domingo, 18 de setembro de 2011

VENUS ESCARLATE - 54 -

- VESTIDA DE NOIVA -
- 54 -
Eram cinco horas da manhã da quinta-feira. Glauco se remexeu na cama de casal como se estivesse a acordar. Deitado sobre o braço direito Glauco nem pensava. E incontinente abriu os olhos para olhar o seu radio PYE e o relógio guardado na banquinha do mesmo cômodo. As janelas todas fechadas não dava para ver se era de dia ou de noite. Porem, pela sua conduta de abrir os olhos sempre às cinco horas Glauco pensou estar na hora de se levantar e buscar o aparelho sanitário para cumprir as suas necessidades do dia. A luz do abajur lilás estava quase morta. Ele olhou em volta e notou do seu lado direito a presença de uma sombra. E de novo ele olhou para a sombra e viu ali a presença de Bete. Ela estava plenamente acordada com olhares apenas para Glauco e a boca suavemente coberta por um lençol de linho e seda. De repente, como em um sonho, o homem se levantou como se estivesse alarmado. E então perguntou a Bete:
--- Que estás fazendo aqui? – indagou de repente o homem.
--- Olhando para você. – respondeu a moça sem pressa.
--- Ah bom. Olhando! – conjecturou Glauco ainda meio sonolento.
--- Faz tempo que estou aqui, sentada na cama, pernas encruzadas, braços postos como se estivesse em um muro. Só olhando para você. – explicou a moça bem devagar.
--- Ah sim. Que horas? – indagou o homem a olhar seu relógio de algibeira.
--- Para além de cinco. – respondeu Bete sem reclamar de nada.
--- Cinco e dez. É o que marca meu Roskopf. – e ele abriu a boca para despertar de vez.
--- Roskopf. Nome interessante para um relógio. O que é Roskopf? – quis saber a moça.
--- Era um relógio muito popular. Existiu aqui por volta de 1910, penso eu. Falava-se muito em Roskopf por ser barato e era comum a pessoa possuir um dos Roskopf. Era um relógio alemão ou suíço. Não sei bem. Certa vez eu vi um artigo sobre o relógio. E foi fundada por Georges Roskopf, em 1855. Dizia-se ser um homem idealista a querer fazer relógios a preços baratos ou coisa assim. – relatou Glauco a Bete.
--- Não entendo de relógios. Para mim, tudo é um só. – respondeu a moça ainda com aboca protegida ao lençol.
--- O meu é um Mido de algibeira. É um ótimo relógio. – fez notar Glauco ao se espreguiçar na cama.
E com um pouco de tempo o homem se soergue e levantou para ir ao sanitário. Ao passar pela moça recomendou:
--- Espere um pouco. Não vá sair. Eu volto logo! – falou Glauco quase correndo como se sentisse vontade de urinar a todo instante.
A moça Bete olhou para Glauco e nada fez para empatar o homem.
Após cumprir as suas necessidades e de fazer a barba também, Glauco Rodrigues voltou ao seu lugar na cama onde estava calada e pensativa a moça Bete cujo nome real era Elizabete Peres. Tal nome Bete nunca usava por sinal. A quem perguntasse qual o seu nome real ela respondia apenas:
--- Bete! – dizia sem medo a jovem.
Ela nem mais falava nos irmãos ou do pai já morto. Teve tempo para tal.  E então, Glauco voltou do banheiro enxugando o rosto com uma toalha e quis saber de Bete:
--- Você fica ou sai? – perguntou Glauco como se quisesse saber mesmo.
--- Que é que você acha? – indagou a moça ao homem.
--- Bem. Eu sinto que você deve ficar. Amanhã é o meu casamento. Você aqui é uma esperança de vida amena. – respondeu Glauco sem temer a resposta de Bete.
--- Você acha? – perguntou a moça não por temer. Porém para ver a resposta.
--- Acho. Você estando comigo é o mesmo de eu poder fazer as coisas mais acertadas. – disse Glauco.
--- É? E se eu morrer? – indagou Bete ainda com a boca tapada pelo lençol olhando apenas para o homem com a cabeça entortada.
--- Não diga isso. Você não vai morrer nunca. – refez Glauco a Bete.
--- Tolice. Todos nós temos que morrer. – respondeu Bete como desgostosa da vida.
--- Espere. Não vamos falar nisso, Fale apenas em viver. Só isso. – respondeu Glauco um tanto desprevenido com o que a moça alegava.
