sábado, 6 de agosto de 2011

VENUS ESCARLATE - 22 -

- CEMITÉRIO -
- 22 -
No dia seguinte, domingo logo cedo da manhã, depois das oito horas, Glauco convidou o seu Jonas, a noiva Racilva e, certamente, dona Lindalva para fazer um mais ou menos encurtado percurso de charrete pelo interior do campo aberto e distante. Dona Lindalva preferiu não ir. Ela apenas ficou a conversar com dona Nair, mãe de Glauco sobre assuntos domésticos. Nesse instante, Walquiria se prontificou em ir ao lado de Racilva e deixando o velho Jonas no outro canto da charrete onde podia olhar à vontade os arvoredos, gado, cabra, bodes, ovelhas e até mesmo algumas galinhas e seus respectivos galos. Além disso, tinha peru, pavão, guiné, pato dentre outras aves. Por isso mesmo, as aves e os quadrupedes faziam uma zoada só, como os burros, cavalos, vacas, touros. Apenas os bois eram calados. Os carros de boi com os seus gemidos destoantes eram os mais afoitos a fazer zoada. Glauco se montou em um cavalo, o seu cavalo Cego, e partiu na frente, ao lado do seu Jonas a conversar, mostrando a Fazenda com todos os seus peculiares assentamentos. E assim, percorreu longa estrada, passando por vaqueiros destemidos tangendo o gado. Ele mostrou o riacho ou rio do Pião, onde a molecada estava a tomar banho e a pescar seus peixes Barbados e Abotoados, entre outros. Os marmanjos ofereciam os pescados. Mas, dessa vez, Glauco agradeceu a sorrir. Era um mundão de terra a ser visitado por seu Jonas e, de certa forma, Racilva. A viagem se estendia há horas quando, de repente, montado em seu alazão Fumaça, apareceu Zé Vaqueiro completamente atarantado fazendo finca-pé junto ao doutor Glauco. Esse então, perguntou:
--- Que estás tão nervoso? Diz o que é? – indagou Glauco de olhos fixos no vaqueiro.
Todo suado, alarmado, pingando água o homem chamou Glauco para um canto mais distante dos visitantes da charrete. E estando longe dos ouvidos das damas ele confessou:
--- Doutor! Mataram Corina! – respondeu Zé Vaqueiro assombrado.
O homem se tremeu na sela de perguntou;
--- Mataram quem, cabra? Corina? – indagou o doutor Glauco.
O homem do campo, alarmado, enxugando o suor com o seu gibão e procurando falar.
--- Tá morta. Ela tá morta. E o filho também. Quer dizer: o filho do. ...(ele quis dizer: do coronel Arthur Rodrigues. Porém se calou).
O doutor Glauco se apavorou com a notícia e ainda perguntou atemorizado.
--- Fortunato? – indagou alarmado o doutor.
--- Pois é. Os dois. E ninguém sabe quem foi. (enxugando o suor). Dentro da casa da mulher Corina. - relatou o homem vexado com a informação.
Doutor Glauco estremeceu de medo e perguntou em seguida:
--- E o coronel? – perguntou um tanto cauteloso o homem da cidade.
--- O pessoal já foi dizer a ele. Os outros. Eu vim dizer ao senhor. Quando vinha para a Serra, eu avistei o pessoal. E me disseram: Corina e o filho estão mortos dentro de casa. Então eu vi os defuntos. A mulher foi ferida no peito. E Fortunato foi dependurado numa linha de cima da casa. Estava espichado. Morto! – relatou o homem, Zé Vaqueiro.
Glauco ficou sentido com a notícia. Corina era uma mulher de quarenta anos e amante do seu pai, o coronel Arthur Rodrigues. Vez por outra os dois se encontravam. Corina tinha quinze anos quando o coronel Arthur “buliu” com ela. Porém eles nunca casaram. Viviam sempre se encontrando. A mulher do coronel, dona Nair, sabia de tudo, mas nunca dizia coisa alguma. Os filhos do coronel também sabiam do romance do seu pai. Após esse curto e longo tempo de comoção, Glauco resolveu voltar do caminho e despachou o vaqueiro para ir dizer ao seu pai o já sabido por ele. Walquiria, sempre atenta aos assuntos, desceu da charrete com bastante pressa e perguntou ao tio:
--- O que tem Corina? – indagou a moça meio vexada.
--- Morta! – respondeu Glauco sem chorar.
--- E Fortunato? – indagou às pressas a moça.
--- Morto também! – respondeu Glauco coçando a cabeça.
