quarta-feira, 31 de agosto de 2011

VENUS ESCARLATE - 36 -

- CARLOS GARDEL -
- 36 -
Temeroso em prosseguir o seu trabalho de buscar mais informações sobre a vida passagem, o ancião resolveu parar naquele momento e pediu para a moça repousar um pouco e retornar a sua vida natural do momento. E Racilva retornou sem saber de nada mais. Ela apenas procurou entender o médium em dizer algo bem profundo de sua mente. A ponte hereditária havia sido interrompida naquela ocasião. O médium sabia ter em suas mãos um campo informacional  peculiar e um gen bastante complexo de uma moça capaz de retornar ao passado e dizer o seu retorno de modo bem complexo. Porém, não teria Racilva o poder de realizar toda essa aventura de uma só vez. Seria necessária nova terapia. Racilva teria um comportamento de duas ou mais gerações. Então Racilva aceitou o convite para ter mais sessões e frequentaria também a Federação onde poderia ouvira natureza dos fenômenos espiritas.
--- O espiritismo é além tudo um fato. Ele não foi criado para se entender apenas. O espiritismo já vem dos tempos primitivos, sendo tão antigo quanto à humanidade. Você nasceu aqui, mas já teve outras encarnações. E pode ter havido seu nascimento em países distantes em outras línguas. –explicou o médium Nequinho (Manoel Revoredo).
--- E em Natal? Como eu vim parar aqui? – indagou Racilva meio cética.
--- O espirito não vem por ele só. Ele vem de qualquer lugar em companhia de outros espíritos da mesma família. Daí então, você está no ambiente escolhido há muito tempo por você – explicou o médium.
--- E os Centros dizem isso mesmo? – indagou Racilva cheia de medo.
--- Plenamente dizem. Se você acompanhar a doutrina, verá todos os comportamentos do espírito. Você pode ter vindo dos gregos, dos romanos e de tantas outras civilizações bem mais antigas. – completou a explicação o médium.
Então, os visitantes concluíram sua permanência na casa do médium Manoel Revoredo e deixaram com uma prece feita por todos juntos e depois partiram para os seus locais.
Na quinta-feira, logo cedo, de nove horas da manhã, Walquiria Rodrigues, filha de Valdomiro Rodrigues Timbó, estava sendo entrevistada por uma funcionária do Gabinete do Prefeito da Cidade do Natal para exercer uma função de datilógrafa, caso muito simples para a moça. Contudo aquele era o seu primeiro emprego formal apesar de ter sido lente em escolas por tempo rápido e vencimentos curtos. Na Prefeitura, apesar de ter um vencimento muito aquém de suas necessidades, mesmo assim para Walquiria Rodrigues era um trabalho de meio expediente, algo normal para o seu malfadado ego. E Walquiria estava atenta as questões sendo entrevistada como se fosse uma aluna. Foi então, não se sabe de onde, surgiu um rapaz bem apanhado, trajado roupas elegantes a aparecer no setor de entrevista, senão por acaso. A moça estava entretida com as perguntas e nem olhou para o rapaz. E o rapaz também nem olhou para ela se não fosse um alerta de ali esta sendo entrevistada mais uma novata. Então, o rapaz se aproximou da mesa de entrevista e reconheceu a moça ao dizer:
--- Walquiria que estas a fazer aqui? – relatou o rapaz com bastante alegria e entusiasmo.
A moça se voltou para ver quem chamava daquele jeito e com surpresa declarou:
--- Calos? Carlos Gardel? Ora mais! Quem advinha! – e gargalhou no final a moça.
O rapaz também gargalhou. Ele era mesmo Carlos Gardel Pimenta, nome posto por seu pai. Quando se casou o pai do rapaz pôs nome no menino Carlos Gardel por ser no tempo passado aquele um cantor de extremo entusiasmo para todos os ouvintes da época. Podia ser qualquer nome. Mas o homem preferiu por mesmo Carlos Gardel um cantor de fama internacional e dono de uma voz soberba e um repertório magnifico com seu orgulho maior no seu tempo:
--- “O nome dele é Carlos Gardel o maior cantor do mundo”. – dizia o pai do rapaz quando o menino foi batizado na Igreja Católica.
E todos concordaram apesar de haver alguém a perguntar:
--- Quem é esse Carlos? – perguntou uma mulher em surdina a outra.
--- Sei lá! Só Deus sabe! – respondeu a outra.
E a conversa entre Carlos Gardel Pimenta e Walquiria Rodrigues continuou sempre com pleno entusiasmo. Carlos perguntou o que estava Walquiria a fazer ali tão cedo. E ela respondeu sem querer ferir ninguém:
--- Uma entrevista para ser datilógrafa. – e sorriu ao acabar de expor sua ambição.
