sexta-feira, 30 de setembro de 2011

ANA LUNA - 01 -

- ANA LUNA -
- 01 -
Era manhã de meio de semana. No alto sertão do nordeste brasileiro se ouvia o canto dos pássaros no meio do matagal existente na região coberta por árvores como a jurema, a algaroba, o juazeiro, a castanhola, o umbuzeiro e o pé de turco além de vários outros cuja existência ia para além do que se podia imaginar. Por entre o mato rasteiro de cima de uma colina estava ali olhando com cuidado o homem Manoel Jacó, vaqueiro da Fazenda Maxixe do Coronel Ezequiel Luna Torres, a casa em baixo, tapera feita de taipa pintada de branco com uma porta e uma janela de frente e nada mais. Ele esperava a saída da casa de Maria Rosa, mãe da mocinha Ana Luna para poder chegar diante da porta feita em duas bandas serrada no meio e fazer a empreitada que queria inventar. Na manhã daquele dia eram cerca de sete horas e ele havia chegado à colina meia hora antes. O sol parecia ser escaldante no restar daquele penoso dia, pois naquela hora já era sentida a sua força com as moscas voando ao redor do homem que as espantava de qualquer jeito apesar de sua roupa que lhe protegia de tudo o que era de mau. Manoel Jacó vestia roupa de vaqueiro como sendo gibão de couro, perneiras, guarda-peito, calçando um sapato com perneiras e esporas, pondo na cabeça um chapéu também de couro. Era enfim uma roupa completa de vaqueiro tendo por baixo a sua roupa comum. Os marimbondos azucrinavam o homem que ele não parava de espantar com o seu chapéu. Até mesmo o besouro “cavalo do cão” ele sacudia o chapéu para espantá-lo para mais longe. O seu cavalo, Manoel deixara amarrado há uns cinquenta metros de distancia em baixo de um juazeiro onde ninguém podia vê-lo, pois ao redor tinha pés de linhaça dentre outros mais. Aquela cobiça o homem já fizera dias antes e naquela hora tinha a certeza de que não falharia outra vez. Com o passar das horas, Manoel Jacó viu a fumaça saindo por uma chaminé de fogão a lenha que Maria Rosa fizera para cozinhar em uma panela de barro com certeza o feijão de corda que a mulher havia posto de molho na noite do dia anterior. Então Manoel Jacó sorriu de contente, pois há sua hora estava prestes a chegar. Na cabeça do homem ainda pairava um pouco da ressaca da bebida que havia tomado na noite do dia anterior. Um travo na boca lhe fazia faltar até mesmo o cuspe apesar de estar a mascar um naco de fumo de corda.
E quando menos ele esperava, a mulher abriu a porta de baixo, puxando pela mão o seu filho mais novo de uns oito anos e dando recomendações à filha mais velha, Ana Luna, de seus catorze anos. Qualquer coisa que ele não ouvira e nem queria saber a razão do que a mãe, Maria Rosa, dizia. Para Manoel Jacó só interessava a mocinha Ana Luna, bela e jeitosa para o seu tempo capaz de alucinar qualquer outro homem. Ele deixou a mulher se distanciar, com eu menino a tira colo e a trouxa de roupa na cabeça que ela levava para lavar nas ribanceiras do Riacho das Pedras, logo abaixo da casa onde ela morava com seus dois filhos, um casal por sinal. A mulher Maria Rosa não tinha homem e servia ao gosto do viúvo Coronel Ezequiel. Disso, Manoel Jacó estava inteirado como sabia também que Ana Luna era filha do coronel, tida de um parto quando a mulher do seu patrão já havia morrido há cerca de quinze anos. Apesar de saber da historia de Luna, o vaqueiro não conhecera a mulher do fazendeiro, dono de boa parte da terra que se estendia de um estado a outro naquele sertão bruto em cerca de duzentos hectares bem medidos e costumeiramente produtivos.
Quando a mulher já havia sumido na terra plana, então Manoel Jacó se levantou de onde estava estendendo os músculos, pois de tanto agachado já então lhe fazia um pouco de lassidão, ouvindo estalar todos os ossos do corpo. Em seguida, apanhou uma trocha de roupa que trazia consigo e desceu a colina até a casa de Maria Rosa. Em La chegando verificou se havia gente por perto e por longe, não a observar ninguém. Ele bateu palmas na porta para chamar, com certeza, Ana Luna. A mocinha veio atender, ficando escorada no portal da sala, com um pé cruzado. Manoel Jacó perguntou por sua mãe, porém já sabendo que Maria Rosa havia saído.
--- Ela foi pro rio lavar roupa. – respondeu a moça palitando os dentes com a unha.
--- Ô com os diabos. Mas, não tem importância. Eu tenho umas roupas para ela lavar. Estão aqui. Olhe. – suspendeu o homem a trocha de roupas.
--- Pode deixar que eu entrego a ela. Me dê a roupa! – falou Ana Luna com certa prudência.
A mocinha conhecera o homem como o vaqueiro Manoel, da Fazenda Maxixe, pertencente ao seu pai, o coronel Ezequiel. De modo que nem por isso ela guardou medo de uma ação inesperada. Ela veio e apanhou a trouxa de roupa e guardou no canto da sala, um espaço pequeno onde havia três cadeiras e um tamborete. Uma rede estava embrulhada no punho da sala. Nada havia ali de riqueza, apesar da mulher ter um romance com o fazendeiro mais rico da região. E o vaqueiro ficou a olhar com tamanha esperteza o corpo da menina-moça, pura e virgem sem que alguém tivesse tocado naquele delicado corpo juvenil. E então Jacó falou outra vez.
--- Moça! Você pode me arrumar um caneco d’água? É pra matar a sede que eu tenho depois de muito caminhar! – falou Manoel Jacó de forma alheia como se quisesse apenas aquilo que pedira.
--- Pois não. Vou buscar lá dentro, na cozinha. – respondeu Luna saindo para a cozinha.
Nesse instante, Manoel Jacó abriu a porta de baixo e entrou depressa pegando a jovem pela garganta, com a outra mão fechando a sua boca e dizendo que ela não fizesse nada e nem gritasse pois ele somente queria fazer sexo e nada mais empurrando Luna para cima da cama desarrumada de solteiro, com uma lâmina de punhal encostada na garganta da bela moça, que se mostrava de plena amedrontada levantando-lhe o vestido simples de algodãozinho e retirando a sua veste de baixo, fazendo com ela a primeira cópula que a bela jovem já fizera. Então se debatendo por todos os seus meios apesar do punhal em sua garganta a jovem não teve a certeza de que aquilo era uma sedução. Ao terminar o ato, o homem cuspiu na cara a moça que ainda assim lhe arrancou o botão do seu guarda-peito de tão enervada que estava tremendo de horror e sofrendo pelas dores cruéis que o homem lhe afrontou naquele extremo ato libidinoso. O vaqueiro saiu do quarto advertindo que a jovem não dissesse nada a ninguém, pois se ela falasse a mataria. Isso com todo o requinte cruel de perversidade. Ana Luna nem ouviu tais advertências, pois as dores que sentia eram por demais terríveis. O homem, quando ainda estava na porta do quarto a chamou:
--- PUTA!!! - falou Manoel Vaqueiro para a pobre moça que se contorcia de dores.
E saiu logo em seguida apanhando a sua trouxa de que Luna tinha posto na sala de entrada encostada a parede do quarto. A jovem moça ficou deitada em sua cama, contorcendo-se de dor por ter sido seviciada inoportunamente pelo vaqueiro Jacó. O sangue que jorrava do seu organismo, ela nem notara. O feijão ferveu na panela que chegou a tostar. De nada a bela Luna se importava, pois ficou durante muito tempo encolhida, como um caracol, no seu feio e estranho cômodo onde havia mais que tudo um camiseiro caindo aos pedaços e uma cadeira que não prestaria para coisa alguma. Aquele foi o dia pior de sua existência com os poucos anos por ela vividos. Ao chegar o meio-dia, Luna se levantou da cama, viu o estrago que sofrera e, no quintal, vomitou tudo o que tinha ou não tinha ingerido durante toda aquela manhã. A dor do punhal em sua garganta forçada pelo vaqueiro Jacó lhe doía ainda mais, mesmo sem ter feito qualquer ferimento. Era, então, a sensação do medo e do terror que se fazia presente. Após ter vomitado até o próprio sangue que vinha da parte de sua garganta, Luna foi ao banheiro improvisado da sua casa onde, em meio da comoção e do choro por ter sido deflorada a contragosto, tomou um banho frio, limpando de sua pele por todo canto a lembrança que lhe tinha imposto o vaqueiro Jacó naquela terrível manhã de sol escaldante

