quinta-feira, 8 de setembro de 2011

VENUS ESCARLATE - 44 -

- SANTA MISSA -
- 44 -
No sétimo dia de falecimento do Coronel Fabriciano houve a celebração da Santa Missa em sufrágio da alma do extinto. A Igreja do Município de Serra Grande estava plenamente lotada de gente. Coiteiros eram muitos. E além dessa gente havia por iguais camponeses, gente do mato, trabalhadores das Fazendas – eram cinco fazendas pertencentes ao Coronel Timbó – autoridades do Município, inclusive o Prefeito, secretários, vice Prefeito, suas esposas, pobres mulheres e homens simples dos arredores de Serra Grande. A Igreja era até pequena para receber esse mundo de gente. E outras pessoas, simples até, ficaram do lado de fora juntas com os capangas das cinco fazendas, todos bem armados. Nenhum homem ou mulher pertencente a João Duarte, já falecido, morto sem piedade pelo coiteiro Manoel Nazareno, o Neco do Saco, estava presente. Os jagunços estavam atentos para qualquer casualidade. Na sacada da Igreja viam-se meninos vendendo cocadas, picolés, doces, grudes, bolo entre outras oferendas. Na Igreja, viam-se igualmente os familiares do Coronel Timbó, como a viúva Maria do Rosário, seus filhos, netos e bisnetos. Estava também a serviçal da casa grande dona Odete Agar. Porem, não se avistava outro componente da falia Agar. A polícia do Estado fazia a vez de guarnecer a área contra possíveis ataques por terceiros, caso que não ocorreu.
Glauco Rodrigues e a sua noiva, Racilva Arantes, estavam presentes a solenidade religiosa celebrada bem como a sobrinha de Glauco, a jovem Walquiria e o seu pai, Valdomiro, também estavam presentes à cerimônia. Além dessas pessoas, estavam presentes igualmente filhos, filhas, netos e bisnetos moradores em outros Estados do velho Coronel Timbó.
--- É o mundo todo! – disse alguém a sorrir com uma Bíblia debaixo do braço.
Esse homem era um protestante. Ele passava ao lado da Igreja e soltou essa piada. Dito isso, o homem gargalhou. Com o homem seguiam quatro ou cinco protestantes empedernidos. Esses sorriram também. E um garoto se aproximou do grupo protestante e prontamente ofereceu:
--- Cocada? – falou o garoto a sorrir com a presepada armada pelos protestantes.
--- Não!!! – respondeu irado o homem da Bíblia torcendo a cara. E então ele seguiu marcha em frente.
A Santa Missa foi longa, por sinal. O pároco da freguesia fez um longo discurso enfatizando a vida, o trabalho, a honra e as aventuras do Coronel Fabriciano Rodrigues Timbó ao tempo em que recordava os seus parentes extintos, como pai e avô, homens duros de fibra. Esse pessoal percorreu vasta terra e lutou contra os tapuias por longo tempo até o fim do reinado do chefe tapuia o rei Janduí. Os coronéis do passado remoto eram portugueses vindos da costa do Estado, amigos dos tupis, guerreiros sangrentos contra os seus adversários tapuias. Ao falar o sacerdote fez uma ampla exposição sobre a temeridade desses coronéis, lutando a ferro e a fogo contra os seus audazes contendores aborígenes. A viúva Maria do Rosário Timbó, um tanto cansada apenas fazia de conta ouvir a preleção sacerdotal enquanto rezava o seu rosário com toda penitencia e saudoso amor. Alguém ouviu a mulher dizer:
--- Nada disso trás de volta o meu amado. – balbuciou Maria do Rosário.
Com a celebração final da Santa Missa, homens, mulheres, jovens e crianças saíram para as suas casas e a família do Coronel Timbó foi direta para a residência da casa grande na Fazenda Maxixe. Estavam todos cansados com a celebração e a fala do vigário. A viúva Maria do Rosário se recolheu ao seu quarto enquanto o seu filho Coronel Ahrtur Rodrigues Timbó conclamou a capangada em frente da fazendo para dizer-lhe o seguinte:
--- Pessoal! A partir de agora eu sou quem manda em vocês. De toda essa terra imensa eu dito as ordens. Os meus irmãos estão de acordo com o meu parecer. Nenhum jagunço pode me desobedecer. E a partir de hoje, vou edificar uma estátua em frente à fazenda, de tamanho natural representando o nosso pai, o Coronel Fabriciano e vai ficar fincada bem no meio do terraço. E digo mais: nas próximas eleições eu sou o candidato a Prefeito de Serra Grande. A minha sobrinha, Walquiria, será eleita a deputada estadual.. E depois, ela será eleita deputada federal e em seguida, senadora da Republica. Eu quero ver todo mundo votar em Walquiria, a nossa deputada. Quem não quiser votar, que se retire do bando. – relatou o homem Ahrtur com a cara de poucos amigos.