--- Datilógrafa? Você? Não acredito! – disse Carlos com surpresa.
--- Pois é querido. Quem não tem cão caça com queijo. O gato vem depois. – com uma cara cínica de fazer dó.
Carlos sorriu com o exemplo e logo tomou a frente da entrevistadora e fez questão de levar a moça para outro setor do Município.
--- Não! Aqui não! Você vai ser contratada como qualquer outra funcionaria. Mas não como datilógrafa. Vamos subir. Lá em cima eu resolvo seu caso. Vamos. Chega! –fez questão o rapaz.
A moça Walquiria ficou um tanto estranha com o chamado de Carlos. Mas, por fim obedeceu ao seu convite. E pedindo licença à entrevistadora seguiu com o homem até o lugar de cima onde estavam outras funcionárias atentas ao serviço. Ao chegar ao local ele entrou com Walquiria no Gabinete do Prefeito, homem mais austero da capital. E logo foi dizendo:
--- Prefeito! Esta é a sua nova secretária. Contrate-a! – relatou com altivez o rapaz Carlos.
O Prefeito da Cidade, de boca aberta, ainda a conversar com um amigo e auxiliar não contou mais conversa. Aparentemente sorrindo, o homem indagou o nome da jovem e ela relatou ser Walquiria Rodrigues. Então o prefeito declarou:
--- Hum!. Nome soberbo. Richard Wagner! As Cavalgadas das Walquírias! Encantado senhora! – e o prefeito beijou a mão de Walquiria.
--- Obrigada senhor. Meu nome foi escolhido por meu avô. O coronel Fabriciano. – sorriu Walquiria ilustrando o sentido do nome.
--- Na verdade o Coronel deve ter assistido à peça que imortalizou o seu nome: uma gigantesca ópera. – relatou o Prefeito a ilustrar o seu conhecimento sobre Wagner.
--- Com certeza. Eu ouvi A Cavalgada das Walquirias em disco, na Universidade. – sorriu a moça procurando se mostrar um pouco atenta.
--- Muito bem! A Cavalgada das Walquirias. Tal fato me lembra dos tempos remotos. Bem. A questão do seu contrato. Está feito. Você é a nova funcionaria da Prefeitura. E para bem dizer a senhora fica aqui em meu Gabinete. Qual o Curso a senhora se formou na Universidade? – perguntou o Prefeito querendo se por a par da real situação da nova funcionária.
--- História, Excelência! Eu fiz História! – sorriu a moça ao falar.
--- História? Mas a senhora fez História? Como pode uma coisa dessas! – reclamou o Prefeito aos seus funcionários.
--- É. Mas não tem vaga! Nem aqui nem no Estado ou na Federal! É isso! E eu estava a prestar depoimento para ser datilografa. Foi quando o senhor Carlos apareceu. Devo tudo a ele de me trazer até a presença de Vossa Excelência! – falou seria a moça.
--- Mas a senhora é formada em História? – perguntou novamente alarmado o Prefeito.
--- Sou. E tenho de continuar os estudos em breve. – sorriu Walquiria se dirigindo ao Prefeito.
--- Espere um instante. Vou consultar a Secretaria de Educação. Na verdade a senhora terá de ir para um Colégio onde ocupe a direção do estabelecimento. Espere! – disse o Prefeito com seu meio de falar e dispensar o susto levado.
E Walquiria esperou alguns minutos até estar com a certeza de ir para a direção de um Colégio a fazer as obrigações de uma Diretora. Com isso, tudo ficou acertado em fim. Ela agradeceu por demais a Carlos Gardel e declarou ter sido ele o mentor de sua contratação. O rapaz nada falou e apenas sorriu. Na saída do Palácio Walquiria se voltou e disse a Gardel:
--- Espere! Isso não acaba assim! Vamos brindar esse momento! – sorriu Walquiria e de modo agradeceu enquanto se dirigia a Secretaria de Educação do Município.
Carlos Gardel apenas sorriu e deu com a mão ao dizer:
--- Bons negócios para você querida amiga! – fez ver o rapaz.
A manhã estava quente com um calor abrasador. O povo vindo e indo para os seus negócios nem. No seu veículo, Walquiria Rodrigues seguia saltitante com vontade de chorar e de sorrir a um só tempo. Ela, por ter sido aceita diretora de um colégio municipal. Para a moça esse era o começo de uma grande aventura. Na avenida, uma anciã seguia a passos lentos com uma touca na cabeça e um vestido escuro cobrindo até os pés. A anciã não pedia esmolas a ninguém. O povo se admirava do jeito corcunda da velha tão pensa quase fazendo um “C”. Apesar da idade a anciã não usava óculos. Uma bengala de madeira tosca lhe servia de amparo.
--- E a campanha? – indagou Walquiria falando consigo.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