terça-feira, 20 de setembro de 2011

VENUS ESCARLATE - 56 -

- IGREJA MATRIZ -
- 56 -
O relógio da Catedral batia às cinco horas da tarde. O templo estava repleto de gente. Cada pessoa ansiasse cada vez mais pela entrada da virgem Racilva Arantes. Calor terrível capaz de trazer loucuras alucinantes. Carros a buzinar do lado de fora do templo. Meninos e meninas a brincar e a sorrir. Homens e mulheres chagavam parecendo estar em atraso. Autoridades em geral compunham o bendito santuário. No altar mor, estava o Padre, o noivo, os pais de Glauco um lado; e do outro os parentes da noiva loucos para ver a entrada triunfal de Racilva. Nada cabia mais de tanta emoção. No interior da nave as pessoas conversavam de modo baixo e sorriam a seguir. Crianças buliçosas agitavam-se para seguir a algum lugar.
--- Ô calor! – dizia um abanando com um leque.
--- Que demora! – outro argumentava por conta da espera.
--- Tenha calma! Todo casamento é assim. Demorado! – respondia um terceiro.
--- Fica aqui! Te aquieta! Ora! – falava baixo uma mãe ao seu filho.
--- Você não vem mais! – respondia a irmã com muita raiva.
--- E a noiva? – perguntava a anciã a sua nora.
--- Ela já vem. - respondia o filho procurando tranquilizar a anciã.
--- Que horas? – indagava uma das autoridades presentes.
E as horas passavam tranquilas. Em um dado momento aparece Racilva Arantes na porta principal do templo a saltar da limusine branca acompanhada por mais três pessoas. A descer do automóvel alguém lhe disse em um instante:
--- Tenha cuidado com o traje! – lhe dizia baixo a moça a cuidar dos aprontos finais.
Era uma coleção de “Jade” aquela veste nupcial. Ao entrar na Santa Igreja, Racilva chorou diante do canto vibrante da Marcha Nupcial de Felix Mendelssohn, composta em 1842. Era uma presença obrigatória do inicio ao fim das cerimonias de casamento em todo o mundo. A marcha fazia parte de “Sonhos de uma Noite de Verão”.  E diante de tal fato, desconhecendo até, Racilva Arantes apenas sorria e chorava pela magnitude do ato. Havia quem dissesse:
--- Que maravilha! – comentava um.
---Ela parece uma deusa! – explicava outro.
--- Igual a uma Vênus! – dizia alguém assustado com tamanha majestade esplendorosa.
--- Vênus Escarlate! Veja o rosto da virgem! – explicava alguém a admirar tamanha formosura
E Marcha Nupcial entoava seu canto de efêmera ostentação e realeza. No altar mor o noivo garboso vendo a sua amada a caminhar lentamente com um véu de rendas emplumado a lhe cobrir a nobre face afligida de tanto amor. O caminhar passo a passo ostentava um buque de rosas entre cores variadas aplacando quase ao seio. Com o véu descendo às costas, Racilva era todo um deslumbramento imaculado. Os pares de crianças à sua frente vestiam os meninos trajes de gala todo em negro e, as meninas, trajes em cetim branco.  As crianças formavam os pares de alegres guardas de honra postos em todas as núpcias. E Racilva não sabia de sorria ou se chorava a olhar o seu noivo a caminho do altar. Algumas mulheres ainda alertavam para o vestido da noiva:
--- É todo branco! – dizia baixinho uma mulher.
--- É um traje belo. – argumentava outra.
Entre palmas e ovações, a caminhar lentamente, Racilva e o seu velho pai chegaram ao altar da Santa Igreja onde o padre iniciou a celebração após o noivo tomar as mãos de Racilva. Em tal momento, Glauco estava plenamente satisfeito com aquele matrimônio. Enfim o tempo passou de repente. Alheio as esperanças, Glauco apenas ouviu a sua noiva a dizer:
--- Eu te amo! – e sorriu de esperança ao dizer tudo aquilo muito baixo.
E o padre rezava contrita a oração de casamento rogando a Jesus de se aproximar do sangue e do corpo de Deus era o momento mais belo de as duas almas desejam naquela ocasião. E o coral começava a entoar hinos de louvor e oração para o casal de nubentes. O sacerdote continuava a celebração no altar até o seu final, a saber, das aspirações dos dois noivos perante o altar. Ao findar a cerimonia religiosa os noivos saíram alegres para a sacristia onde efetuavam a prece das alianças. Logo após Glauco e Racilva seguiram para fora do templo. A moça, como de costume sacudiu o ramalhete de rosas para o alto com o intuito de alguém pegar de volta.
