quarta-feira, 7 de setembro de 2011

VENUS ESCARLATE - 43 -

- VAQUEIRO -
- 43 -
A arrumação do chalé estava quase pronta. Racilva orientava os arrumadores onde por isso e aquilo de modo a não faltar lugar para coisa alguma. A sua formatura estava quase pronta também. Por isso mesmo, a moça se redobrava em formatura e em seu chalé. Walquiria vez por outra estava a ajudar a Racilva nos preparativos da festa e da mudança da casa. Tudo de brilho se podia ver no casarão. Piscina com cascata, salão de jogos, sala de leitura, estacionamento, restaurante a luz de vela, vista panorâmica e tudo mais o que se pensasse. O chalé ostentava uma espécie de sobrado em torno de três andares e a sua forma triangular, própria dos chalés europeus e mais precisamente dos suíços.  As camas eram feitas de madeira, todas como de casal. Banheiros solitários com agua morna e fria. Na parte superior, o hospede gozava de lareira e frigobar além de outras benfeitorias.  Na parte dos casais eram também acomodações iguais aos outros. O chalé era simplesmente deslumbrante. E Racilva passava a toda hora a acertar detalhes para ela importantes. Criados tinham para fazer a festa de entrada dos nubentes quando Racilva fosse então casar.  Para a moça era tudo alegria.
--- O máximo! – gritava Racilva a abração o noivo nas tardes de sábados.
--- E a festa? – perguntou Glauco a sorrir
--- Qual? – quis saber Racilva nem se lembrando da sua formatura.
Durante a madrugada do dia seguinte, Bete, a doméstica do Hotel Belas Artes, estava a dormir ao lado de Glauco Rodrigues, o Timbó, no mesmo cômodo de sempre onde o homem se hospedava enquanto não havia casado. E foi nesse igual instante, por volta das três horas da madrugada ter a moça acordado sobressaltada. Ela se soergueu e ficou de modo surpreso com temor a todo instante do homem já idoso. O silencio sepulcral invadia todo o recinto e, por fim, todo o bairro da Ribeira. Não era ouvido um só ruído, nem mesmo de ratos pelo quarto de dormir. Na imensidão do bairro, nada estava a clamar. Os cabarés já estavam fechados e os seus clientes tinham ido para as suas moradias. E nem o trem apitava para largar em busca do interior de outros Estados. Nada. Barulho algum se notava. Apenas a moça acordara enfim. Ela estava em sobressalto. Um temor feroz lhe incutiu a alma. E a moça se lembrou de ter visto um ancião no quarto de dormir. Por um instante a moça se encheu de preocupação. E quis acordar Glauco do seu sono maternal. Porém nada fez Bete. Ela apenas observou com cuidado para observar as batidas do coração do seu bem amado.
--- Ele dorme! – pensou e disse a moça.
Um vento gélido sacudiu o quarto de dormir onde estavam Bete e Glauco. Aquele silvo fez a moça se encolher de todo.
--- Frio! – disse Bete à miúde.  
E era terrificante a situação daquele instante. O lençol da cama se desmanchara em desalinho como querendo buscar outros dormitórios. O coração a moça batia forte, ao solavanco quase a gritar. Temor cruel Bete sentia.
--- Um vulto! – relatou a moça. Isso ela falava de forma baixa.
E Bete procurou ligar a lâmpada do quarto às escuras onde tudo era um breu. E assim fez. Nada de vulto no quarto então com a luz de um abajur. E Bete quis gritar de terror. Porém não teve coragem. Ela se levantou devagar olhando bem ao seu redor para enxergar se nada havia de mais. Caminhou Bete sempre vagarosa até a entrada da sala do sanitário. Muito atenta ela observou para dentro e nada pode observar de mais. 
--- Havia um vulto aqui! – comentou sozinha a moça de forma muito baixa.
Nesse momento, Glauco se mexeu na cama buscando alguma proteção da própria Bete. E nada fez de maior êxito. Ela estava sozinha na porta do gabinete onde o homem fazia a barba de olhos arregalados para o homem, toda tremendo de susto. Bete temia alguém a lhe espremer a garganta ou coisa assim. E levou a mão a garganta. Sua roupa era um traje comum e então a moça se enrolou com uma toalha de banho.
--- Vou gritar! Não! Besteira! Mas era um vulto! Um velho! – comentou muito baixo Bete.
A porta do gabinete da privada se faixou rangendo as dobradiças. A moça tremeu de medo. E correu para junto de Glauco procurando amparo. O homem dormia tranquilo. Bete nada fez para acordá-lo. Remorso. Com certeza remorso. Seu pai! Não! Era muito velho! Avô! Ela não se lembrava de mais ninguém. Apenas se lembrava de ter visto um homem velho. Devagar a moça se ajeitou na cama e procurou dormir com a mão na boca aterrorizada demais. Com o passar do tempo, Bete ouviu o chiado de chinelo no corredor. Logo percebeu ser alguém da cozinha a sua procura. E logo se preparou enquanto o chiado parava e um toque na porta do quarto era ouvido. Era dona Dalila, a mulher do Hotel. 