VENUS ESCARLATE - 35 -

- SESSAO ESPÍRITA -
- 35 -


No dia seguinte, Glauco comentou com Racilva o encontro tido com Zilene e a sugestão de se ir ao espírita Neco ou Nequinho como Zilene chegou a dizer. E ele perguntou do que Racilva achava em se ir a um novo médium. E disse mais:

--- O homem já é bastante idoso. Mesmo assim, faz atendimento em sua casa e na Federação onde tem reuniões. Não sei em quais dias. Ligue para Zilene e se informe mais a respeito de atender em casa. – falou Glauco na repartição onde estava.

--- Hum! Será que ele é bom mesmo? – indagou Racilva torcendo os dedos da mão.

O homem quase se irritou com a pergunta de Racilva Arantes. Mesmo assim manteve a calma e serenidade de quase sempre. E respondeu:

--- Só se sabe indo! Aqui é difícil saber! – respondeu Glauco à sua noiva.

--- Certo. Vou ligar para o Jornal. – declarou Racilva sem comentar algo mais.

E então Racilva Arantes falou com Zilene Caldas a respeito do médium espírita de um bom passado Neco ou Nequinho tendo sido acertado uma visita naquele mesmo dia à tarde, pois, segundo Zilene, para o espiritismo tanto fazia ser de dia como de noite para se atender aos “doentes” ou pacientes quem sabe: mesmo enfermos do espirito ou da alma em certo estágio de evolução. E logo após Racilva desligou o telefone ficando com certa emoção em continuar o seu dilema por causa da aparição da anciã dona Mariquinha na manhã daquele sábado.

Enquanto isso, na Fazenda “Sossego”, o velho coronel Timbó estava alheio às coisas da vida, uma vez ter seguido para a campanha com dois capangas o roceiro Neco do Saco, homem destemido e astuto, conhecedor das matas e da caatinga em busca do fazendeiro João Duarte, homem marcado para morrer pela vontade do velho e destemido Coronel. Era em vingança pelo assassinato de Corina e do seu filho Fortunato. E Manoel do Saco seguiu por diversos caminhos, subindo serras, descendo morros, vadeado rios, comendo tudo o que estava a sua frente em termos de animais ou aves e mesmo bichos iguais a cobras. Ele e os seus destemidos companheiros de campanha. Falar: muito pouco. Quase nada. Certa vez, um capanga assustou uma cobra cascavel e essa se armou para dar o bote iminente e fatal. O cavalo relinchou alto amedrontado com a serpente. O capanga companheiro de Manoel do Saco de nome Sandoval Modesto se armou de um punhal e desferiu na cabeça da serpente, tendo essa a morte instantânea. Por conta disso, Manoel do Saco fez uma tremenda volta para despistar algum possível olheiro de João Duarte, apesar de estar longe da fazenda malsinada, subindo serras, atravessando rios e a dormir separados distantes uns dos outros para despertar por volta das três horas da manhã, noite escura, e seguir caminho bravo cheio de pedras e seixos, cascalho abundante no interior das serranias. Um dia tomaram banho numa cachoeira, eles três para depois seguirem viagem por entre pedras e abrolhos. O sol era intenso. O mascar de fumo era a comida frequente dos três capangas. Era vez de cuspir para um lado. Um riacho estava bem perto dos três vingadores da morte de Corina, seu filho Fortunato e de Chicão, o esguio e temeroso capitão do mato. Eles sentaram sobre as pedras e começaram a pescar com linha e anzol, pois nem tinha uma vara de pescar. Sandoval Modesto foi mais esperto usando o seu canivete para matar um peixe. Manoel do Saco nem ligou e Zé Pedro, o terceiro capanga, fez o mesmo. E de caminho em aceiro de mata e coivara, a turma seguiu rodeando fazendo uma volta muito longa para se esconder mais para dentro dos altos morros agrestinos. E assim eles pernoitaram pela segunda vez bem eles separados um do outro.

--- Amanhã estamos da Fazenda do miserável! – relatou Manoel do Saco cuspindo longe e de lado aquela gosma de fumo preto.

Zilene estava pronta para seguir viagem à espera de Racilva e do seu noivo, na frente do Jornal no bairro da Ribeira. Eram três horas da tarde daquela quarta feira. O homem, um ancião, seu Neco estava em casa à espera da moça, pois havia sido combinada por Zilene a vista na quarta feira na parte da tarde. O vento soprava forte na esquina onde Zilene se encontrava e o seu traje lhe colava ao corpo deixando a moça assim desconfortável.