A festa no Hotel “Samburá” durou até altas horas da madrugada, Após a orquestra entoar a valsa de abertura da solenidade e o casal tomarem as mãos a se puseram a dançar com suaves encantos, o restante do pessoal também aproveito a dança da festa. Foi nesse momento que Glauco e Racilva saíram de fininho e alcançaram veiculo deixando todos alegres e satisfeitos. Os dois rumaram para uma praia distante onde um amigo de Glauco conseguiu uma casa para os nobres nubentes a passar a lua de mel por um tempo. Era uma habitação a beira-mar onde se avistava o oceano em plena solidão e nada mais. E os dois eternos amantes, abraçadinhos e descuidados ficaram a dormir como dois namorados na alcova da vida.
Passaram-se dois anos. O mau da vaca louca havia sumido de vez. Racilva acolhia apenas em seus braços a menina de um ano de vida. Da esperança de viajar para o Rio de Janeiro, Paris e Roma, só ficou na imaginação de Racilva. Logos após o casamento, um mês ou dois, Racilva engravidou. E com nove meses teve a criança robusta. Uma menina. E assim ficou ela, a menina e Glauco no chalé a comentar qual o tempo de iniciar a viagem ao sul do Brasil. Mas o tempo não dizia. E certa vez, quando os dois estavam em seu chalé, o mordomo veio avisar da presença de uma moça a querer falar com a dona da casa. E Racilva,, preocupada perguntou:
--- De quem se trata? – indagou Racilva.
E o mordomo respondeu.
--- Dona Zilene Caldas. Ela e um menino de dois anos. Ela veio em um carro. E está fora do quintal. - - relatou o mordomo muito bem comportado.
--- Zilene? – gritou alarmada e seguida seguiu para frente do chalé.
A moça já uma senhora era mesmo Zilene. Ela estava a sorrir para a amiga de tantos anos e abriu os braços para abraça-la de vez. Nesse instante, Glauco Rodrigues também surgiu à porta do Chalé e gritou:
--- Zilene! Que alegria! – disse o homem em plena felicidade.
--- Eu estou aqui, agora. – sorriu Zilene em plena emoção. E mostrou o seu belo filho.
--- Mas que garoto formoso! – relatou o homem ao pegar o menino em seus braços.
--- É um mimo ele. Seu nome é Augusto. – sorriu Zilene sem temor.
--- Augusto e Vitória. – sorriu Racilva ao mostra a sua filha queria.
--- Muito bem. Vitória. Lindo nome. – disse Zilene a adentrar no chalé do casal e a caminhar muito delicada.
E a conversa demorou por longo tempo com Governanta Elizabete a sorrir contente ao ver a garota Vitória se entrosando facilmente com o menino Augusto. O pai de Vitória disse por várias vezes ter o menino semelhança com alguém de sua família. E Zilene apenas ressaltou:
--- Ele não tem pai! Só tem mãe. O pai morreu antes do nascimento de Augusto. – formalizou a senhora Zilene.
--- Isso é terrível! Morreu? De que? – indagou Glauco amedrontado.
--- Mal súbito! – respondeu Zilene sem muita atenção.
--- Pena! Mas se ele – o menino – não tem pai, pode ter um padrasto. – sorriu Glauco ao admirar o garoto.
--- Na verdade ele tem aparência com o Coronel Fabriciano. – ressaltou Racilva.
--- No Brasil há uma miscigenação.  Uns se parecem com outros. – sorriu Zilene.
E a conversa prosseguiu com mais vagar. Foi então que Glauco indagou o que Zilene Caldas fazia na cidade.
--- Teatro. Eu estou com uma peça baseada em um livro de João Guimarães Rosa cujo título é Sagarana. – respondeu Zilene com seu traje de seda em varias estampas, sapato salto alto, meias nas pernas, luvas nas mãos, brinco e colares, bracelete e anéis e um relógio Mido.
--- Sagarana? Em imagino que ouvi falar no livro. Guimaraes Rosa é um talento. – descreveu Glauco.
--- E quanto tempo vai permanecer aqui? – indagou Racilva a Zilene.
Enquanto isso, Bete com suavidade na face admirava com enorme ternura e meiguice o casal de crianças a brincar como dois infantes de forma meiga e acriançado. Em momentos, Glauco observou também para o menino sem querer alguma coisa dizer. Ele olhava-o tão somente. No outro lado da sala oval as duas mulheres conversavam como se nada ficasse a acontecer. Bete olhou para Glauco com imenso carinho e profundo afeto, porém nada mais falou. E os dois irmãos brincavam desprevenidamente.
- FIM –

