sexta-feira, 5 de agosto de 2011

VENUS ESCARLATE - 21 -

- Afonso Rangel -
- 21 -
Era ainda bem cedo quando a turma chegou à Fazenda Maxixe. Eles: Glauco, Racilva e os seus pais e, mais atrás, Walquiria e os seus irmãos. A Fazenda era um terreiro só. Gente com pressa, a fazer os deveres matinais de arrumação; vaqueiros a tanger o gado; o velho Fabriciano a olhar o imenso campo a se perder de vista; o irmão de Glauco a saudar os visitantes com um sorriso franco na face e o próprio irmão a apresentar os convivas:
--- Marcos, esse é o pai de Racilva, senhor Jonas e a sua mãe, dona Lindalva. – apresentou Glauco a Marcos.
--- Ora! Que prazer de ter os senhores conosco! – sorriu Marcos ao apertar a mão do velho Jonas um pouco arredio. E a mulher, Lindalva, nem se fala. Era só silencio ou dizer:
--- Prazer! – fazendo um breve riso e apertando a mão de Marcos.
Desse modo, a filha, Racilva, se inquietou e disse para a sua mãe.
--- Ô mãe! Solte-se. Tenha mais calor! Ora! – falou baixo, mas enérgico Racilva. O mesmo ficou para o seu pai. A moça deu um muxicão no braço do velho. 
A mulher Lindalva torceu a cabeça e não disse nada. Isso irritou ainda mais Racilva um pouco afastada de Glauco como se estivesse olhando algo. Porém, a cara da moça de tão brava que estava era de não se esquecer de modo algum. Enquanto isso, Marcos e Glauco levaram com bastante atenção o futuro sobre de Glauco até o canto onde estava o coronel Fabriciano. Ali, o velho coronel estava sentado contemplado a paisagem e olhou de imediato para a chegada do senhor Jonas Arantes. Com um sorriso franco, o coronel lhe deu um abraço forte falando ao homem ser ele bem vindo à Fazenda Maxixe.
--- O senhor é do campo? – inquiriu com sua voz arrastada e grossa o coronel Fabriciano.
--- Não senhor. Aliás, o meu pai veio de Mossoró. Eu ainda era pequeno. Nem me lembro disso ou quando foi. Ele era comerciante. Se fez no bairro do Alecrim. Naquele tempo era um bairro pequeno. Parece não ser nem bairro, imagino. Eram cinco lá em casa, fora a mulher e o pai. Foi isso. Eu entrei, quando fiquei grande, para o serviço militar e, bem depois da Guerra eu me aposentei como soldado mesmo. – concluiu seu Jonas.
--- A Guerra! Eu alcancei as duas Guerras! Mas não fui chamado. Estou aqui desde o tempo de meu avô. Imagine! – sorriu sem querer o velho coronel Fabriciano.
--- É. Na Segunda Guerra eu servi em terra mesmo. Não fui mobilizado. É isso! – comentou o valho Jonas já um tanto fatigado com a viagem.
E a conversa prosseguiu por longo tempo com os homens a conversar e tomar ponche. Nesse meio tempo, Glauco pediu licença para sair e foi até a sala de visita onde estavam Racilva e Walquiria a conversar. A mãe de Racilva ficou com dona Nair, mãe de Glauco, somente a ouvir conversa, pois a mulher nem sequer falava a solto. Por um instante Glauco disse a sua mãe:
--- Hoje assenhora tem com quem conversar. – disse isso e sorriu beijando a mãe na testa.
Quando Glauco encontrou Racilva e Walquiria fez a pergunta de quase sempre:
--- Vamos gente? – perguntou Glauco já querendo dizer ser para caminhar pelo campo.
Racilva sorriu para Walquiria e em um segundo declarou:
--- Você vai? – quis saber a moça de Walquiria.
--- Ora se não. É pra já! – respondeu Walquiria a sorrir.
E os três sorriram.
O tempo continuava estio e Glauco Rodrigues caminhou com as duas moças até o lago, do outro lado, bem distante da casa do retrato de Adélia Agar. Aquele era um percurso longo e o tempo se fazia mormaço. Mosquitos tinham demais. Uma vez por outra estava Glauco a dar tabefe no pescoço para matar um inseto insistente. As três pessoas caminharam ao longo do lago, a Lagoa das Garças, e bem ao fim do percurso Glauco parou. Ele parou sem nada dizer. Apenas estancou o seu cavalo chamado Cego. Como fazia bastante calor, a jovem Walquiria chamou o seu tio:
--- Vamos homem! O que perdeu? – quis saber por dizer a moça Walquiria.
Glauco olhou para Walquiria e apenas disse:
--- É aqui mesmo! – respondeu o homem sem dizer o que.
--- Aqui mesmo o que, homem? – indagou Walquiria um tanto alarmada com seu tio.