--- Chatice de vento! Espalha todos os meus cadernos de nota. – reclamou Zilene. Então ela procurou se esconder atrás de um pilar no alto da calçada.

A rua tinha pouco movimento àquela hora da tarde. Algumas pessoas passavam para um lado e para o outro. Outros chamavam os eventuais fregueses a olhar melhor os seus artigos postos à venda. Em uma agencia de Correio internacional era pouco o movimento de clientes. Um veículo de carregar defuntos entrava em um beco para parar logo em seguida. Zilene olhava tudo o acontecido.

--- Defuntos! Eu nem estou por perto! Acidente? – perguntou Zilene a si mesma como a se esconder daquele fato delituoso.

Carros e ônibus passavam. Um caminha carregado de madeiras vindo das Docas nem mesmo parecia um caminhão.

--- Troncho! Vai se quebrar! – sorriu Zilene ao ver o caminhão carregado de madeiras.

O caminhão parrou na próxima esquina e os trabalhadores de aluguel desceram da carroceria  e empurraram o veículo para a frente de formas a o carro pegar à força. O motorista era um velho mostrando ter sido um dia muito gordo. E gritava:

--- Empurra essa porqueira! – gritava o homem a seus empregados.

E Zilene sorriu a vontade. Ela pensava ter adivinhado a situação do troncho veículo. E olhando por entre o pilar do Jorna, a moça só fazia sorrir. Quase a gargalhar.

--- Eu não disse que ele se quebrava. – recitava a moça a bater os dedos.

Nesse meio tempo, encostou junto ao meio fio o carro conduzido por Glauco Rodrigues. Uma voz de dentro do carro soou. Era Racilva. Ela dizia entre gestos.

--- Vamos embora! Já é tarde! – gritou Racilva para a moça.

E Zilene desceu os batentes do jornal na carreira miúda de sempre ao mesmo tempo dizendo:

--- Já estou indo! Que demora a de vocês! – reclamou Zilene pelo custo da viagem.

--- Três horas. – respondeu Glauco a olhar Zilene baixando a cabeça.

A moça verificou o seu relógio para ver se estava certo. O vendo forte acoitou a sua veste fazendo a moça se proteger se virando ao contrario e abrindo a porta de detrás. E respondeu em seguida.

--- Que vento caningado!  - retrucou a moça abrindo a porta para entrar no carro.

Dali em diante o veiculo seguiu em frente à procura da casa do ancião Nequinho, o homem. Ele já estava esperando há alguns minutos quando o carro chegou. A espera foi pelo motivo de Zilene ter feito um comunicado de uma moça estar a necessitar de uns passes e uma conversa sobre a sua vida passada. Após os cumprimentos habituais e rotineiros seu Nequinho (Manoel Revoredo era o seu verdadeiro nome) pediu ao pessoal a entrar em seu gabinete. Ali se encontrava uma estante de livros, um birô de abrir e fechar na parte superior, um sofá e mais três cadeiras além de um porta-chapéus e um modelo antigo de centro de quatro pernas, bem alto onde havia um jarro de vidro com um líquido com água. Os visitantes tomaram assento nas cadeiras e o ancião começou a indagar de Racilva a verdadeira estória. E ela contou da casa nova, de uma anciã por nome Mariquina, já falecida até a morte do médium Tupinambá, um homem aparentemente sadio e se desencarnou quando recebeu um espírito maligno.

--- Muito bem. Vamos começar pelo principio. A dona Mariquinha. Você já estava a par do sucedido da casa? – indagou o ancião Nequinho.  

--- Não! Nunca! Foi a minha primeira vez de ter ido a casa! – relatou alarmada Racilva.

--- Está bem. Agora, concentre-se. E mais. Chegue até a um profundo sono. Durma. Eu estou fazendo uma transferência de sua mocidade. Durma. Durma bem. Agora me diga onde você está? – falou baixo o velho Nequinho enquanto auscultava as batidas do coração da moça.

A moça, aparentemente a dormir profundamente enfim disse algo como uma casa. E foi mais para trás, por ordem do médium a procura dessa casa.

--- Você dorme profundamente. Dorme sossegada. Durma bem e me diga o estado em que você esta. – falou pausadamente o médium.

--- Arvores! Tem árvores! Muitas árvores! Frutas pelo chão. Um homem! Sim! Tem um homem parecendo apanhar as frutas! – dialogou em profundo sono a moça.

--- Ótimo! Quem é esse homem? Você o conhece! Respire bem. Seu coração está batendo com muita suavidade. Respire! Quem é o homem? – perguntou o espírita.

A moça começou a chorar. Ela estava ali naquele lugar e o homem mandou que se retirasse. Foi isso o que ela se lembrou. E o médium voltou a perguntar quem era o homem. Ela hesitou em responder. E não sabia a razão. E o médium tornou a indagar com paciência e devotado apreço. Ela então respondeu estar em um sitio. Era um sitio onde ela morava com os seus pais. E isso era tudo o que sabia dizer. E o médium perguntou com vagar quem era o seu pai. A moça, em transe, respondeu aflita.

--- É ele! É ele! É ele! Eu sei! Eu sei! Ele! – ela dizia isso desesperada.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