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

VENUS ESCARLATE - 55 -

- CASARÃO -
- 55 -
Eram oito horas da sexta-feira quando o telefone do quarto tocou. Era tudo silencio a não ser o marulhar das ondas do oceano. As cortinas estavam cerradas e Glauco não podia saber se era de dia ou de noite. Aliás, ele ainda dormia o sono dos eleitos. Foi o telefone que o despertou em quase nada no escuro total concebido pelas almofadas de veludo a cobrir o leito de casal. O toque insistente do telefone fez Glauco, com muito sono ainda a despertar um pouco e procurar em que local aquela zoada se fazia. Como alguém do outro mundo ele emborcado no leito procurava tatear para saber quem tanto o chamava de tal modo. Após alguns segundos eternos ele apalpou o telefone. Era ele mesmo. Na batida, se encostou ao leito aquele maldito aparelho como uma vespa a saltar. E Glauco, de vez, indagou quem estava a falar, com sua voz um tanto enrouquecida da bebida tomada pela noite adentro.
--- Alô! – fez o homem quase a dormir ainda.
--- É você amor? – indagou a voz do outro extremo do fio.
--- Quem fala? – perguntou Glauco ainda sonolento.
--- Virgem. Parece que estás rouco? – disse a voz do outro extremo.
--- Não estou rouco. Eu pergunto quem está falando! – falou Glauco com a cabeça enfiada no leito de casal..
A voz sorriu no outro extremo da linha e depois resolveu falar de vez.
--- Tua noiva. Racilva! – sorriu a voz quase a gargalhar.
--- Ah bom. Racilva. ... Racilva? – gritou Glauco a despertar de seu sono.
--- É. O que estás a fazer? – sorriu Racilva naquele instante.
--- Espere! Espere! Aqui está tudo fechado! Deixa-me abrir as cortina! Espera coração! – relatou com pressa o homem enquanto procurava as sandálias e a vestir a roupa matinal. As cortinas estavam cerradas de verdade. E nada podia se ver dentro da sala onde estava a alcova
Apos o homem descerrar as cortinas da alcova eis que voltou tão de repente a atender à moça ao fone e a indagar que horas faziam naquele momento.
--- Parece que bebestes? – indagou Racilva a sorrir.
--- Só um pouco com uns amigos no bar do Grande Hotel. Ora merda! Oito horas! Que estou fazendo aqui? – indagou completamente alheio o homem.
--- Sou eu quem te pergunto. – sorriu Racilva no outro extremo do fio.
O homem esfregou os olhos e sentiu vontade de urinar naquele instante. A manhã já era alta, pois era tempo de estar seguindo a Repartição naquele instante. E Glauco ainda confuso indagou de Racilva se ela estava no trabalho àquela hora do dia. E a resposta lhe deixou mais tranquilo.
--- Não. Hoje é o dia do nosso casamento. Por isso eu pedi licença de uma semana. Espero que seja dada. – sorriu Racilva por saber ser o homem a conceder a licença.
--- Claro. Claro. E eu tenho ainda a resolver uns assuntos na Secretaria de Agricultura. Eu penso nisso, apenas. – relatou Glauco a abrir a boca um pouco sonolento.
Essa conversa durou alguns minutos até o ponto em que Racilva Arantes se despediu e deixou um beijo até à tarde quando os dois se união em pleno casamento aos pés de altar e em nome de Deus. Então, Glauco rumou para a sala de banho onde fez as suas necessidades obrigatórias da manhã, inclusive a barba e voltou com pressa ao quarto para por sua roupa de linho branco no momento em que entreva na alcova a senhorita Elizabete Peres, a Bete de todos os dias e das noites infindas. A moça trouxe-lhe o desjejum ao sentir barulho na alcova, pois a noite toda ela esteve ao lado de Glauco Rodrigues como uma delicada e afetuosa companheira solidária e plena de amor. Bete era assim mesmo, apesar de nos seus arrufos dizer não querer mais saber de amar e de lembrar casos de afeição tardia.
Ao por na mesa de cabeceira o desjejum a moça então sorriu e procurou abrir de par a par todo o cortinado da alcova. Glauco sorriu e disse afinal:
--- Não estou com fome agora. – falou o homem fazendo uma cara feia de indigesta.
--- É melhor comer mesmo sem ter vontade. A bebida deixou certas impurezas no sangue. – relatou Bete ao servir a papa de aveia.
--- Não. Papa não. Dá-me náuseas. Eu prefiro somente café. – respondeu o homem.
--- Então um pão com queijo. – sorriu a moça a oferecer a comida ao patrão.
Após tanto se lastimar do estomago, Glauco resolveu tomar uma xicara de café com leite e uma insignificante fatia de pão. Enquanto bebia ele conversava com a sua amada e governanta dama. Falava de um amor desesperado que tão cedo teve fim, como foi o caso do seu primeiro casamento com a diva Adélia Agar, moça que a conheceu quando menina. E daí então os dois formaram uma dupla. E terminou em casamento.
--- Ela foi a óbito logo cedo. – disse Glauco ainda sentido de dor.
--- Pena. Às vezes a gente sente pena por um amor que se desfez a longo tempo. – relatou a moça  a beliscar um pedaço de queijo do Reino.
--- É mesmo. Mas, se assim Deus quis, que se há de fazer? – indagou Glauco a moça.
Após um curto espaço de tempo Glauco convidou Bete para os dois saírem a perambular pelas esquinas da vida, pois o homem estava vivendo o seu ultimo dia de solteiro ou mesmo de viúvo, nome pelo qual rejeitava apesar de não falar abertamente aos amigos. Ele sentia ser a viuvez um caso acabado. E sendo ele, sentiria mais ainda e relembrava vez por outra da primeira esposa Adélia Agar, mulher encantadora cuja foto estava em forma de figura de tamanho natural na galeria da sala da casa de campo um pouco distante da Fazenda Maxixe. Até certa época Glauco a tinha como uma mulher extasiante apesar de estar falecida a tão longo tempo. E Bete aceitou em ir com ele para outros locais mais ou menos distantes.
Entre matas e campinas Glauco seguiu à estrada de barro batido e cheia de ondulações até ao vilarejo de Cotovelo. Município de Parnamirim bem ao largo a oeste do Estado onde havia o campo de pouso de aviões, já bem distante da capital. No meio do caminho, Glauco trocou conversa com Bete sobre aquele dia e o futuro a ter pela frente. A moça não gostou nem um pouco pois pensava em ser ela a preferida de Glauco. Certa vez ela fez um “tuc” com a boca virada para um lado. E o automóvel trafegava quando em um instante apareceu um animal na estrada e Bete então gritou chamando a atenção de Glauco:
--- Cuidado! Um bicho! – gritou a moça assustada por demais.
Então Glauco freou o carro em um instante que o bicho atravessava a estrada e se embrenhou de mato adentro da outra margem. O homem, alarmado, tirando a vista de Bete para frear o seu automóvel ainda disse:
--- Que susto você me deu! (disse o homem). Era apenas uma raposa! – e puxou um lenço da calça para enxugar a testa.
--- Era uma raposa, mas tinha vida. E se mata assim os animais? – indagou tremendo de medo.
Em seguida olhou em volta em direção do mato fechado para ver se ainda podia distinguir a presença do animal. Mas esse  já estava muito além do seu olhar. E ainda tremendo de medo a moça resolveu falar o que havia avistado.
--- Tem outra? Tem outra? – indagou a moça alarmada com os olhos tensa.
--- Deve ter. É o local que elas vivem. – ressaltou o homem a enxugara testa molhada de suor.
Em seguida, o homem atravessou a vila com algumas casas feita de barro batido e outras apenas de taipa coberta de folhas de coqueiro. Pouco além, um Cruzeiro e uma modesta Capela. A capela estava fechada. No meio da praça – se era aquele terreno uma praça – a criançada brincava de bola de gude. Uma bodega na esquina de baixo estava aberta a despachar mulheres e homens das compras feitas em plena manhã de dezembro. O carro seguiu com vagar até chegar a um terreno a descoberto onde Glauco estacionou. O chão era feito de capim rasteiro. O mar a sua frente batia nos rochedos. Pescadores nem se via àquela hora da manhã. E Glauco desceu do carro chamando Bete para irem passear na praia. Para se chegar a praia tinha-se que descer um barranco de pedra e barro por longo percurso. Com temor em cair a moça se segurou no ombro do homem.
--- Tenho medo! – sorriu tremendo Bete a se segurar com mais apoio ao ombro de Glauco.
--- Segure firme! – disse-lhe o homem ao por o pé mais para baixo.
E logo desceram eles e toparam com umas grutas nas pedras formando tremendas bocas como quem a esperar a presa e devorá-la em instante. A moça olhou as bocas das pedras e tremeu de medo. Eram muitas as cavernas a se formar nas terrificantes garras. O mar bramia a todo instante a espera da vítima fugaz a qualquer hora. Em uma das cavas Glauco puxou a nobre moça para o interior e, solitários, ficaram os dois nos encantos maviosos do dia.

