terça-feira, 16 de agosto de 2011

VENUS ESCARLATE - 23 -

- Dorothy Lamour -
- 23 -
E daquele dia em diante, Racilva Arantes estava sempre presente acompanhada do seu noivo na Agencia Pernambucana para conhecer quais a novidades da semana e do mês.  A visita se tornou um habito na moça sempre cheia de candura. Esteve Racilva uma vez com a dúvida de adquirir a Revista VOGUE uma especialidade francesa. E assim deveras se formou a moça em uma autentica aficionada nas revistas e publicações da esfera moda. A jovem ganhou o habito de ler todas as revistas da moda, por assim dizer. Porém, voltando ao passado, no dia em que esteve na Agencia acompanha do seu noivo, ela olhou para o relógio e viu ser ainda cedo para jantar em um restaurante e trocar conversa com Glauco Rodrigues. Para aproveitar o tempo, os dois foram até o Cais, aonde os barcos chegavam e saiam para a Praia da Redinha. A sonhar com a viagem Racilva buscou no rio Potengi os verdadeiros encantos amorosos do sem fim. E olhando para a margem oposta do rio ela falou a Glauco:
--- O que é aquilo? – perguntou a moça ao noivo admirada com a cena.
--- O que? Os pescadores? São pescadores procurando siris, camarões e caranguejos. – respondeu o noivo a Racilva.
--- Não! Não! É lá! – a apontou para o outro lado do rio.
--- Onde? Aquele barro? – perguntou inquieto o homem.
--- É. Ali mesmo! – admirou-se Racilva de um monte de barro parado na margem do rio.
--- Bem. Alí foi uma estação. Não te disseram? – indagou o homem a olhar a vista e a noiva.
--- Acho que não. Estação?  Que Estação? – indagou a moça surpreendida com o caso.
--- Faz tempo. Faz tempo. Quando não existia a ponte. – relatou Glauco sem sorrir.
--- Ponte? Que ponte? – quis saber Racilva.
--- Igapó. Você sabe da ponte de Igapó? – perguntou o homem a sua noiva.
--- Ah. Isso eu sei. A ponte. Está lá em baixo. – e Racilva apontou para a ponte.
--- É aquela. Mas em 1916 a ponte foi inaugurada. Antes, o pessoal vindo do interior, descia ali na Estação da Coroa e vinha para o lado de cá do rio em barcos e barcaças. Era um movimento constante. Tinham prédios para se guardar as mercadorias vindas de municípios como Baixa Verde. As pessoas tomavam os barcos e chegavam à estação do outro lado do rio. – fez ver Glauco.
Embarcadiços passavam por eles carregando as redes de pesca e a conversar asneiras.
--- Essa merda tá toda rasgada. – disse um pescador a outro e passou direto para a Rua Chile.
E outro passou correndo com um cesto na cabeça carregado de frutas, como caju.
E a conversa entre os dois prosseguiu:
--- Coroa? – perguntou a moça a sorrir de mansinho.
--- É. Coroa! Não sei por que! Mas era a estação da Coroa. – relatou Glauco a Racilva.
--- Interessante! – vez ver Racilva.
--- Eu li certa vez ter tido naquela margem do rio um lugar chamado Ilha da Coroa. O artigo retratava a chamada Aldeia Velha, hoje Igapó. E ele tocava da solene inauguração da Estrada de Ferro, nos idos de 1906.  A criação da estação da Ilha da Coroa foi em junho daquele ano, certamente. – relatou por bem o homem.
--- E o pessoal vindo de barco pelo rio, não era de Macaíba? – estranhou a moça.
--- Macaíba é outra coisa. É ali, mais para cima do rio. A Coroa é de quem vem de Extremoz, Ceará Mirim, Baixa Verde. É assim. – relatou o homem a olhar a margem direita do rio.
O tempo passou mais que depressa e já eram às dezoito horas da quase noite. Racilva e Glauco bem abraçados saíram a passear até chegarem a uma peixada por alí existente. Após entrar e sentar, eles pediram o cardápio.
--- Hoje é peixe. – sorriu Glauco.