VENUS ESCARLATE - 34 -

- CASAL DE NAMORADOS -
- 34 -
Quando a moça Racilva chegou à casa de Severino Tupinambá. Uma mulher magra se escorava na porta com o seu cachimbo na boca. Um pano de saco cobria a sua cabeça. A veste estava toda em desalinho. Um vestido comum e a gola subindo até o pescoço. A porta dava sinal de ter a mulher algo em torno de um metro e sessenta, pois estava a mulher a se escorar em uma banda cerrada ao meio. A luz difusa de um candeeiro amarelado dava a impressão de não ter mais energia elétrica na casa. Ou se tivesse, estaria desligada. Uma casa à frente abriu bem pouco à porta e a mulher a olhar para fora e observar quem estava alí àquela hora da noite. Quando Glauco procurou ver de quem se tratava, de imediato a porta foi fechada. Um ébrio dormia a sono solto sob o pé de tatajuba. As outras casas também estavam fechadas ou com meia banda aberta. Os meninos a observar o automóvel se escoravam no vidro da porta com as suas mãos da testa. A mãe de um deles o chamou.
--- Passe já pra dentro seu peste! – falou brava a mulher e de imediato fechou a porta.
Sem outro meio, Glauco sorriu. A moça Racilva estando na porta da casa perguntou a mulher franzina e meio amareleça.
--- Tupinambá atende hoje? – indagou Racilva com uma voz sumida.
A mulher olhou a moça antes de perguntar e olhando para as casas em frente.
--- Onde a senhora mora? – e olhou para o homem expulsando em seguida uma rala cusparada pelo canto da boca.
--- Eu moro no Alecrim. Eu já estive com ele. – respondeu a moça em voz baixa.
A mulher tornou a olhar a moça e o homem antes de responder tirando o cachimbo da boca.
--- No Alecrim? Ah bom. Pois faz uma semana que Tupinambá desencarnou. Ele recebeu um espirito muito forte durante a sessão e “ploc“. Desencarnou na hora. – respondeu a mulher magra e feia.
A mulher olhou bem para a jovem e observou os seus sentidos de bem ou de mal.
--- Meu Deus! Desencarnou? Como pode? – disse por fim a moça a tremer.
O noivo se aproximou de Racilva Arantes e segurou a moça pelos seus ombros aguentando qualquer tombo que pudesse ocorrer naquele instante. A moça se escorou no seu noivo e tremendo disse.
--- Não! A senhora está brincando comigo! – refletiu a moça enquanto a mulher abria a porta permitindo que ela entrasse.
--- É verdade, moça. Sente aqui. Vou ligar a luz. Pois foi. Um baque só. Era um espirito que estava em uma menina. Saiu da menina ainda nova, de doze anos se não me engano e pegou Severino Tupinambá. Ele estrebuchou e desencarnou alí mesmo. – enfatizou a mulher magra demais.
--- Incrível isso! Pois Tupinambá sempre me dia não ser impossível um espírito se manifestar em outra pessoa e essa morrer ou desencarnar. Ele sempre dizia que um espírito mau não tem forças para um médium. E se Tupinambá desencarnou, foi porque chegou a sua hora de ir para o outro lado da vida. E não pelo espírito maléfico. Isso é incrível! – comentou Racilva a mulher.
--- Bem. Eu sei que foi desse jeito. Se ele desencarnou por causa do espírito isso é agora com ele e eu não tenho nada a haver com isso. – respondeu a mulher meio enjoada com a estória.
--- É verdade! Isso é com ele. Mas fica pendente a questão da menina! – declarou Racilva.
--- É. A menina nem era essa coisas todas. Talvez não fosse mais de nada! – reclamou a mulher já enfezada.
--- Pode ser. Isso pode ser. Às vezes nós julgamos sem ter a certeza. – pregou Racilva.
E com isso, a moça se despediu e rumou para o carro novo do seu noivo. A noite era sem luar e as casas do bairro das Rocas estavam, em sua maioria, fechadas. Algumas ainda tinham a luz elétrica acesa e os operários já chegavam a suas moradias, eles vindos de outras partes da cidade. Moças e rapazes rumavam para a escola noturna a tagarelar dos aspectos das matérias e da lição dia. O caldo de cana do seu Leão já estava repleto de consumidores em algazarra. Tinham eles alguns miúdos trocados para fazer uma refeição rápida. Um modesto bilhar estava com suas mesas de portas abertas àquela hora da noite. Os cães latiam à passagem do carro novo de Glauco. Em um trecho da rua uma farmácia despachava remédios populares aos seus consumistas. No final da rua começava tudo de novo, com padarias abertas, barbearias e algumas peixarias a atender seus clientes noturnos. Era a vida começando de novo. Racilva enxugou a lágrima a escorrer por sua face.
A noite estava repleta de pessoas no bairro da Ribeira. Após a deixar a sua noiva em casa, no bairro do Alecrim, Glauco voltou ao Hotel Belas Artes onde pensava em retornar ao seu exíguo espaço do apartamento. O automóvel, ele deixara guardado no muro da oficina Ford onde havia o homem da noite. Esse homem era o então chamado João. E para não se esquecer do nome Glauco chamaria então de João do Posto. Com o orgulho e satisfação de João do Posto em ter cuidado em tomar conta do carro novo, Glauco rumou para o seu apartamento do Hotel. Antes de dobrar a esquina, Glauco ouviu uma voz a chamar pelo seu nome. Ele no meio do pensamento em ver Racilva desiludia com a morte de Severino Tupinambá não deu tanta importância. Porém a voz seguia a chamar:
--- Glauco! Espere! Um instante! – vez vera voz de uma moça.
Glauco Rodrigues se voltou e notou em larga correria a moça chamada Zilene Caldas vindo em sua direção. Ele notou de imediato ter Zilene algo de contente e apressada. Então Glauco se ligou em atender ao chamado de Zilene Caldas. Ela estava a sair do Teatro naquele espaço de hora. Os demais componentes do grupo ficaram a tagarelar na calçada do teatro e outros mais dentro onde estavam guardados os placares das futuras apresentações das companhias. E o homem então reconheceu a figura de Zilene Caldas.
--- Olá! Já terminaram os estudos? – indagou surpreso o homem.
--- Quase não houve. Faltou gente. – respondeu a moça ao atravessar correndo a curta Rua Sachet, olhando para um lado e para o outro se prevenindo de algum carro a passar.
--- Ah bom. Você vai para a sua casa? – indagou Glauco a Zilene.
--- Acho que sim. E Racilva? Ela está com você. – indagou já sem pressa a moça estando ao lado de Glauco após atravessar a rua.
--- Não. Ela está em casa. – respondeu Glauco em meio a uns transeuntes passantes dos bares da vida noturna do bairro da Ribeira.
--- Ah bom. E as Rocas? Ela acertou? – indagou Zilene com os ensaios presos ao peito.
--- É. Nos fomos até a casa do homem. Mas aconteceu o pior. –respondeu Glauco balançado a cabeça.
--- Foi mesmo? O que se deu? – perguntou aflita a moça.
---(Um sorriso breve) – O homem morreu. Faz uma semana!. – e calou de vez ao responder a Zilene Caldas.
--- Morreu? O homem morreu? E quem era esse homem? – indagou surpresa a moça.
--- Um médium. Ele morreu ao receber um espirito ou coisa assim. Eu sei que ele morreu. Foi uma queda só. – respondeu o homem.
--- E ele era espírita? – indagou a moça ainda surpresa com a notícia.
--- Era. Ele estava com mais de sessenta anos, pelo que eu penso. Na verdade, para mim, ele morreu foi de um ataque cardíaco. E não por receber espirito. Mas Racilva acredita em tudo. Esse é o caso. – relatou a contragosto o homem.
--- É. Talvez seja. Agora é que estou me lembrando. Tem um velho, seu Neco. É assim que o povo chama. O nome é Manoel. Manoel não sei de que. Ele é espirita. E atente na sua casa. Se Racilva quiser ir a esse médium, eu posso ir com ela. Eu não sei o que ela tem. Mas quando eu era menina, eu fui várias vezes ao seu Neco. Ele é da Federação, também. Ele mora numa rua por trás do Campo de Futebol. Seu Neco ou Nequinho. Todo mundo conhece ele. E só usa roupa branca. Até os sapatos são brancos também. – sorriu Zilene Caldas ao fomentar tal fato.
--- É bom. Eu posso combinar com ela. E você? Onde podemos encontrar você? – perguntou para melhor conhecer a moça.
--- Pode ser no Jornal. Eu trabalho no Jornal. É só ligar: clic. – sorriu a moça ao dizer isso.
--- Ah bom. Então, amanhã ela fala com você. – sorriu Glauco para Zilene.
--- Está bom. Agora: cuidado com as cobras! – gargalhou Zilene ao dizer tal fato.
--- Que cobras, menina? – indagou Glauco sem saber de nada do ocorrido.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