domingo, 18 de setembro de 2011

VENUS ESCARLATE - 54 -

- VESTIDA DE NOIVA -
- 54 -
Eram cinco horas da manhã da quinta-feira. Glauco se remexeu na cama de casal como se estivesse a acordar. Deitado sobre o braço direito Glauco nem pensava. E incontinente abriu os olhos para olhar o seu radio PYE e o relógio guardado na banquinha do mesmo cômodo. As janelas todas fechadas não dava para ver se era de dia ou de noite. Porem, pela sua conduta de abrir os olhos sempre às cinco horas Glauco pensou estar na hora de se levantar e buscar o aparelho sanitário para cumprir as suas necessidades do dia. A luz do abajur lilás estava quase morta. Ele olhou em volta e notou do seu lado direito a presença de uma sombra. E de novo ele olhou para a sombra e viu ali a presença de Bete. Ela estava plenamente acordada com olhares apenas para Glauco e a boca suavemente coberta por um lençol de linho e seda. De repente, como em um sonho, o homem se levantou como se estivesse alarmado. E então perguntou a Bete:
--- Que estás fazendo aqui? – indagou de repente o homem.
--- Olhando para você. – respondeu a moça sem pressa.
--- Ah bom. Olhando! – conjecturou Glauco ainda meio sonolento.
--- Faz tempo que estou aqui, sentada na cama, pernas encruzadas, braços postos como se estivesse em um muro. Só olhando para você. – explicou a moça bem devagar.
--- Ah sim. Que horas? – indagou o homem a olhar seu relógio de algibeira.
--- Para além de cinco. – respondeu Bete sem reclamar de nada.
--- Cinco e dez. É o que marca meu Roskopf. – e ele abriu a boca para despertar de vez.
--- Roskopf. Nome interessante para um relógio. O que é Roskopf? – quis saber a moça.
--- Era um relógio muito popular. Existiu aqui por volta de 1910, penso eu. Falava-se muito em Roskopf por ser barato e era comum a pessoa possuir um dos Roskopf. Era um relógio alemão ou suíço. Não sei bem. Certa vez eu vi um artigo sobre o relógio. E foi fundada por Georges Roskopf, em 1855. Dizia-se ser um homem idealista a querer fazer relógios a preços baratos ou coisa assim. – relatou Glauco a Bete.
--- Não entendo de relógios. Para mim, tudo é um só. – respondeu a moça ainda com aboca protegida ao lençol.
--- O meu é um Mido de algibeira. É um ótimo relógio. – fez notar Glauco ao se espreguiçar na cama.
E com um pouco de tempo o homem se soergue e levantou para ir ao sanitário. Ao passar pela moça recomendou:
--- Espere um pouco. Não vá sair. Eu volto logo! – falou Glauco quase correndo como se sentisse vontade de urinar a todo instante.
A moça Bete olhou para Glauco e nada fez para empatar o homem.
Após cumprir as suas necessidades e de fazer a barba também, Glauco Rodrigues voltou ao seu lugar na cama onde estava calada e pensativa a moça Bete cujo nome real era Elizabete Peres. Tal nome Bete nunca usava por sinal. A quem perguntasse qual o seu nome real ela respondia apenas:
--- Bete! – dizia sem medo a jovem.
Ela nem mais falava nos irmãos ou do pai já morto. Teve tempo para tal.  E então, Glauco voltou do banheiro enxugando o rosto com uma toalha e quis saber de Bete:
--- Você fica ou sai? – perguntou Glauco como se quisesse saber mesmo.
--- Que é que você acha? – indagou a moça ao homem.
--- Bem. Eu sinto que você deve ficar. Amanhã é o meu casamento. Você aqui é uma esperança de vida amena. – respondeu Glauco sem temer a resposta de Bete.
--- Você acha? – perguntou a moça não por temer. Porém para ver a resposta.
--- Acho. Você estando comigo é o mesmo de eu poder fazer as coisas mais acertadas. – disse Glauco.
--- É? E se eu morrer? – indagou Bete ainda com a boca tapada pelo lençol olhando apenas para o homem com a cabeça entortada.
--- Não diga isso. Você não vai morrer nunca. – refez Glauco a Bete.
--- Tolice. Todos nós temos que morrer. – respondeu Bete como desgostosa da vida.
--- Espere. Não vamos falar nisso, Fale apenas em viver. Só isso. – respondeu Glauco um tanto desprevenido com o que a moça alegava.
--- Você não sabe nem delirar. – fez vez a moça continuando agachada em cima da cama.
--- Tenha calma. Tenha calma! – respondeu o homem.
--- Mas eu estou calma. Apenas lembrei-me de uma verdade. – fez ver a moça.
--- Certo. Certo. Mas não vamos ater a essa circunstância. - falou Glauco inquieto.
E a cantilena suave e monótona durou por mais algum tempo inacabado e lastimoso como Glauco querendo persuadir da moça a desvanecer da ideia de deixa-lo só apenas com a sua suave e glamorosa esposa em dias futuros. Para Glauco ter duas é o mesmo que ter uma. Apenas duas fazem diferença enorme no coração de um amado. A luz do sol já estava alta e a consultar novamente o relógio, Glauco achou por bem fazer caminho para a mesa da refeição e depois seguir para a repartição onde tinha obrigações a cumprir. Após as oito horas, o homem embarcou em seu Aero Willys e fez a volta pelo lado lateral do chalé então migrando para as ruas do bairro da Ribeira.
--- Bosta! Isso é que é uma cabeça teimosa. – proferiu baixinho o homem.
Racilva Arantes chegou com leve atraso a repartição naquela manhã. E foi dizendo ao seu noivo algumas preocupações a lhe descrever. Á tarde, a moça teria de ir para casa, pois a modista ainda tinha trabalhos a fazer em suas vestes de casamento. Glauco aceitou tudo o que ela lhe pedira e disse também ter ainda reunião com o Governador do Estado para atualizar a questão do gado. Isso responderia a questão de ele não estar presente a sua repartição no turno da tarde.
--- É até melhor assim. De noite eu apareço em sua casa. – comentou Glauco.
--- Não. Nem pensar! Eu estou muito aflita! Você não pode me ver até o casamento, amanhã à tarde! – comentou Racilva bastante temerosa.
--- Está bem. Está bem. Então espero por amanha às cinco da tarde. – sorriu o homem.
Ele preferiu não assustar a moça e deixa-la tranquila e só para ajeitar o seu enxoval. Glauco ouvira dizer ser o noivo o último a ver a noiva pronta para o seu casamento. E ele pensou no que devia fazer na sexta feira antes do casamento, de manhã talvez. Com isso ele teria mais alguma folga para se despedir da velha vida de solteirão. Rever a casa de Pirangy do Sul talvez fosse o melhor remédio para sufocar os seus mórbidos anseios. Quem sabe ele pudesse ir logo à véspera para satisfazer as suas carências de amor.
--- Não! Isso não! Eu prefiro ficar em casa! – comentou de forma baixa o homem.
Afinal, no fim da tarde e inicio da noite Glauco se juntou a alguns companheiros talvez de farra eles enfim bridaram dos últimos momentos de solteiro. Enquanto isso, na alcova de cetim Bete cuidava dos últimos arranjos chegados ao final da tarde e delicadamente arranjava o guarda-roupa do seu bem amado tardio a chegar ao seu chalé. O mar indômito bramia solitário com seus constantes arrufos a sufocar os rochedos inclementes suportando o arremesso tenaz do marulhar das ondas.  Em um muro circundante ao chalé de Glauco, às escuras, um casal de namorados terminava seu aconchego de inebriante amor. O sino tocou em alguma igrejinha a marcar as ternas horas da madrugada. Bete ainda arrumara a cama do seu amante. O pranto lhe escorreu a em face de lembrar-se das carinhosas noites pelas quais passara com o seu doce amado.
--- Cheguei! – disse o noivo mais bêbado do que um gambá.
Nesse ponto, Bete se assustou tremendamente. Ela ainda olhou para trás para ver o homem a delirar expressões de amor. Glauco apenas dizia ter sido uma festa e tanto a organizada pelos seus amigos a despedir de solteiro para o seu caso.
--- Você precisava ver. Uma loucura. – sorria Glauco ao devaneio.
--- Vai dormir que é melhor – respondeu a moça em um só instante.
--- Dormir? Não! Vamos agora nós dois comemorar essa noite de núpcia! – disse o homem um tanto bêbado
--- Pra cama. E já! – relatou de uma vez a governanta Elizabete Peres com voz firme.

