terça-feira, 23 de agosto de 2011

VENUS ESCARLATE - 30 -

- VAQUEIROS -
- 30 -

A moça sorriu com a conversa entre os dois homens: o vaqueiro e o seu patrão. E ficou Racilva a meditar com os termos usados no interior do Estado: amojada; barbatão. Quanto mais os homens falavam mais vontade tinha Racilva de sorrir. Principalmente por causa desses dois termos: amojada e barbatão.
--- Que loucura essa! – sorriu muito baixinho a moça por não ter conhecimento tão bem desses termos.
Enfim foi tanto sorrisos chega ser espanto para o noivo Glauco e de ter perguntado o que houve na conversa entre ele e o vaqueiro. E a noiva respondeu:
--- Nada não. Confesso ter de aprender ainda muito com o seu linguajar. – sorriu Racilva.
E depois de tudo isso o carro continuou a trafegar pelo sertão da Fazenda Maxixe onde estavam reunidos todos os compadres naquela manhã domingueira. Quando o luxuoso carro estacionou na fazenda Racilva, de imediato viu se aproximando a sua amiga e sobrinha do seu noivo Glauco, a sorridente Walquiria. Com ela estava uma pessoa desconhecida para Racilva. Porém logo ficaram enturmadas as duas fidalgas companheiras. Depois de abraços e beijos e da benção do tio Glauco foi a vez de Walquiria apresentar a Racilva a sua nova companheira de anos passados:
--- Essa é Zilene. E para Zilene essa é Racilva, noiva do meu tio. Esse é o meu tio Glauco. – disse Walquiria e caminhou direto para o alpendre da casa grande.
Zilene se deu por satisfeita com a apresentação de Racilva, passando a conversar animada com a nova conhecida. As três já estavam no alpendre da casa grande para onde seguiram e onde havia entusiasmada zoada dos irmãos Timbó, avó, - o Timbó velho -, compadres e de outras gentes de perto e da distancia animando a roda de quem alí conversava acaloradamente. Em dado instante Racilva ouviu algo do acontecido alguma semana passada. E abriu os ouvidos para escutar melhor:
Os vaqueiros caminhavam ao passar por frente do casarão e o coronel Arthur Rodrigues, irmão de Glauco indagou do grupo de vaqueiros ou jagunços bem mais conhecido por esse termo:
--- E então, cabras? Os cavalos comeram? – indagou o coronel Arthur com voz alta para apenas ser ouvido pelos vaqueiros ou jagunços.
--- Comeram e beberam! Estão de barriga cheia! – relatou um jagunço todo suado.
--- Bom! Assim é que eu gosto! – sorriu a vontade o coronel Arthur.
Na verdade, isso queria dizer ter os jagunços feitos justiça com os três homens matadores. Os três, encabeçados por Manoel Bento, o Manoel Mijão, foram mortos e enterrados longe do cercado da fazenda Maxixe. Racilva Arantes prestou atenção quando o Coronel Arthur ainda fez as contas ao seu irmão, Glauco:
--- Ainda falta um! – relatou meio baixo o Coronel.
Glauco sorriu porem não disse nada em troca. Apenas pegou uma garrafa de cachaça e fez homenagem ao irmão e aos jagunços.
--- Saúde para todos. – alardeou Glauco oferecendo garrafas de cachaça para os jagunços.
Após essas saudações, Racilva Arantes entrou no solar e procurou a sua amiga Walquiria para comentar o sucedido. E ainda perguntou o que os jagunços tinham dito ao coronel Arthur:
--- Que eles disseram com os cavalos estarem de barriga cheia? – indagou Racilva um pouco temerosa e assustada.
--- Você não sabe? E eu também não! – gargalhou a moça pegando pelo braço as duas colegas e então saiu para o interior do quarto das damas.
O domingo estava animado no interior da Fazenda Maxixe com o coronel Fabriciano Timbó abocanhando uma porção de carne de gado e os homens contando as proezas dos últimos dias. Os vaqueiros do Maxixe arrebanhado o gado de um curral para o outro com a certeza de fazer a entrega das vinte mil cabeças de gado até o final do mês. As senhoras tinham a incumbência de fazer chegar a refeição ainda quente nos pratos e nas tigelas postas à mesa. As moças sorridentes admiravam a conversa dos mais velhos e Walquiria Timbó cutucava com o cotovelo as costas de Zilene para alertar a moça para a conversa dos adultos mais velhos. Nesse momento, entrou na sala um jagunço e falou ao pé do ouvido do coronel Arthur. Esse ouviu e calou. O jagunço saiu da sala. E o coronel também o acompanhou um pouco sério.
--- Tem confusão! – alertou Walquiria a sua amiga Zilene.
--- Que confusão? – indagou Zilene sem muito entender.