VENUS ESCARLATE - 33 -

- DESEJO -
- 33 -

Logo após ter saído Glauco e a sua noiva Racilva da fazenda “Maxixe”, o coronel Timbó com um seu filho Ahrtur, se embrenhou mata adentro em busca da distante fazenda “Sossego” todos os da comitiva acompanhados de dez ou doze capangas, gente bem armada de rifle. Ao chegar à fazenda, montados a cavalos, duas horas depois, a tropa se apeou e o coronel Timbó seguiu casa adentro, em companhia dos filhos Ahrtur e Valdomiro, esse, pai da moça Walquiria, homem que tomava conta da fazenda e tinha criação de gado. Valdomiro era casado com dona Santa, cujo nome verdadeiro era Santina do Amparo Conceição, filha mais velha do velho Major Guilherme Carrilho homem rude e mal com os holandeses. Os avós de Guilherme eram de origem alemã. Carrilho era por parte da avó, espanhola. Valdomiro Timbó casou com Santa depois de roubar a moça há uns anos atrás. Daí a malquerença entre os dois: Guilherme e Valdomiro, caso que durou amplos anos.
Ao chegar à sede da Fazenda “Sossego” o velho Timbó mandou chamar o morador da terra conhecido por Nazareno do Saco, cujo nome verdadeiro era Manoel Nazareno. O Saco era por conta de onde ter ele nascido, na ribeira do Acarí. Houve uma contenda e Nazareno feriu outro rapaz saindo da terra e vindo morar da Fazenda “Sossego” com sua mulher, Dora, cujo nome era Doralice, e quatro filhos de tamanhos variados. Manoel era também chamado de Neco do Saco. Homem de pele morena, forte e alto, não conversava muito e respondia apenas o que lhe perguntavam. A resposta era:
--- Sim senhor. Não senhor! – respondia Neco do Saco.
Com a sua voz branda, nem precisava de muito assunto para ele logo se retirar do recinto mostrado ter entendido. Foi esse o Neco chamado pelo coronel Timbó. O jagunço foi numa perna e voltou na outra com Neco do Saco um pouco atrás e sem manter conversa com o jagunço. Ao ser recebido no alpendre da fazenda ele nada fez de gesto ao coronel Timbó e aos seus filhos, Ahrtur – também coronel – e Valdomiro. Com um chapéu de vaqueiro nas mãos, enrolado pelas abas como quem torce uma macaxeira, Neco do Saco entrou na casa acompanhado do coronel e dos seus dois filhos, e nada mais. O coronel abriu a porta do seu escritório e por lá ficou: os quatro: O coronel Timbó, os filhos Arthur e Valdomiro e Neco do Saco, calado como sempre. E foi o coronel Timbó quem falou:
--- É o seguinte, caboclo! Eu estou precisando de o serviço de vossa parte! – falou o Coronel com cara severa e sem meias conversas.
--- Pode dizer que eu faço! – respondeu Neco do Saco também sem meias palavras.
--- Pois bem! Tem um dono de uma Fazenda por perto da minha região. Ele mandou matar duas pessoas: a moradora Corina e o seu filho Fortunato. Esse foi enforcado. O nome do arrogante é João Duarte. Eu quero justiçar Corina e o seu filho. Teve também Chicão, um capitão do mato ter ele trucidado. Não precisa mais de outro. Apenas João Duarte. Você escolhe dois jagunços. E parte para o serviço. Os dois irão com você. Não precisa dizer aonde. – recomendou o coronel Timbó.
E o homem Neco do Saco apenas respondeu:

--- Sim senhor! – fez ver Neco.
E então Neco do Saco saiu do escritório. Fora, ele olhou bem os jagunços e escolheu dois sem dizer para que e o que fazer. E então os três homens rumaram em direção à fazenda de João Duarte. Nenhum falou coisa alguma. Apenas os três caminharam cerca de três léguas saindo do caminho tradicional de se andar e percorrendo trajeto mais a fora.
Quando o jantar terminou, Glauco e a sua noiva Racilva, agradeceram a atenção de dona Dalila e rumaram para fora. Logo atrás seguia dona Dalila a conversar coisas vãs. E Racilva nem bem pisou a calçada uma trombada de lado se deu. Ela não teve jeito de andar e a moça à outra também ficou na igual situação. Ia para um lado e para outro sem conseguir se desvencilhar. O noivo de Racilva ficou abismado com a situação das duas moças. Por fim, cerca de trinta segundos, Racilva teve a oportunidade de se refazer e olhar bem para a sua contendora e, alarmada soltou um breve sorriso:
--- Zilene! Você aqui? – reconheceu Racilva a sua contendora inoportuna.
--- Ora mais quem é! Racilva! – e gargalhou à vontade a moça.
--- Que susto, doida! – respondeu Racilva a sorrir
Nessa ocasião, o noivo de Racilva contemplou a moça e alerto se ela era a que estava no dia anterior da Fazenda do seu pai. E sorriu morto de curiosidade.
--- Eu mesma! Do senhor eu me lembro. Filho do coronel. – sorriu Zilene ao dizer tudo o que sabia.
--- É isso. E agora vocês se encontraram de frente. – falou Glauco sem fazer cerimônia.
--- Pois é! E Racilva para onde está indo? – indagou a moça com um largo sorriso na face.
--- Eu? Bem! Vim jantar com o meu noivo no Hotel onde ele mora! Agora vou ao bairro das Rocas a procura de um endereço. – respondeu sorrindo Racilva.
--- Ah bom. E eu vou ao teatro. Hoje não tem sessão. Mas a turma se reúne para ensaio. É isso. Chego um pouco mais cedo. Eu creio não haver ninguém por lá. – replicou Zilene sorrindo.
--- Ah bom. Você fez?... – indagou Racilva a Zilene.
--- Jornalismo. Mas nas horas vagas estou a fazer teatro! – disse mais a moça sacudindo o seu traje por causa da trombada.
--- Ah! Que bom! Ah se eu pudesse! – sorriu Racilva a olhar o seu noivo.
--- Faça também mulher. É bom pra saúde! – recomendou Zilene.
--- É. Eu sei. Mas não levo jeito. No próximo ano. ... Quem sabe? – sorriu Racilva a olhar o noivo
--- É ele? – sorriu Zilene a perguntar se o noivo não se importava.
--- Não. Não é Glauco. Problemas! Você deve saber! – sorriu Racilva a contemplar o noivo
--- Não. Eu não. Quem pode saber é você. – sorriu Zilene correndo a vista em cima do homem
E dentro de tais pensamentos estava Zilene Caldas a imaginar se de fato a moça sabia do caso com a outra, a Odete Agar. A moça pode ver os dois no maior ato sexual de mundo no horário da tarde do domingo, no dia passado. Porém Zilene ainda soube disfarçar o sabido.
--- Então. Eu esse ano termino o curso e pretendo me casar. Etc., etc. – sorriu Racilva a olhar o namorado.
--- E eu não tenho pressa com essas coisas. Estou trabalhando de dia e faço teatro à noite. É só oque tenho a fazer. – respondeu Zilene sorrindo e olhado o rapaz e a moça ao mesmo tempo.
--- É isso. Bem. Você vai me desculpar, pois eu tenho que ir ao bairro das Rocas. – declarou a sorrir Racilva.
--- Que nada. A gente se encontra por esses caminhos da vida. Até. – e saiu Zilene olhando bem para o homem.
Em seu pensar surtia a emoção de ter o homem feito lubricidade com a mulher às escondidas da noiva sem que Racilva notasse algo de anormal.
--- “E ela ainda é virgem? Nossa!” – pensou Zilene Caldas a percorrer o seu destino do teatro.
Quando o automóvel chegou à rua que dava acesso ao beco onde morada o médium, o homem tentou parar em cima de uma calçada existente no lugar. Um duplo batente impedia o carro a subir. Então, ainda sem jeito de dirigir o automóvel moderno, Glauco resolveu ficar em baixo da calçada. Os meninos curiosos olhavam com atenção aquele carro grande já ao início da noite. Racilva consultou o seu relógio:
--- Quase sete. Está perto de começar a sessão. – declarou a moça ao seu noivo.
--- O relógio do carro está marcado quinze minutos para a sete. – disse Glauco a olhar o relógio
--- O meu está um pouco adiantado. – relatou a moça já desembarcando do carro.
As casas no beco sem nome existentes no local estavam quase às escuras. Algumas com luz na sala de visita assim chamada ainda se podia perceber a existência de alguém. No meio do beco uma árvore frondosa, talvez uma tatajubeira, não permitia a passagem de um automóvel. Com isso, ficava bloqueada a passagem de um veículo qualquer. E se houvesse a oportunidade de um automóvel querer subir no local, com isso era impedido por existir uns batentes de dois ou três degraus. Após essa árvore, havia outro beco bem mais estreito. Esse levava a uns batentes de cinco ou seis degraus. Dessa forma, subir no beco era totalmente impossível. A casa onde Tupinambá (Severino era seu nome) ficava no meio do beco mais largo, do lado do sol por assim dizer. O primeiro beco. O que tinha plantado o pé de tatajuba. Naquela parte do beco as casas estavam mais escuras. A iluminação era e velas ou lamparinas. E poucas pessoas davam a cara naquela ocasião. O vento frio soprou vindo da praia. O galou cantou mais alto. Um cão latiu.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