sábado, 17 de setembro de 2011

VENUS ESCARLATE - 53 -

- DESESPERANÇA -
- 53 -


Às dez horas da noite daquela quarta-feira do mês de dezembro, Glauco Rodrigues depois de passar um bom tempo na companhia de sua noiva e a conversar com o velho Jonas, pai de Racilva sobre questões do mal da vaca louca bem como a cólera aviaria entre outros males acometidos as aves e as vacas também. A conversa de Glauco e Jonas durou longo tempo acertado o criador de bovino não poder saber até quando a doença teria fim. Após essa conversa, Glauco se despediu da noiva Racilva, de sua mãe e do seu pai largando-se afinal para dormir no confortável chalé do bairro de Petrópolis. Quando Glauco deixou de vez o quarto em que dormia no Hotel Belas Artes, ele ficou morando no chalé em companhia de Elizabete Peres, a Bete, e logo depois com os criados. Ele pouco visitava o chalé a não ser para dormir quando não estava na fazenda Maxixe nos finais de semana, no município de Serra Grande, distante quase 200 quilômetros da capital. Nesse dia, faltando pouco tempo para Glauco se casar com Racilva, ele chegou ao chalé em seu próprio automóvel postando o mesmo na entrada lateral e o fechando depois de desligar o motor do veículo. Ao entrar no chalé deu boa noite ao mordomo e as empregadas rumando para o sua alcova. Não teve surpresa de ver Glauco a presença da governanta Elizabete Peres a arrumar o seu guarda-roupa onde ele já arrumara suas vestes, inclusive o traje próprio do casamento, na sexta-feira do final de semana conforme o acertado com o vigário da catedral. Então Glauco parou no meio do quarto a observar a moça ajeitando os seus pertences. Elizabete estava a arrumar de cócoras a parte baixa do armário e se voltou para Glauco apenas a sorrir. E em seguida lhe disse:

--- Arrumando a mala. – sorriu Elizabete enxugando a testa provocada pelo suor.

E o homem refletiu e depois de um curto espaço de tempo declarou:

--- Muito bem. E o armário de Racilva? – perguntou o homem percorrendo o ambiente do quarto com o pobre olhar.

--- É aquele do canto. E ainda faltam os arranjos da toalete. Já tem poltronas no largo do quarto, bibelôs, cortinas, banquetas, decoração a meia luz, jarros, bebidas finas, redes, fogão de quatro bocas, cama macia. ... Hum... - sorriu a governanta.

--- Por que você sorri. – indagou Glauco com um próprio de ciúmes.

--- Eu? Por nada! Você tem tudo e não precisa de mais nada. – relatou a moça com voz baixa.

--- É. Falta-me o principal. – disse Glauco amuado.

--- Ah. A nova. Essa se arranja. Cuidado com os prazeres da carne. – fez ver a moça.

--- Não tem prazeres. Tem vida longa. É isso. – comentou Glauco.

--- Pois é. E a dois. Isso traz contratempos. – relatou Bete então a suspender a arrumação da parte de cima do guarda roupa.

--- É. Pode ser. Mas eu duvido. – proclamou Glauco com severidade.

--- Você já foi casado. Tem experiência. Ela. Não! – sorriu a moça ao descer da parte superior o guarda roupa. E limpou os joelhos.

--- É. Fui casado. Por pouco tempo. E você poderia ter sido casada também. –alegou Glauco do meio do quarto ande estava até então.