Na conversa que se seguiu, o homem chegou a dizer ter em negócios uma casa no bairro do Tirol, perto de uma Igreja e de outras residências.
--- Tem um Clube Social. Parece ser o Brasil Clube. Não sei bem. Parece! – descreveu o homem a pensar nos nomes referidos.
--- E a casa? – quis saber a moça.
--- A de Petrópolis? Já está a venda! – falou Glauco a pensar e de cabeça abaixada a sacudindo com vagar o garfo na mesa.
Ele estava a refletir no caso da morte de Corina e seu filho, Fortunato. Ele pensava calado e chegou a refletir ter o coronel mandado matar o homem. Glauco sabia muito bem ser João Duarte o mandante da chacina da mulher. João Duarte não se conformava em não ter o amor de Corina. Certa vez, ele ouviu dizer ter sido Joao Duarte desprezado por Corina, pois a mulher o detestava. O caso já rendia vários anos. Sempre João Duarte procurava Corina. E de contínuo levava a porta na cara. Disso, Glauco muito bem sabia. Porém não falava a ninguém.
--- Preciso conversar com Walquiria. – respondeu o homem, Glauco, a sua noiva.
--- Que está a pensar? – quis saber Racilva preocupada.
Glauco olhou para Racilva e disse apenas isso:
--- A casa! A casa! – e calou baixando a cabeça novamente.
--- A casa? E ela sabe? – indagou Racilva coberta de temor.
--- Ela entende! – reportou o homem sem querer dizer o sabido.
A chuva fina chegou de repente àquela hora da noite ainda muito cedo. O pessoal saindo do trabalho corria e se abrigava em baixo dos pés de fícus ou nas portas das casas de comércio. Três prostitutas entraram apressadas no restaurante e a sorrir, comentando:
--- Ô chuva chata! – dizia uma delas.
--- É bom assim. Dá mais cede aos fregueses! – sorriu a outra.
Uma mulher saiu correndo da Rua 15 de Novembro a pedir socorro.
--- O que é isso? – relatou com imenso medo a noiva Racilva.
--- Brigas! – sorriu Glauco levantando os olhos para a sua noiva.
Às oito horas, quando a chuva era mais intensa, Glauco pegou um taxi e seguiu com Racilva até a sua casa onde a deixou plenamente molhada pelo temporal. E logo após se despedir da noiva, ele voltou para a sua casa, no Hotel próximo a Recebedoria de Rendas. O Hotel Belas Artes. Chovia intenso e a Ribeira estava alagada. O pessoal da cozinha do hotel tremia de frio como qualquer um de fora. Glauco abriu a porta do seu quarto e entrou. No mesmo instante, entrou também a criatura miúda e sem graça. O homem a olhou e admirado ficou:
--- Que estás fazendo aqui, menina? – quis saber Glauco atemorizado.
--- Nada! – respondeu Bete a sorrir.
--- Nada? Que nada? Eu tive foi um susto. – declarou Glauco a mocinha Bete ainda com temor.
--- Pois é. Eu vim pagar o que devo. – sorriu a moça Bete.
--- Pagar? Que pagar? Eu não te emprestei nada! – relatou Glauco enquanto mudava de traje.
--- Pagou sim. E me ajudou muito! – sorriu a moça tremendo de frio.
--- Ora. E você voltou para a casa? – quis saber Glauco agoniado com as vestes.
--- Voltei. Quer dizer: voltei e não voltei. Mas agora quero eu pagar a minha conta! – sorriu a moça a tremer por conta da chuvarada.
--- Ora deixa pra lá. Eu te dei e não “emprestei”! – sorriu o homem a tirar toda roupa ficando somente de cuecas e camisa.
--- Meu pai morreu. Faz um mês. – relatou a moça a Glauco.
--- Foi? Sinto muito! – respondeu o homem acabrunhado.
--- Ora. Deixa os mortos com os mortos. A vida continua. Quem morre, acaba! – fez ver Bete.
--- Deixa disso menina! Ele era seu pai! – falou por bem o doutor Glauco.
Então, a moça se estirou na cama e esperou por seu amado. E com a mão fez o chamado para o homem vir também. A chuva caiu mais forte ainda. Glauco não se importou com isso.

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