Jonas, que estava sentado na charrete dirigida pela moça Walquiria, nada fez. Apenas ouviu com vagar o cochicho dos três. Racilva saiu da charrete e ainda perguntou:
--- O que houve? – perguntou Racilva atenta a tudo.
--- Uma mulher que morreu na casa dela. Ela e o filho! – respondeu Walquiria a Racilva.
--- Nossa! Quem era? – investigou Racilva alarmada.
--- Uma moradora da Fazenda! – respondeu Walquiria sem entrar em detalhes.
--- Mas morreu como? – perguntou Racilva bastante alarmada.
--- Foi morta! Ninguém sabe por quem. Apenas acharam os corpos dos dois! – relatou a moça de cabeça abaixada escavacando o chão.
--- Os dois? E tinha outro? Quem era? – perguntou amedrontada Racilva.
--- Ela e o filho! Vamos tio. Pra casa! – chamou a moça com pressa o doutor Glauco.
--- Estava pensando em ir a casa (de Corina, quis dizer Glauco). – relatou o homem.
--- Deixa. (O senhor) Vai para o enterro do corpo! – respondeu Walquiria procurando sossegar o homem.
--- É danado! – respondeu Glauco com a cabeça abaixada em cima do seu cavalo.
À tarde do mesmo dia houve o sepultamento dos corpos de Corina (Maria Carolina) e do seu filho Fortunato (José Fortunato) no cemitério da Fazenda Maxixe. Estavam presentes o senhor Coronel Arthur Rodrigues (sem a esposa), o filho Glauco e sua noiva Racilva e a neta de Arthur, a moça Walquiria. Um silêncio denso e cruel desceu sobre o manto da terra estia. Amigos de Corina também estavam no sepultamento do filho e da mulher. O padre da freguesia celebrou missa dos defuntos (missa fúnebre) durante a cerimonia religiosa. Pranto apenas se ouvia dos pobres moradores da fazenda. O Coronel Arthur não fez sinal algum. As duas moças – Racilva e Walquiria – bem como o noivo Glauco Rodrigues também não choravam. Eles estavam apenas compenetrados com a cerimonia religiosa. Uma criança de seus três ou quatro anos brincava com um pobre menino com algo encontrado em terra batida. Walquiria vestia um traje de luto e Racilva uma veste escura. O tempo nublou no momento de descer os caixões. Um sinal de chuva em tempo de verão. Era uma chuva fina, porém escura. Alguém chamou a menina:
--- Vem prá cá! – chamou a mulher de modo sereno.
A cerimonia durou meia hora e os presentes retornaram as suas moradias. O Coronel Arthur chamou um vaqueiro e deu uma ordem:
--- Corra o campo! – falou baixo o fazendeiro Arthur.
Na segunda feira, Racilva já estava em seu novo trabalho e indagou a Glauco de modo sereno:
--- Quem era aquele vaqueiro? – perguntou Racilva a Glauco de modo baixo.
--- Um vaqueiro! – respondeu Glauco um pouco calado.
--- Ele (o coronel Arthur) sabe quem foi? – quis saber a moça.
--- Parece. Tudo se sabe nessa terra. – relatou Glauco falando baixo no seu Gabinete.
--- E você sabe também? – perguntou a moça constrangida.
--- Não. – respondeu Glauco sem tecer comentário.
Racilva olhou bem para o noivo e não fez mais pergunta. Ela estava entendo ter o homem do campo segredos não revelados. E assim, era melhor não saber também. Um dia, quem sabe, talvez ela soubesse desses e de outros crimes cometidos no interior do sertão.
Na tarde de segunda feira, Glauco foi até a Agência Pernambucana apanhar o seu jornal do Rio. Com ele estava a sua noiva Racilva. A moça começava a se habituar ao gosto do noivo e se pôs a ver também as demais publicações oferecidas pela Agência, principalmente as revistas de moda. Após escolher tantas Racilva ficou com apenas uma publicação mensal sobre estilos e moda. Era uma publicação do estilo “NOIVA” mostrando as novidades da época. A moça ficou encantada com o magazine. Por algum tempo a moça ficou sem saber se levava a NOIVA ou outra do estilo ÉPOCA ou VOGUE.
--- É um sucesso essa banca de revista. Que coisa! – comentou Racilva de olhos bem abertos e sorriso na face.
--- Que foi querida? – indagou Glauco a olhar de perto a revista VOGUE.
--- Qual a que levo? – sorriu a moça plena de emoção.

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