--- Isso é outra estória. Eu me lembro de agora um caso de uma moça. Ela estava para casar. E de repente arranjou um namorado na véspera do casamento. Fugiu com o rapaz e não deu satisfação a ninguém. – relatou Bete a sorrir.

--- E o casamento? – indagou perplexo Glauco.

--- Esse foi para as cucuias. – disse por fim a moça.

--- Assim é f. .... – fez ver Glauco atormentado.

--- E você não teme que aconteça com você? – indagou Bete a sorrir.

--- Eu? Não. Não tenho medo algum. – respondeu sisudo o homem.

--- Confiante? – perguntou Bete ao patrão.

--- Não é confiante. É porque não vai ocorrer isso. – reclamou Glauco a sua namorada.

--- O homem tem confiança em si mesmo. A mulher prefere interrogar o homem. – sorriu Bete.

--- Que você quer dizer com isso? – perguntou o homem um pouco surpreso.

--- Nada. O que eu disse mesmo. A mulher é uma víbora! – sorriu Bete ao esplendor da vida.

--- É. A mulher tem sangue branco. – relatou o homem a pensar.

--- Sangue branco? Não se tem sangue branco. Apenas a mulher investiga o marido. – disse mais a moça.

--- É. Mas se ela for me investigar não vai pegar nada! –relatou o homem bem satisfeito.

--- Não? E a moça que você teve? – perguntou Bete sempre arguta.

--- Que moça que eu tive. Nunca tive moça alguma. Só você. – despachou Glauco atormentado.

--- Olhe que você teve. Uma que trabalhava no Teatro ou coisa assim. – sorriu contente Bete.

---Ah bom. Ela não era nada para mim. E penso que foi embora. – destacou Glauco de forma nervosa.

--- E o que restou do amor? – quis saber Bete a perguntar por Zilene.

--- Eu nunca tive nada com essa moça. Zilene! – replicou Glauco temeroso.

--- Não foi isso que eu ouvi. – declarou Bete a sorrir.

--- Juro por Deus. Não tive nada com ela. – relatou com temor o homem.

--- Não jure, pois quem jura, mente. – falou Bete ao seu amado.

--- Porque você diz isso? – indagou Glauco temeroso.

--- Vocês dois se enrolaram por varias vezes. Eu sei por que um “passarinho” me contou. – relatou Bete para ver a intenção do homem.

--- E o que foi que esse passarinho disse? – quis saber Glauco da moça.

--- Tudo. Os minutos e as horas. A cerveja e o gim. Tudo. Não faltou nada. – proferiu Bete.

Glauco ficou surpreso e de momento, com medo de tudo. Bete sabia mais do que dizia. E de repente, Glauco buscou uma saída.

--- Foi só uma vez e nada mais. E você eu tenho afeto com certeza. Racilva será a minha esposa, mas você será a minha companheira. – sorriu amargo o homem.

--- Companheira? E quem te garante que eu quero esse amor a dois? – quis saber Bete.

--- É bem melhor para nós. Você e eu e nada mais. – disse Glauco atordoado.

--- E Racilva com quem fica? – perguntou Bete ao ver o homem perdido.

--- Não sei. Ela fica como esposa. – advertiu Glauco sem coragem de reverter o quadro.

--- E eu a segunda mulher! Isso? – indagou Bete ao namorado.

--- Bem. É isso. Você tem a parte melhor no ganho da aposta. – fez ver Glauco atordoado.

--- Ganho? Que ganho? Eu não sou nada nessa aposta. - falou Bete ao homem.

O homem ficou em um dilema. Se ele sai ou se fica. E tudo isso por ter certeza de um amor de primavera ao acabar com o verão.  Sua cabeça rodava já por causa de Zilene onde ele nem sabia para qual canto a moça fora embora. Em cima de tudo, estava Bete. Ela colocou o homem em uma roda de fogo. E não sabia dizer o que era certo ou errado.

--- Mulheres! Mulheres! Meu Deus! Qual será o meu fim? – indagou silencioso Glauco.

E a moça foi de contra com Glauco.

--- Tem uma canção que diz: “Escuta! O nosso amor é um fracasso”. Não tem mais solução o nosso amor. Eu parto e você fica. Eu sei que vou te amar por toda a minha vida. Na noite em que a mulher da pensão me empurrou para o seu quarto, eu tive medo. Porém conheci em você um amigo naquela hora. Eu estava doente. E você me ajudou. Tempos depois eu pedi a oportunidade de vir morar com você. E você me proporcionou esse ensejo. Agora eu vou partir e você vai ficar. Em paz. Com toda a paz que lhe for possível. – confessou Bete ao homem.

--- Espere! Não faça assim. Tudo se ajeita. Espere! – reclamou Glauco apelando a Bete.

--- Escute essa letra: “Nunca! Nem que o mundo caia sobre mim. Nem se Deus mandar, nem mesmo assim, as pazes contigo eu farei. Nunca! Quando a gente perde a ilusão sente sepultar o coração como eu sepultei”. – recitou a moça os versos de uma canção.

Já passavam das onze horas quando a moça saiu do quarto de dormir de Glauco.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