--- Acorda moça. Está na hora! – disse a mulher com uma voz pesada.
E Bete não contou conversa. Vestiu o seu traje comum e se largou para dentro da cozinha. O trabalho tinha começado.
Eram sete horas da manhã. Um estafeta chegou à porta do Hotel Belas Artes. Tocou a sinaleta e entregou um telegrama quando a moça Bete foi receber. Era para o doutor Glauco Rodrigues o homem de Bete. Ela recebeu o telegrama, agradeceu e deixou na porta do quarto de Glauco. Tocou à porta e de vez, saiu. Sem muita pressa, pois estava a fazer a barba, o homem abriu a porta e viu no chão o telegrama. Glauco apanhou a missiva e leu. E de vez espantado falou alto!
--- Não é possível!! Agora?! Tenho que correr para o sertão! – comentou com muita pressa Glauco Rodrigues enquanto a sua barba estava ainda por fazer em seu total.
De repente, Glauco Rodrigues rumou para o estacionamento de carros da Ford e sem ter sentido ele clamava por Deus.
--- Deus do céu. O meu avô morreu! Merda! Meu avô! – Glauco dizia e chorava a um só tempo.
Em pouco tempo Glauco chegou a casa de Racilva e a chamou depressa a dizer da sorte do seu avô, Coronel Fabriciano Timbó, 80 anos, morto na madrugada daquele dia.
--- Ave Maria! De que foi? – comentou assustadíssima e com muito temor a jovem Racilva.
--- Não sei. O telegrama não diz. Apenas diz: “Vovô morto. Venha logo! Ahrtur”. Isso é tudo. – comentou tremendo o homem a chorar demais.
--- Será que foram os outros? – quis saber a noiva de Glauco.
--- Não sei. Pode ter sido. Pode ter sido. Vamos chegar a Serra Grande para a gente saber! – tremendo e chorando falou Glauco.
O carro correu célere passando por cima de pau e pedra, em caminhos incertos até chegar a menos de duas horas a Fazenda Maxixe, ponto da ocorrência do infortunado sacrifício. Por entre o caminho, na Fazenda do Cardo se ouvia um tiroteio tremendo. Capangas com suas armas a disparar para cima e a gritar de alegria a morte – com certeza – do coronel Timbó. Em meio daquilo tudo, os foguetões a espocar acelerados. Tudo era festa na Fazenda do Cardo com os familiares do fazendeiro João Duarte a comemorar delirantes. Nem mesmo a Força Policial tinha a vez de se intrometer, pois o fogo intenso era ouvido em todas as direções da Fazenda, dos mais próximos aos mais distantes. Alguém disse ter ouvido dos capangas a frase:
--- Estamos vingados! – diziam os capangas da Fazenda do Cardo.
--- Viva! Viva! Viva! – gritavam todos os beligerantes.
--- Quem é que pode mais? – bradavam outros.
--- É hoje! É hoje! É hoje! -  clamava alguém dos jagunços.
E o carro rumava sem sossego vencendo lagos e montes até chegar a Fazenda Maxixe onde o clima era de pura tristeza e consternação onde dona Maria do Rosário, a viúva, apenas rezava aos pés do homem morto, o Coronel Fabriciano Timbó em uma suave prece de eterna guarida. O casarão estava tomado de gente vinda de todos os cantos. Eram serviçais, moradores, gente humilde, pessoas de alto escalão do município de Serra Grande, mesmo a família da morta Adélia Agar, a sua irmã Odete, inclusive, o padre da Igreja entre todos os visitantes. O Coronel Fabriciano Rodrigues Timbó tinha morrido naquela madrugada de um ataque cardíaco, sem fazer o menor ruído. Ele faleceu como uma criança.
--- Ele morreu igual a uma criança! – relatou dona Nair, esposa de Ahrtur Rodrigues, pai de Glauco.
--- Deus foi justo com ele! – respondeu alguém.
--- A que horas vai ser o sepultamento? – perguntou outra pessoa.
--- Não sei. Talvez à tarde. Espera-se mais gente ainda! – comentou uma mulher.
O velório durou o dia todo. A urna mortuária era de um negro veludo total. Os castiçais eram de pura prata. Havia um passar do esquife feito de rosas vermelhas e roxeadas encobrindo um tapete de igual tonalidade. O féretro saiu do interior da casa grande ao soar de música fúnebre  ao tocar de uma Banda para o Cemitério da Fazenda Maxixe. Havia grinaldas e arranjos florais significando saudade eterna de seus entes queridos. O tempo mudou de repente às 5 horas da tarde. Um estrondo sonoro de um trovão se fez soar.

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