VENUS ESCARLATE - 32 -

- VAQUEIRO - 2 -
- 32 -
Pouco antes das dez horas da manhã, Glauco Rodrigues entrava na porta principal da suntuosa loja de automóveis de Santos & Cia a observar os autos à mostra. Entre todos os veículos estava um luxuoso automóvel de cor azul escuro, quatro portas, doze vidros a funcionar como para-brisa, tendo a frente com amplos faróis e faroletes e mais os para-choques cromados. E ao seu lado estava a sua elegante noiva, Racilva Arantes esmiunçando detalhes no interior do veículo. Coisas que passavam despercebidos para um olhar comum e atento até mesmo de um homem conhecedor de carros novos ou usados. O vendedor explicava todos os detalhes do automóvel Aero Willys, o elegante modelo da moda dos autos. E nem adiantava o rapaz dizer isso ou aquilo, pois Glauco Rodrigues sabia muito bem daquele alinhado e suntuoso automóvel posto à venda pela loja. Após um eterno e inimaginável tempo de explicações o homem pediu licença e, com a sua noiva caminhou até a direção do estabelecimento comercial para acertar os detalhes do preço e fazer a compra do carro.
--- Era tudo tão simples! – comentou sorrindo a sua noiva Racilva Arantes.
--- É. Mas o vendedor tem o dever de explicar os detalhes do carro. – falou por sua vez Glauco.
--- Porém não restam dúvidas de ser um magnifico veículo. – sorriu a moça abraçada ao seu noivo.
Na parte da tarde o homem receberia o carro com uma fita de presente. Antes disso, Glauco e Racilva foram almoçar em uma peixada em frente à loja. Do seu canto, Glauco podia ver o seu automóvel sendo coberto por um pano de seda e atado com uma fita de cor rósea para ser então movimentado pelos mecânicos da loja. E ele se sentiu assim deveras compensado.
--- Tudo isso por causa de um veiculo. – comentou Racilva a sorrir.
--- Para você observar como são as coisas. – disse em seguida o seu noivo.
--- Mas, confesso ser lindo o painel interno do automóvel. – declarou ainda Racilva.
--- Todo carro tem suas peculiaridades. – sorriu Glauco ao contemplar o veículo de longe.
--- Peixe? – indagou o garçom que estava a servir à mesa.
--- Arabaiana? – perguntou sorrindo o homem à sua noiva.
--- Pode ser. – Racilva refez um sorriso amigo e se encolhendo nos ombros.
Um pedinte percorria as mesas e na de Glauco Rodrigues pediu um auxilio por amor e caridade. O homem a sorrir retirou da carteira uma cédula aos olhares atentos de Racilva e fez a entrega da doação ao pedinte. O garçom não estava por perto nessa hora e o mendigo agradeceu e se retirou com a devida pressa. O almoço foi salutar e a conversa amena entre Glauco e Racilva. Ele falava de lances importantes do novo carro e ela apenas ouvia a sorrir e a soerguer os ombros. Coisas de mulher.
Na fazenda “Maxixe” tão logo Glauco saiu, o velho coronel Timbó em companhia do seu filho, o também coronel Arthur Timbó saiu com a tropa de jagunços para uma das fazendas de um dos filhos, a Fazenda “Sossego” onde faria o acerto do restante do gado a ser levado para o posto de embarque de cinco mil cabeças. E ainda assim ficavam faltando cinco mil cabeças sem contar com as amojadas e as de bezerro novo. Esse tempo durava por vários dias com os vaqueiros tangendo o gado de toda a sorte de lugar distante. Os vaqueiros já estavam a percorrer o campo desde a ordem recebida de embarcar vinte mil cabeças de gado de seu Glauco e mais dez mil de propriedade do coronel Arthur Timbó. Desse montante já tinham sido entregues dez mil cabeças de seu Glauco e cinco mil cabeças do coronel Arthur. A terra imensa dava trabalho em se vadear certos trechos de rios para buscaras cabeças de gado, pois nesse casso os vaqueiros tinha de ter cuidado com as vacas amojadas e as de bezerro novo. A terra extensa valia um sem numero de quilômetros de terra sem fim entre rios e montanhas. Os vaqueiros pernoitavam ao relento tangendo o gado encontrado, muitos dos quais desprovidos da marca do ferro quente abrasador. Choupanas havia no trajeto dos vaqueiros, quase todas desabitadas ou em algumas, habitadas por gente de pele escura – os descendentes de índios. Vaqueiros também eram descendentes de índios, em sua maior parte, como eram também os jagunços e os capitães de mato.
A enormidade terra seca e virgem dava orgulho ao coronel Timbó, o velho, de saber pelas andanças já feitas desde o tempo de menino quando seguia mais o seu pai. Naquele tempo havia uma quantidade maior de malocas onde habitavam as peles-escuras como era comum dizer os índios. Com a falta de chuva torrencial, sempre constante, os índios ou gentios deixavam seu habitat natural saindo à procura de uma maior extensão de terra onde brotava água doce e limpa. Era o êxodo dos aborígines conhecidos também por tapuias. Esses gentios habitavam mais para o centro do Estado, cobrindo os confins oestes da dita região e falavam línguas diferentes dos tupis, habitantes do leste do Estado. O velho coronel Timbó costumava contar estórias vividas pelos gentios, sua língua, forma de falar, de curandeiras e até de fazer remédio com ervas do mato. O coronel era descendente de portugueses, povo inamistoso dos gentios tapuias. Porém, dado as condições adversas climáticas muito secas de sempre, os Timbós fizeram boa vizinhança com os tapuias.
--- Timbó é um cipó. Ele serve para a pesca. Deixa o peixe atordoado. – explicava o velho.
Esse termo era advindo do tupi. E o coronel adotou como um termo dos brancos. Homem de pele branca. Os portugueses. E como chegou ao conhecimento dos tapuias ele nunca chegou a explicar.
--- Quando eu era menino, gostava de pescar nas aguas do rio e sempre levava uma pesca e tanto para a nossa casa. – sorria o velho ao contar tais estórias.
--- E era somente o senhor, coronel? – perguntava um ouvinte.
--- Nada. Tinham outros. Tinham outros. – dizia o velho a cuspir de lado.
--- Conta mais estórias paisinho. Conta! – dizia sempre uma das netas.
E o velho sorria e após dizia:
--- Essa gosta! – sorria o velho ao colocar a neta no colo.
Após o meio dia, já por perto das três horas, o carro chegou à repartição de onde Glauco trabalhava. Enrolado mais parecia um presente. O motorista que o levou informou ter sido o primeiro carro comprado na loja pelo doutor Glauco Rodrigues. E era por isso mesmo ter sido feito pela direção da loja um presente com fita na frente do automóvel para lembrar ser o seu reconhecimento. Em seguida, Glauco se postou para ser fotografado para a loja, tendo ao seu lado sua noiva Racilva Arantes. Uma multidão se fez presente ao acontecimento marcante na festa de entrega do primeiro automóvel Aero Willys negociado pela empresa. E foram várias fotos, estando ele e a sua noiva postada de frente do carro, na direção ou mesmo com a noiva sentada no capô do automóvel. Uma festa e tanto durando cerca de meia hora. Depois dessa festa veio os cumprimentos dos amigos da Repartição. Até mesmo foi ofertada uma garrafa de champanhe para Glauco quebrar na frente do augusto majestoso carro. Era a marca registrada do homem ao adquirir um novo veículo.
--- É lindo o veículo. – disse alguém.
--- Deve ter sido um dinheirão. – comentou outro.
--- Só quem pode! – alertou mais outro.
E Glauco festejou a entrega dando uma volta, com sua noiva Racilva Arantes, ao repor da Praça Augusto Severo e retornado ao ponto inicial. Na frente do Hotel onde ele se hospedava estava dona Dalila feliz e contente com o presente ganho por Glauco. A meretriz domestica Bete também alí estava e de momento deu uma rabissaca e entrou para o interior do Hotel dizendo.
--- Já não é comigo! Coitado! – fomentou a loira infernizada.
O trabalho voltou ao normal até o final da tarde quando Glauco e sua noiva tiveram mesmo que sair da repartição e seguir para o Hotel Belas Artes, onde o homem se acolhia. À entrada Glauco recomendou à sua noiva ter de ir para a sala de jantar, pois ele teria que trocar de traje por causa de logo mais à noite os dois seguirem à casa de Tupinambá, o curandeiro. Racilva não fez questão em entrar no Hotel. Em meio à conversa com dona Dalila foi então ter dito Racilva ser a noiva de Glauco com o casamento marcado para o final do ano.
--- É bom. Fim de ano. Tem muita festa. E você se prepara bem até lá. – sorriu Dalila.
--- Nós iremos ao Rio de Janeiro. – relatou Racilva entusiasmada.
--- Ih! Cidade chique. É bom de ir. Eu tenho parentes no Rio. – comentou Dalila.
--- Eu ainda não conheço o Rio. Na verdade, esse é mais que um presente. Este ano eu termino o meu curso superior. – respondeu Racilva sorrindo.
--- Médica? – indagou a mulher sobressaltada.
--- Não. Magistério!  - sorriu Racilva.
--- Que bom! Isso é maravilhoso! – relatou contente dona Dalila.


