quinta-feira, 25 de agosto de 2011

VENUS ESCARLATE - 32 -

- VAQUEIRO - 2 -
- 32 -
Pouco antes das dez horas da manhã, Glauco Rodrigues entrava na porta principal da suntuosa loja de automóveis de Santos & Cia a observar os autos à mostra. Entre todos os veículos estava um luxuoso automóvel de cor azul escuro, quatro portas, doze vidros a funcionar como para-brisa, tendo a frente com amplos faróis e faroletes e mais os para-choques cromados. E ao seu lado estava a sua elegante noiva, Racilva Arantes esmiunçando detalhes no interior do veículo. Coisas que passavam despercebidos para um olhar comum e atento até mesmo de um homem conhecedor de carros novos ou usados. O vendedor explicava todos os detalhes do automóvel Aero Willys, o elegante modelo da moda dos autos. E nem adiantava o rapaz dizer isso ou aquilo, pois Glauco Rodrigues sabia muito bem daquele alinhado e suntuoso automóvel posto à venda pela loja. Após um eterno e inimaginável tempo de explicações o homem pediu licença e, com a sua noiva caminhou até a direção do estabelecimento comercial para acertar os detalhes do preço e fazer a compra do carro.
--- Era tudo tão simples! – comentou sorrindo a sua noiva Racilva Arantes.
--- É. Mas o vendedor tem o dever de explicar os detalhes do carro. – falou por sua vez Glauco.
--- Porém não restam dúvidas de ser um magnifico veículo. – sorriu a moça abraçada ao seu noivo.
Na parte da tarde o homem receberia o carro com uma fita de presente. Antes disso, Glauco e Racilva foram almoçar em uma peixada em frente à loja. Do seu canto, Glauco podia ver o seu automóvel sendo coberto por um pano de seda e atado com uma fita de cor rósea para ser então movimentado pelos mecânicos da loja. E ele se sentiu assim deveras compensado.
--- Tudo isso por causa de um veiculo. – comentou Racilva a sorrir.
--- Para você observar como são as coisas. – disse em seguida o seu noivo.
--- Mas, confesso ser lindo o painel interno do automóvel. – declarou ainda Racilva.
--- Todo carro tem suas peculiaridades. – sorriu Glauco ao contemplar o veículo de longe.
--- Peixe? – indagou o garçom que estava a servir à mesa.
--- Arabaiana? – perguntou sorrindo o homem à sua noiva.
--- Pode ser. – Racilva refez um sorriso amigo e se encolhendo nos ombros.
Um pedinte percorria as mesas e na de Glauco Rodrigues pediu um auxilio por amor e caridade. O homem a sorrir retirou da carteira uma cédula aos olhares atentos de Racilva e fez a entrega da doação ao pedinte. O garçom não estava por perto nessa hora e o mendigo agradeceu e se retirou com a devida pressa. O almoço foi salutar e a conversa amena entre Glauco e Racilva. Ele falava de lances importantes do novo carro e ela apenas ouvia a sorrir e a soerguer os ombros. Coisas de mulher.
Na fazenda “Maxixe” tão logo Glauco saiu, o velho coronel Timbó em companhia do seu filho, o também coronel Arthur Timbó saiu com a tropa de jagunços para uma das fazendas de um dos filhos, a Fazenda “Sossego” onde faria o acerto do restante do gado a ser levado para o posto de embarque de cinco mil cabeças. E ainda assim ficavam faltando cinco mil cabeças sem contar com as amojadas e as de bezerro novo. Esse tempo durava por vários dias com os vaqueiros tangendo o gado de toda a sorte de lugar distante. Os vaqueiros já estavam a percorrer o campo desde a ordem recebida de embarcar vinte mil cabeças de gado de seu Glauco e mais dez mil de propriedade do coronel Arthur Timbó. Desse montante já tinham sido entregues dez mil cabeças de seu Glauco e cinco mil cabeças do coronel Arthur. A terra imensa dava trabalho em se vadear certos trechos de rios para buscaras cabeças de gado, pois nesse casso os vaqueiros tinha de ter cuidado com as vacas amojadas e as de bezerro novo. A terra extensa valia um sem numero de quilômetros de terra sem fim entre rios e montanhas. Os vaqueiros pernoitavam ao relento tangendo o gado encontrado, muitos dos quais desprovidos da marca do ferro quente abrasador. Choupanas havia no trajeto dos vaqueiros, quase todas desabitadas ou em algumas, habitadas por gente de pele escura – os descendentes de índios. Vaqueiros também eram descendentes de índios, em sua maior parte, como eram também os jagunços e os capitães de mato.