--- A casa. Eu vou fazer aqui mesmo. – destacou um amplo terreno o homem.
--- Casa? Que casa? – quis saber Walquiria preocupada.
--- Hum? A casa onde Racilva pode passar o tempo. – declarou Glauco sem se preocupar.
--- Casa pra mim? - - falou surpresa a moça Racilva Arantes.
--- É. A tua casa! Distante da casa grande. – falou o homem olhando a terra imensa.
Ao meio dia todos estavam prontos para o almoço. As damas da cozinham serviam os pratos e a conversa girava em torno de um tema não muito entendido pelo senhor Jonas Arantes: gado. Ele bem pouco sabia de gado. Apenas comia a carne e bebia o leite. Se fosse galinha, ah então estava no seu terreiro. Mesmo assim, sem muito entender, Jonas procurou ouvir o ancião Fabriciano ao dizer ser seu filho um criador e tanto. Isso, pouco adiantava para Jonas.
--- Esse rapaz – apontou o velho Fabriciano – negociou uma partida de cerca de vinte mil cabeças durante essa semana. Ficaram apenas as prenhas e as de bezerro novo. – falou o velho de boca cheia de gordura.
--- Ele e eu, meu pai. – sorriu o irmão de Glauco.
--- Você foi uma besteirinha. Bem que eu disse você esperar um pouco! – retorquiu o coronel.
Quando eram quatro horas da tarde, descansado o almoço, todos já estavam despertos, foi à vez da festa. O barracão de palha e troco de pau estava armado desde a noite da sexta feira, para quem quisesse dança no folguedo dos sanfoneiros. Os eméritos mestres da sanfona já estavam puxando o fole há um bom tempo e a rapaziada sacudia as pernas alegres e contentes animando todos os menos afoitos. Racilva chegou de mansinho e ficou em pé no alpendre do casarão somente a olhar a festa. Em seguida veio a moça Renata, uma das sobrinhas de Glauco e apenas perguntou:
--- Não vai dançar não? – indagou Renato a sua amiga Racilva.
--- Vou só olhar! – sorriu Racilva com a mão no queixo.
--- Vamos prá baixo, mulher! – articulou outra voz, a de Walquiria chamando a moça.
--- Eu vou. Mas espere. Glauco deve vir também. E hoje é a festa. Não tarda começar. – fez ver Racilva a sua contente amiga.
No oitão estava também o velho Jonas apenas a olhar a brincadeira da moçada. Ele nada vez a não ser se encostar à parede do casarão. O mais velho de todos os que estavam a observar, o coronel Fabriciano tinha acordado há poucos minutos e quando chegou ao terraço o arranjo da sanfona já estava enorme com José Miúdo a puxar o fole. E Fabriciano gritou contente:
--- Eita timbozada!  - e caiu na gargalhada.
Ele lembrou muito bem do apelido Timbó. Até porque de outra feita, Glauco chegou a dizer a Racilva Arantes ser ele chamado de Joca de Timbó. E por isso o apelido ficou desde épocas de seu bisavô.
Naquele momento, com a concertina a solfejar, Glauco Rodrigues chegou bem próximo do sanfoneiro e pediu um pouco de silencio. E terminou por dizer:
--- Gente. É o seguinte! Nós estamos aqui, hoje, reunidos porque a festa vai mesmo engrossar. E nessa oportunidade, eu quero pedir a vocês que escutem o que eu tenho a dizer. Pois bem. Eu, como vocês sabem, não tenho uma noiva. E hoje, eu quero pedir a mão de uma moça em casamento. Quem é ela? – sorriu devagar o doutor Glauco – É essa jovem que está ali no balcão. Parece que ela não quer? – sorriu Glauco. – Mas há de querer. Eu ofereço esse anel de noivado a ela: Racilva Arantes!!! – gritou Glauco e correu para pegar a noiva.
A moça tremeu de medo. Ela estava com o seu traje de noiva e então recebia um anel solitário em ouro amarelo dezoito quilates. Então Glauco agarrou a moça entre os braços e desceu da varanda da casa grande para o salão de baile feito de palha onde estava a moçada a desejar por demais felicidades. O coronel Fabriciano gritou bem alto.
--- Viva a noiva! – alarmou o coronel a sorrir.
Os convivas festejaram com emoção toda aquela festa; A avó de Glauco, Maria do Rosário era plena sorriso. O pai de Glauco, o coronel Arthur Rodrigues, também não se conteve de emoção bem como a sua mãe, dona Nair. Essa lacrimejou. O pai da moça era somente entusiasmo e a mãe da noiva, dona Lindalva, não se conteve e ficou a chorar.

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