizia e chamava:
--- Venha! Venha! Venha! – lamentava o misterioso vulto de mulher.
Sem meios de resistir à visagem aparente eis que Racilva caiu inconsciente ao forrado chão do escadario. Ao ouvir a pancada no chão da escada, Silas, de imediato acorreu para prestar ajuda a um tempo que não sabia estar ali à luxuosa dama Racilva. Ele se acercou da dama e indagou se ela estava passando mal. À dama nada respondeu ficando inerte, com a cabeça fendida para um lado. Então Silas, chocado com aquele ocorrido, segurou a dama pelas pernas e ombros e a levou para uma cadeira perto onde pode sentá-la com maior segurança. Sem nada poder ou saber fazer, Silas apenas indagava, ao desespero, o que a moça havia sentido tão de repente. De nada resolvia perguntar a Racilva, pois a moça estava inteiramente ao desmaio.
--- Ai meu Deus! O que é que eu faço?! – perguntava atônito o homem.
No local da mansão não havia empregados e nem casas ao redor. Ela estava ali, abandonada ao próprio destino. Então, Silas notou o robe da moça, plenamente aberto, mostrando por completo a sua genitália e seios alvos e majestosos com a candura do eterno dilúculo. Mesmo assim, para ele nada havia de importância naquele derradeiro instante. Apenas vogava a Silas um pouco de paz o que o homem não sentia atormentado com o desmaio da luxuosa dama. E Silas corria para um lado e para outro a procura de encontrar alguma substancia qualquer, um álcool talvez, para esfregar o pulso a mulher amada e torná-la do seu sombrio e inexplicável delíquio.
Com o passar de alguns minutos, a jovem moça despertou do seu estado anormal e buscou a ajuda de Silas lembrando ao rapaz que havia visto uma mansão. E Silas nada entendeu de tal mansão, pois ouvira apenas o baque de um corpo caído no chão. Porém a moça quase encoberta em sonho alegava que esteve na mansão.
--- A mansão! A mansão! A mansão! – repetia Racilva de forma delirante o que vira de fato em projeção na sua mente.
--- Eu sei. Eu sei. Vamos para o quarto de cima! – respondeu Silas a amada.
O pânico voltou a assustar a doce e alquebrada criatura.

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