--- O coronel saiu às pressas! – disse Walquiria olhando para o seu tio Glauco.
Esse nada fez. Estava almoçando e assim continuou. O velho Fabriciano também continuava com o seu comer de carne de gado. Todos, enfim, ficaram como se nada tivesse havido. Bem fora do alpendre do casarão estava um cavalo com um corpo em cima. Um jagunço pouco assombrado apenas disse:
--- É Chicão, o nosso capitão do mato. – relatou o jagunço ao coronel Arthur que não disse nada nessa ocasião.
Com um pouco de tempo o coronel Arthur falou e voltou para dentro do casarão.
--- Tire o homem e enterrem. – ele falou meio baixo aos demais jagunços.
Os jagunços obedeceram a ordem e o coronel, trancado de cara e trincado de dentes, entrou na sala e caminhou até a sala de jantar onde todos estavam almoçando alegremente. Ao entrar no recinto, Arthur foi até onde estava o velho coronel Fabriciano e lhe segredou no ouvido o caso de Chicão. O coronel Fabriciano ouviu e apenas disse:
--- Enterrem! – falou Fabriciano com voz baixa e continuou a comer a carne de gado.
O velho coronel Fabriciano estava alegre da vida e assim permaneceu dando a impressão aos demais nada haver mudado na hora da refeição do meio dia. Ele apenas chupou de uma canela de vaca o seu conteúdo, um tutano gordo e amarelo. Quando o velho coronel acabou deu um belo arroto para ninguém por defeito no seu prazer de um alto fazendeiro de oitenta anos. Logo a seguir foi para o seu escritório puxando o filho também coronel Arthur pela gola da camisa. Todos sorriram com a presepada do velho. E não disseram coisa alguma do flato do coronel Fabriciano solto pelas calças de gabardine do ancião. A reunião no escritório foi à portas fechadas não sendo permitido a entrada a nenhum outro, nem mesmo a outro filho do velho coronel.
Por volta das três horas da tarde Zilene Caldas, a amiga de Walquiria, estava a perambular sozinha por caminhos dantes nunca vistos com a folhagem a cobrir todo o campo onde havia arvores imensas de um lado e do outro da vereda por ela descoberta. Alí não havia aragem e as folhas mortas caídas ao leu dormiam sossegadas com as vespas a tirar o caule das folhagens do restante a sobrar. Zilene caminhava sozinha admirando aquela mata virgem onde apenas um caminho permitia se passar de um pouco mais tranquilo. Pássaros silvestres aninhavam-se por entre as folhagens dos acajus-catinga ou de outras árvores de igual espécie. Tudo eram paz e sossego no arvoredo. E apenas a moça a deleitar aquela imensa e sobranceira ilusão da vida viva. Depois de andar ao leu tantos quilômetros afins, a moça ouviu um ruído na mata densa. Zilene procurou ouvir melhor aqueles ruídos e gemidos como de uns duendes E se postou ao lado de uma arvores imensa. Talvez fosse um jacarandá ou bracatinga. E Zilene nem se importou em descobrir de qual árvore era a que deu o seu abrigo. Ela apenas ouvia o gemido perdido na vereda do sertão. E com isso Zilene se pôs a observar com temor. E então pode ver logo atrás de umas árvores dois corpos seminus abraçados um ao outros a sôfregas ânsias incontidas de dois amantes em dois amores. A moça se encolheu de vez e toda procurando se esconder ao máximo dos amantes alí expostos a toda sorte de agonia e destemor. Esse foi o mais longo dos tempos do qual a moça pode assistir entre matas de aroeira e outras matas. Apenas passados alguns instantes os amantes terminaram o seu afã e, se cobrindo todo, eles rumaram em direção a casa grande passado perto do lugar onde a moça os pode observar. Com o passar das horas, Zilene ficou sabendo que a doce mulher era uma servidora da casa grande de nome Odete:
--- Aquela é Odete Agar. – disse-lhe Walquiria quando Zilene perguntou de quem se tratava.
--- Ah bom. Odete. Ela é parenta de alguém da casa? – perguntou Zilene.
--- Não. Bem. Ela era a irmã de Adélia. A que morreu. Adélia era casada com meu tio Glauco. – explicou Walquiria.
--- Ah bom. Então é mesmo que ser da família. – respondeu Zilene.
--- É. Mais ou menos. Ela é virgem. E não pretende se casar com outro homem. Chamam-na de “Pecado”. Imagine? – sorriu Walquiria ao dizer o apelido de Odete.
Zilene também sorriu a valer, pois bem queria ter os “pecados” que Odete devia ter. Então apareceu na casa grande a noiva de Glauco. A moça reclamava de dores, pois estava no seu tempo de regras.

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