A enormidade terra seca e virgem dava orgulho ao coronel Timbó, o velho, de saber pelas andanças já feitas desde o tempo de menino quando seguia mais o seu pai. Naquele tempo havia uma quantidade maior de malocas onde habitavam as peles-escuras como era comum dizer os índios. Com a falta de chuva torrencial, sempre constante, os índios ou gentios deixavam seu habitat natural saindo à procura de uma maior extensão de terra onde brotava água doce e limpa. Era o êxodo dos aborígines conhecidos também por tapuias. Esses gentios habitavam mais para o centro do Estado, cobrindo os confins oestes da dita região e falavam línguas diferentes dos tupis, habitantes do leste do Estado. O velho coronel Timbó costumava contar estórias vividas pelos gentios, sua língua, forma de falar, de curandeiras e até de fazer remédio com ervas do mato. O coronel era descendente de portugueses, povo inamistoso dos gentios tapuias. Porém, dado as condições adversas climáticas muito secas de sempre, os Timbós fizeram boa vizinhança com os tapuias.
--- Timbó é um cipó. Ele serve para a pesca. Deixa o peixe atordoado. – explicava o velho.
Esse termo era advindo do tupi. E o coronel adotou como um termo dos brancos. Homem de pele branca. Os portugueses. E como chegou ao conhecimento dos tapuias ele nunca chegou a explicar.
--- Quando eu era menino, gostava de pescar nas aguas do rio e sempre levava uma pesca e tanto para a nossa casa. – sorria o velho ao contar tais estórias.
--- E era somente o senhor, coronel? – perguntava um ouvinte.
--- Nada. Tinham outros. Tinham outros. – dizia o velho a cuspir de lado.
--- Conta mais estórias paisinho. Conta! – dizia sempre uma das netas.
E o velho sorria e após dizia:
--- Essa gosta! – sorria o velho ao colocar a neta no colo.
Após o meio dia, já por perto das três horas, o carro chegou à repartição de onde Glauco trabalhava. Enrolado mais parecia um presente. O motorista que o levou informou ter sido o primeiro carro comprado na loja pelo doutor Glauco Rodrigues. E era por isso mesmo ter sido feito pela direção da loja um presente com fita na frente do automóvel para lembrar ser o seu reconhecimento. Em seguida, Glauco se postou para ser fotografado para a loja, tendo ao seu lado sua noiva Racilva Arantes. Uma multidão se fez presente ao acontecimento marcante na festa de entrega do primeiro automóvel Aero Willys negociado pela empresa. E foram várias fotos, estando ele e a sua noiva postada de frente do carro, na direção ou mesmo com a noiva sentada no capô do automóvel. Uma festa e tanto durando cerca de meia hora. Depois dessa festa veio os cumprimentos dos amigos da Repartição. Até mesmo foi ofertada uma garrafa de champanhe para Glauco quebrar na frente do augusto majestoso carro. Era a marca registrada do homem ao adquirir um novo veículo.
--- É lindo o veículo. – disse alguém.
--- Deve ter sido um dinheirão. – comentou outro.
--- Só quem pode! – alertou mais outro.
E Glauco festejou a entrega dando uma volta, com sua noiva Racilva Arantes, ao repor da Praça Augusto Severo e retornado ao ponto inicial. Na frente do Hotel onde ele se hospedava estava dona Dalila feliz e contente com o presente ganho por Glauco. A meretriz domestica Bete também alí estava e de momento deu uma rabissaca e entrou para o interior do Hotel dizendo.
--- Já não é comigo! Coitado! – fomentou a loira infernizada.
O trabalho voltou ao normal até o final da tarde quando Glauco e sua noiva tiveram mesmo que sair da repartição e seguir para o Hotel Belas Artes, onde o homem se acolhia. À entrada Glauco recomendou à sua noiva ter de ir para a sala de jantar, pois ele teria que trocar de traje por causa de logo mais à noite os dois seguirem à casa de Tupinambá, o curandeiro. Racilva não fez questão em entrar no Hotel. Em meio à conversa com dona Dalila foi então ter dito Racilva ser a noiva de Glauco com o casamento marcado para o final do ano.
--- É bom. Fim de ano. Tem muita festa. E você se prepara bem até lá. – sorriu Dalila.
--- Nós iremos ao Rio de Janeiro. – relatou Racilva entusiasmada.
--- Ih! Cidade chique. É bom de ir. Eu tenho parentes no Rio. – comentou Dalila.
--- Eu ainda não conheço o Rio. Na verdade, esse é mais que um presente. Este ano eu termino o meu curso superior. – respondeu Racilva sorrindo.
--- Médica? – indagou a mulher sobressaltada.
--- Não. Magistério!  - sorriu Racilva.
--- Que bom! Isso é maravilhoso! – relatou contente dona Dalila.


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