--- Viva! Viva! Viva! – gritaram os jagunços e o povo em geral.
--- Queremos Walquiria! Queremos Ahrtur! Viva! – aclamaram todos os presentes.
A fala do Coronel Ahrtur Rodrigues pegou de surpresa a senhorita Walquiria Rodrigues. Muito emocionada, quase a chorar, com lágrimas da face, ele falou:
--- Minha gente. Gente humilde mesmo! Eu não esperava ser lançada candidata a qualquer cargo, como fez o meu tio Ahrtur. Porém, ele parece ter adivinhado a minha vocação para uma carreira eletiva. Agora eu sei. Eu serei candidata a deputada estadual. – proclamou Walquiria com lágrimas nos olhos.
E o povo todo acorreu a jovem Walquiria tomando-a nos braços e a conduzindo por entre a massa e a gritar:
--- Queremos Walquiria! Queremos Walquiria! Queremos Walquiria! – gritava a massa.
Por outro lado, o povo também conduziu o fazendeiro, coronel Ahrtur e a gritar a um só brado.
--- Ahrtur para a Prefeitura! Ahrtur para a Prefeitura! – gritava retumbante o pessoal.
Da Missa para um comício foi um passo. A massa inteira percorria a cidade como um todo com Ahrtur e Walquiria Rodrigues em seus fortes braços lançando os dois a candidatos nas futuras eleições do Estado.
--- A timbozada vence!!! – gritavam céleres os jagunços de fama.
E todos os que estavam nas ruas gritavam a uma só voz.
--- Viva a timbozada! – gritavam todos agitando galhos de árvores como bandeiras.
Houve até quem trouxesse um pé de bananeira para fazer a marcha prosseguir. Havia gritos de gente a proclamar o nome dos novos redentores de Serra Grande. Ao final da festa que durou a tarde toda, o Coronel Ahrtur, ao descer dos braços do povo subiu a improvisado palanque para discursar.
--- Esse não era o momento de tanta festa. Pela manha, nós estávamos reunidos a rezar pela alma do coronel Timbó, morto de repente faz uma semana. Mas, eu disse a minha gente ter o compromisso de erguer uma estátua do meu avô, o Coronel Timbó, na frente do meu rancho. E eis no que terminou a minha situação. Agora eu digo: “Quem viver verá”. Eu serei o prefeito dessa cidade. E a minha sobrinha será eleita deputada estadual. – proclamou o Coronel.
Havia gente muita em torno de um palanque improvisado na praça pública da cidade de Serra Grande. Ninguém se lembrava do Coronel Fabriciano. A gente queria naquele instante era a festa para as futuras eleições. Batucadas foram formadas no final da tarde em praça pública com a gente a sacudir palhas de árvores extraídas dos pés de paus. Era um reboliço total e não se podia mais parar. Um grupo de protestante voltava de um sermão e olhava atônito para o aglomerado de gente. E dizia:
--- É o mundo todo! – dizia o protestante abraçado a sua Bíblia.
No dia seguinte, um sábado, Glauco Rodrigues fazia os cálculos da festa.
--- Por incrível que pareça. Nós estávamos em uma solenidade religiosa e Ahrtur resolveu dizer a feitura de uma estátua do nosso avô. E deu no que deu! Como é que pode? – fez ver Glauco ao pessoal da família reunida em torno do alpendre.
--- É a vida, meu rapaz! É a vida! – declarou por sua vez o irmão Valdomiro Timbó.
--- Mas não podia ser assim, Valdomiro! – reclamou Glauco ao seu irmão;
--- Quem pode mais que o povo? Agora não tem volta! Pra frente até o fim! – disse com ênfase o irmão Valdomiro.
A anciã Maria do Rosário ainda rezava contrita como se nada daquilo tivesse ocorrido. Ela era a marca da saudade deixada pelo Coronel Fabriciano Timbó. Ele deixara uma marca para todo o sempre na memória da anciã. Apenas pensava Maria do Rosário nos tempos áridos pelos quais eles passaram onde a chuva era coisa rara. A água não havia a não ser dos barreiros. Isso, quando o tempo favorecia. O cata-vento somente moía como era tempo de ventania e nada mais. Cobras no mato eram comuns de se avistar. Raposas tinham até demais. Galinhas só dormiam em seus poleiros. Quando era tempo de chuva, a vida se alegrava, tomando novo rumo. Mandacaru a florar. Era um novo sertão. Burros gordos em lugar dos magricelas. Touro brabo em vez das vacas magras. Ela rezava contrita pensando em tudo o que o Coronel Timbó teve de enfrentar.
--- Minha avó! A senhora vai almoçar agora! – indagou de repente uma de suas netas.
--- Vou não minha netinha. Eu estou rezando o Oficio. – soletrou a anciã.
--- Nem um tiquinho? – perguntou a neta.
A anciã continuou o seu Oficio.

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