--- Você não sabe nem delirar. – fez vez a moça continuando agachada em cima da cama.
--- Tenha calma. Tenha calma! – respondeu o homem.
--- Mas eu estou calma. Apenas lembrei-me de uma verdade. – fez ver a moça.
--- Certo. Certo. Mas não vamos ater a essa circunstância. - falou Glauco inquieto.
E a cantilena suave e monótona durou por mais algum tempo inacabado e lastimoso como Glauco querendo persuadir da moça a desvanecer da ideia de deixa-lo só apenas com a sua suave e glamorosa esposa em dias futuros. Para Glauco ter duas é o mesmo que ter uma. Apenas duas fazem diferença enorme no coração de um amado. A luz do sol já estava alta e a consultar novamente o relógio, Glauco achou por bem fazer caminho para a mesa da refeição e depois seguir para a repartição onde tinha obrigações a cumprir. Após as oito horas, o homem embarcou em seu Aero Willys e fez a volta pelo lado lateral do chalé então migrando para as ruas do bairro da Ribeira.
--- Bosta! Isso é que é uma cabeça teimosa. – proferiu baixinho o homem.
Racilva Arantes chegou com leve atraso a repartição naquela manhã. E foi dizendo ao seu noivo algumas preocupações a lhe descrever. Á tarde, a moça teria de ir para casa, pois a modista ainda tinha trabalhos a fazer em suas vestes de casamento. Glauco aceitou tudo o que ela lhe pedira e disse também ter ainda reunião com o Governador do Estado para atualizar a questão do gado. Isso responderia a questão de ele não estar presente a sua repartição no turno da tarde.
--- É até melhor assim. De noite eu apareço em sua casa. – comentou Glauco.
--- Não. Nem pensar! Eu estou muito aflita! Você não pode me ver até o casamento, amanhã à tarde! – comentou Racilva bastante temerosa.
--- Está bem. Está bem. Então espero por amanha às cinco da tarde. – sorriu o homem.
Ele preferiu não assustar a moça e deixa-la tranquila e só para ajeitar o seu enxoval. Glauco ouvira dizer ser o noivo o último a ver a noiva pronta para o seu casamento. E ele pensou no que devia fazer na sexta feira antes do casamento, de manhã talvez. Com isso ele teria mais alguma folga para se despedir da velha vida de solteirão. Rever a casa de Pirangy do Sul talvez fosse o melhor remédio para sufocar os seus mórbidos anseios. Quem sabe ele pudesse ir logo à véspera para satisfazer as suas carências de amor.
--- Não! Isso não! Eu prefiro ficar em casa! – comentou de forma baixa o homem.
Afinal, no fim da tarde e inicio da noite Glauco se juntou a alguns companheiros talvez de farra eles enfim bridaram dos últimos momentos de solteiro. Enquanto isso, na alcova de cetim Bete cuidava dos últimos arranjos chegados ao final da tarde e delicadamente arranjava o guarda-roupa do seu bem amado tardio a chegar ao seu chalé. O mar indômito bramia solitário com seus constantes arrufos a sufocar os rochedos inclementes suportando o arremesso tenaz do marulhar das ondas.  Em um muro circundante ao chalé de Glauco, às escuras, um casal de namorados terminava seu aconchego de inebriante amor. O sino tocou em alguma igrejinha a marcar as ternas horas da madrugada. Bete ainda arrumara a cama do seu amante. O pranto lhe escorreu a em face de lembrar-se das carinhosas noites pelas quais passara com o seu doce amado.
--- Cheguei! – disse o noivo mais bêbado do que um gambá.
Nesse ponto, Bete se assustou tremendamente. Ela ainda olhou para trás para ver o homem a delirar expressões de amor. Glauco apenas dizia ter sido uma festa e tanto a organizada pelos seus amigos a despedir de solteiro para o seu caso.
--- Você precisava ver. Uma loucura. – sorria Glauco ao devaneio.
--- Vai dormir que é melhor – respondeu a moça em um só instante.
--- Dormir? Não! Vamos agora nós dois comemorar essa noite de núpcia! – disse o homem um tanto bêbado
--- Pra cama. E já! – relatou de uma vez a governanta Elizabete Peres com voz firme.

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