quarta-feira, 24 de agosto de 2011

VENUS ESCARLATE - 31 -

- CASARÃO -
- 31 -
Da reunião a portas fechadas do velho coronel Fabriciano com o seu filho, também coronel Arthur Rodrigues Timbó ficou dito não haver qualquer retrocesso com a morte de Chicão, o Capitão do Mato por causa da intriga de Arthur Timbó com o fazendeiro da região, João Duarte o causador da morte de Corina e do seu filho Fortunato. O grupo do velho coronel daria uma trégua enquanto o clima esfriasse.
--- Depois a gente vê isso. Depois. Lá para adiante. Ouviu bem? – perguntou Fabriciano com certo arroubo ao seu filho.
--- Sim senhor. Tudo bem. Eu também concordo. Agora....- dizia o coronel Arthur quando foi interrompido pelo velho Fabriciano.
--- Não tem “agora” nem nada. Eu não quero mais ouvir conversa! – declarou o velho com voz arrogante a seu filho Arthur.
--- Sim senhor. – respondeu de forma humilde o coronel Arthur.
E logo após os dois homens saíram do escritório tendo a frente o coronel Timbó, como era assim chamado por familiares e no alpendre da frente da casa grande houve a reunião com todos os jagunços de vaqueiros com o velho a dizer:
--- Não há guerra. Enterrem o morto. E que se apresente o homem Getúlio Boa Boca. Ele é o novo capitão do mato! – relatou com soberba o velho coronel.
Do meio da turma de capangas surgiu a figura de Boa Boca, todo rasgado e maltrapilho em suas roupas, ainda sem entender muito bem por que o patrão lhe confiara a função de Capitão do Mato. De qualquer jeito enfrentou a ocorrência e marchou até a soleira da casa grande:
--- Pronto, meu coronel. O que o senhor me mandar eu faço! – declarou destemido o homem.
--- Vamos ver se faz. Vamos ver se faz! – relatou o coronel Timbó chamando o jagunço para dentro da casa. Boa Boca e Arthur. Os dois ao mesmo tempo.
Em seguida, o coronel Timbó, já no seu escritório, declarou a Boa Boca ter ele a função de bater mato quando precisasse e então fazer o que era para ser feito. E sempre. Mas, de logo, ele arranjasse uma turma dos melhores jagunços para guardar a casa grande. E mais:
--- Outro destemido você mande cuidar das fazendas dos meus filhos. E AGORA! – reclamou o velho em alto e bom tom.
--- Sim senhor, meu coronel. Sim senhor. Mas se mal lhe pergunto: por que o senhor escolheu a mim? – indagou o moço Boa Boca.
--- Vá embora seu mateiro. E não me faça perguntas! – reclamou irado o velho a Boa Boca.
--- Sim senhor. Já tô indo. – e saiu Boa Boca a tremer de medo do velho coronel Timbó.
--- O senhor fica aqui!!! – pronunciou o velho a seu filho Arthur com altivez.
No quarto de dormir das senhorinhas, todas elas estavam a conversar baixinho. Racilva, por seu lado, sofria dores incríveis pelo incômodo das regras. Nesse momento Walquiria chamou uma mucama e pediu lhe trazer um chá para dores de incômodo. A mulher nova disse “sim” a ordem recebida.
--- É pra senhorinha! – declarou a mucama pela ordem decretada.
--- Vamos ver se agora não passa! Mulher! Tem jura! E na cidade o que se faz? – perguntou Walquiria a moça entretecida.
--- Minha mãe faz chá também. – destacou a jovem Racilva Arantes se encolhendo toda.
--- Que coisa! E dói assim? – indagou Zilene alarmada.
--- E tu não tens cólica, não? Tem não? –reclamou Walquiria a sua amiga Zilene.
--- Quando eu tenho, rezo a barriga! – respondeu a moça a sua amiga.
--- E quando reza cura dor de regras? Quando? – perguntou espiritada a moça Walquiria.
--- Sei lá. Minha avó foi quem ensinou. Pra mim, passa! – respondeu Zilene a sua amiga.
Com um instante a mucama entrou no quarto de dormir das donzelas com uma xicara de chá quente feito para dor de regras. E passou para Walquiria. Em resposta, recebeu a mucama a instrução para ser dada a Racilva. A moça mucama se voltou e entregou o chá a Racilva.
--- Ruim! – fez Racilva com uma cara amarga.
--- É assim mesmo. Cura a dor! – articulou Walquiria.  
Ao tomar o chá Racilva se enrolou da cabeça aos pés e procurou conciliar o sono apesar das dores ainda não terem passados. E a moça Zilene falou a doente para ela rezar com a mão no canto da dor até o incômodo passar. Por seu lado Walquiria ainda reclamou de não ter sentido nada de dor quando estava doente. E as horas foram passando. Quando a noite chegou a mucama surgiu a porta a chamar as moças para o jantar. Racilva disse não querer:
--- Estou sem fome. Aquele chá foi um purgante! – relatou Racilva enrolada até aos pés.
--- Eu vou comer por você. Veja se dorme. Vamos Zilene! E sem bufas! Já estou fartas de traques. – reclamou arrebitada a moça ao sair do quarto.
--- E fui eu? Fui eu? – rezingou Zilene para a sua colega.
O certo foi que a peidança se ouviu de porta a fora com Walquiria a despejar seus glamorosos flatos no percorrer do corredor da casa grande. Eram tantos que a moça não aguentou de tanto soltar os seus flatos e em seguida sorriu em articulosas gargalhadas. A mucama na frente das duas moças também acabou por sorrir e declarar:
--- Que peidança! – e sorriu a mucama sobre severas gargalhadas.
A noite brumosa veio com verdadeiro silencio em torno da casa grande. Os jagunços estavam a postos em torno do solar e nada podia se mexer sem declarar ser um veado, uma cabra ou um carneiro. Armados até aos dentes os jagunços ou capangas patrulhavam em marcha não sincopada as diversas regiões de onde era erguida a casa grande do velho e augusto Coronel Timbó. Luzes pequeninas eram os vagalumes ou os olhos de raposas a observar atentas as suas cobiçadas presas, no caso das raposas. O pisca-pisca dos pirilampos era por demais um convite ao macho a fazer o coito da procriação. A noite era mansa e não havia sinal de chuva iminente. O velho coronel até altas horas da noite conversava em seu escritório com os seus filhos então presentes ter no dia seguinte de ir fazer o translado das cabeças de gado de uma fazenda para outra. Das vinte mil cabeças ainda faltavam ser entregues dez mil. Estava o gado nas fazendas “Tijuaçú”, “Alarme”, “Sossego” e “Pirilampo”, todas da família Timbó, ligadas a bem-sucedida Fazenda Maxixe.
No dia seguinte, logo cedo da manhã, Racilva acompanhado do seu noivo Glauco Rodrigues partiu para Natal e se despedindo das demais amigas, Walquiria e Zilene prometendo retornar à Fazenda “Maxixe” no próximo final de semana. Glauco se despediu do seu pai e irmão e disse terem cuidados com as cobras. Na verdade, ele queria dizer: com os jagunços do fazendeiro João Duarte, autor intelectual do assassinato de Corina e Fortunato. A mulher era amante do coronel Arthur e o rapaz morto por enforcamento era o seu filho abastado. O veículo correu veloz e Glauco declarou não ter tempo de mandar fazer serviço no seu carro. Nesse caso, ele teria que ir a Agencia de Santos & Cia para ver se por lá podia fazer negócio com um novo veículo modelo Aero Wilys, um carro possante e ótimo em qualquer circunstancia. O tempo corria firme e as sete e meia horas da manhã o casal já estava em seus locais de moradia, no bairro do Alecrim. Racilva então declarou ter de ir à noite à casa de seu Tupinambá, pois foi com ele que fez a última consulta.
--- E você acha que ele é bom mesmo? – perguntou Glauco temeroso com a incerteza.
--- Para mim, não tem outro! – relatou Racilva ao seu noivo.
--- Então, nós iremos ao mestre Tupinambá. – disse com o seu jeito de quem não acreditava em nada do que se dizia sobre o assunto.
A moça entrou na casa e logo trocou de traje e em pouco tempo ela estava pronta para sair de vez. Ao se despedir de sua mãe tomou-lhe a benção. E seu pai já não estava na casa, pois tivera de ir deixar as galinhas no mercado. Foi sua mãe mesmo quem declarou:
--- Jonas saiu logo cedo para o mercado. – declarou a mulher meio sem graça.
--- Eu já imaginava. A senhora tem o chá? – indagou em voz baixa Racilva.
--- De novo? Tenho! – respondeu dona Lindalva a filha.
A moça sorriu, tomou meia caneca de chá e logo saiu com o acompanhamento de Glauco. Esse estava a pensar no assunto da Fazenda Maxixe onde um batalhão de jagunços tomava conta de todo o cercado de dia e de noite, sempre se revezando. Glauco se despediu enfim de dona Lindalva apesar de estar com o pensamento distante.