VENUS ESCARLATE - 52 -

- POMBOS -
- 52 -
No dia seguinte Walquiria foi com a sua mãe, dona Santa (Maria do Socorro) para as consultas rotineiras com o médico cardiologista da paciente. O médico após breves conversas orientou dona Santa a fazer os costumeiros exames cardiovasculares para saber como estava o coração da mulher. Dona Santa não gostou nem um pouco do médico e foi fazer novos exames a contragosto, mordendo os dedos pelas unhas.
--- Esse “merda” não saber é de nada! Quando acabar a gente faz exames de qualquer besteira pra encher o bolso dele. Eu não gosto disso. Prefiro me consultar com José Enfermeiro. Alí é que é homem. Só diz na batata! – resmungava a mulher andando lento pela clinica.
--- Tenha calma minha mãe. Tenha calma! Isso é para conferir o seu estado atual com relação a de um ano atrás. Tenha calma! – falou moderado a sua filha.
--- E quando é esse exame? – quis saber dona Santa emburrada da vida.
--- Daqui a duas semanas. Tem gente na frente. Tenha calma! – voltou a dizer a filha.
--- Tenha calma coisa nenhuma! Se eu vou morrer amanhã, não tem quem empate! Ora! – relatou dona Santa ao querer se desprender do braço da filha enquanto caminhava.
--- PSSIU! As enfermeiras estão ouvindo tudo isso minha mãe! – alertou a sua filha falando de modo baixo.
--- E eu que tenho a ver com essas moças? – perguntou indignada dona Santa.
Nessa oportunidade passaram duas enfermeiras correndo em busca de uma cadeira de rodas para um paciente debilitado. E uma dizia a outra.
--- Onde está Mario, o maqueiro? – perguntou apressada uma enfermeira a outra.
--- Foi lá pra cima! – respondeu a outra.
--- Ave coisa! Só sobra pra gente! – resmungou a enfermeira a correr corredor a fora.
E dona Santa, prestando atenção ao que se passava, não temeu e declarou.
--- Tá vendo o que eu digo! Tá Vendo? – resmungou dona Santa a porta de entrada do virtual complexo de atendimento.
E a filha:
--- Ave mamãe. Hoje a senhora está demais! – reclamou Walquiria aos aborrecimentos da mãe
--- Então me solta que eu vou pra Fazenda. Lá é muito melhor! – relatou a mulher querendo se despregar de sua filha.
E a filha:
--- Fique aqui. Acabe com essa burrice! Ora! – reclamou Walquiria enquanto passava a porta.
Nesse mesmo dia, à tarde, após o almoço no Restaurante do Grande Hotel onde podia se servir de comidas de frutos do mar, como peixe, lagosta e camarão  Racilva declarou:
--- Hoje tenho que ir a modista para experimentar pela última vez o meu vestido. – falou bem devagar a moça olhando para a praça ao lado.
Os tradicionais meninos estavam a jogar bilocas, enquanto as suas mães ficavam a sentar em baixo de uns pés de pau. Duas meninas ainda pequenas olhavam para dentro do restaurante a espera de alguém para lhe dar algumas moedas. Racilva olhou para as meninas e se levantou de onde estaca. Ela retirou de sua bolsa uns trocados e deu às meninas tendo depois voltado ao seu lugar.
--- Meninas! – disse Racilva lamentando a sorte daqueles pequeninos seres.
--- São do interior. Provavelmente de Santa Cruz, terra do dono desse restaurante. Elas passam o dia na frente do hotel. – fez ver o namorado.
--- É. Pode ser. Mas dá pena! E o dono não faz nenhuma doação às mães na hora do almoço? – indagou Racilva a voltar o olhar para as meninas maltrapilhas.
--- Creio que faz. Mas as meninas ficam o tempo todo ali. – declarou Glauco a olhar para as infantes garotas.
--- Sujas! Vestidinhos rotos! Será que elas têm onde morar? – perguntou de modo choroso a moça ao seu noivo.
--- Devem ter. Eu sei de uma mulher que vive alí perto da Agência Pernambucana dormindo em um caixão de madeira. Ela e uma filha. – comentou o homem a observar os garotos.
--- Eu conheço essa mulher. De vista! Seu nome parece ser “Maria”. É uma com um defeito na coluna. Vive a vender bilhetes da loteria. – fomentou Racilva ainda a olhar para as meninas e a fazer gestos graciosos.
--- “Mula Manca”! É como se chama a mulher. – proferiu Glauco a sua noiva bem devagar.
--- Mula Manca! Que nome! Quem põe um apelido desses em uma mulher humilde não deve ter tido mãe. – reprovou a moça a olhar as garotas.
Glauco sorriu um pouco e depois declarou:
--- Parece-me que a mulher faz “trottoir”. – comentou Glauco olhando as garotas.
--- É. Cada qual com o seu destino. E eu penso agora: o que será o “amanhã” dessas crianças? – indagou pensativa Racilva Arantes.
--- O mesmo de tantas outras mocinhas que “fazem a vida” pela beira da estrada. – comentou o homem ao tomar mais um copo de vinho.
--- É. Deve ser. Eu não gosto nem de pensar! – reclamou Racilva ao ver as meninas a sorrir para a moça.
Após esse “drama” os dois saíram do restaurante e Glauco relatou ter nessa tarde uma reunião com o Governador do Estado sobre a questão do mal da vaca louca. A moça ouviu o declarar de Glauco e perguntou em seguida.
--- Não tem cura essa doença? – perguntou Racilva a seu noivo.
--- Até agora, não. Os laboratórios da Inglaterra, Alemanha, França e mesmo os Estados Unidos estão fazendo pesquisa para saber de onde vem a doença. – comentou Glauco ao atravessar a rua de um lado para outro.
--- E o Governador o que diz? – perguntou a moça ao seu noivo.
--- Está feito louco. Reclama que só das vacas dele. – sorriu suave Glauco ao se lembrar da última reunião com o Governador do Estado.
--- Imagino! Ele tem muito gado? – perguntou a moça de forma displicente.
--- Um bocado. A fazenda que ele tem fica para os lados de Caicó, Encanto e outros municípios daquela região. Faz um calor de rachar o cano nesse tempo. Coisa de louco. – explicou Glauco sem maiores alardes.
--- E as galinhas? – indagou a moça com surpresa.
--- Galinhas? Que galinhas? – indagou surpreso o homem.
--- Galinhas. Aves. Não pega esse mau? – quis saber a moça.
--- Ah bom. Galinhas. Não. Não. Nas aves aparece a cólera aviária. E costuma atacar galinhas, patos, perus, marrecos, gansos, angola. Enfim todas as aves de quintal. A cólera costuma aparecer de maneira explosiva algumas aves. Elas dormem a noite e no outro dia estão mortas. – fez ver Glauco a sua noiva.
--- Meu pai é criador de galinhas. Certa vez ele disse que a suas galinhas, durante o dia, estava esperta e de repente deu uns pulos para o ar e logo morreu! – sorriu a moça com o desatino do pai.
--- É. É assim mesmo. Elas ficam com a boca cheia de baba. Diarreia verde e amarela. Mas ainda assim há remédio a base de sulfa e antibióticos. – recomendou o fazendeiro Glauco.
--- Eu vou dizer ao meu pai. – reportou a moça.
--- A transmissão é através das moscas, pássaros ou pombos. – relatou Glauco a Racilva.
--- Nossa! E é pra matar os pombinhos? -  alertou a moça bem preocupada.
--- Pombos é uma aflição. A Prefeitura devia ter um esquema de controle dessas aves e não raro orientar a população  para os graves efeitos que os pombos produzem como salmonela, dermatites e outras enfermidades que homem pega. – orientou Glauco ao chegar à repartição.
Um vento forte fez a moça se apegar às suas vestes e a entrar depressa na Recebedoria de Rendas.