sexta-feira, 9 de setembro de 2011

VENUS ESCARLATE - 45 -

- LEMBRANÇA -
- 45 -

Eram três horas da madrugada. Bete acordou e procurou consultar o seu relógio de pulso. O dia ainda não tinha amanhecido. O quarto estava às escuras, pois Glauco apagara todas as lâmpadas, inclusive as do abajur lilás. Com um pouco de sacrifício Bete arranjou um meio de acender a luz. E viu a hora.
--- Três horas! – reclamou a moça, pois tinha de ir embora para a cozinha.
No meio de tal agitação, Bete observou Glauco para conferir se o homem estava a dormir.
--- Pronto. Está dormindo que nem anjo. – recitou Bete a sorrir baixo enquanto se levantava da cama do Hotel Belas Artes onde a moça tomou o costume de dormir ao lado de Glauco todas as noites ou quase isso, pois havia o tempo em que Glauco passava fora do Hotel.
Na rua era tudo silencio, a não para os lados da Estação de Trem onde os viajantes procuravam arrumar as suas malas para poder viajar no trem das cinco horas. Mesmo assim, do trem não se ouvia nem sinal. De imediato, um barulho! Era um barco chegando e a buzinar! A buzina fazia um barulho rouco. Bete então não se assustou.
--- O barco. – pensou Bete.
E a moça sentiu vontade de cutucar Glauco para ver se o acordava. Sorriu! Cutucar o homem era até engraçado. E foi o que fez. O homem se ajeitou sem acordar. Deu com a mão em quem tocava nele e dormiu o sono dos travessos. E Bete então cutucou novamente, a sorrir. O homem não acordou e deu com a mão na pessoa travessa que o cutucava enfiando a cara do travesseiro da cama.
--- Acorda. Preciso sair. Mas tenho que falar com você. – falou baixinho Bete.
--- Deixa-me dormir. – falou Glauco com a voz abafada pelo travesseiro.
--- É serio. Deixa-me falar com você. – disse Bete ao ouvido de Glauco.
Após um curto espaço de tempo o homem se levantou apenas meio corpo, olhou as horas em seu relógio de algibeira posto na cabeira da cama em um espaço reservado ao porta-joias e indagou de modo sonolento a sua companheira Bete ainda com vontade de abraçar a cama.
--- Que foi? Um vulto? – indagou Glauco ao se lembrar do vulto visto pela moça.
Naquela madrugada em que a moça notou a presença de um vulto no quarto de dormir de Glauco, ele depois pensou ter sido o vulto do seu avô, pois coincidira com a hora da morte do velho Coronel Timbó. Com certeza, o seu avô viera dar a noticia de sua ida para o outro lado da vida, assim pensou Glauco ao recordar as informações de Bete e a noticia da morte do velho quando Glauco chegou a Fazenda Maxixe.
--- Não. Não é isso. É se você pode me levar para o chalé que você comprou! – fez vez a moça ao falar com voz serena ao ouvido do seu amor.
--- Ora! Você me acordou para perguntar isso? – disse aborrecido o homem.
E assim o homem voltou a se aninhar ao travesseiro como querendo dormir mais uma vez.
--- É serio, bem! Você me leva? Se você me levar, está bem. Se não, eu vou embora dessa pocilga. – reclamou Bete com certa raiva.
O homem apenas somente queria dormir. E então respondeu:
--- Levo! Levo! Levo! – relatou o homem a querer dormir.
--- Tá bem. Agora eu vou sair daqui. Já sabe? – perguntou a moça ao homem.
E o homem descobriu o travesseiro de seu rosto e perguntou meio abusado.
--- Sabe o que? – indagou Glauco coçando a cabeça diante da insistência de Bete.
--- Quando eu vou? -  quis saber Bete ainda espalhada na cama.
--- Não! Talvez na próxima semana. Logo depois da festa. Ou antes! – respondeu o homem a se agasalhar no travesseiro.
--- Está certo. Agora eu vou sair. A dama não tarda em passar aqui! – ressalvou a domestica ao dizer tudo o que tinha a dizer ao seu amado.
A buzina do barco se fazia ouvir um pouco distante. Com certeza o barco já passava do Yate Clube de Natal. Bete nem por isso ligou. A voz de um carregador de frutas em um balaio foi o que mais chamou a atenção da moça. Ele passara em frente ao Hotel a conversar com outro carregador. Com certa eles se dirigiam ao mercado da cidade. Com bem cuidado Bete abriu a porta do quarto, saiu de mansinho, sem fazer barulho e caminho para a cozinha do Hotel onde outras mulheres estavam a sangrar as cabeças de galinhas ou a mexer as panelas no fogão a carvão e a lenha para aguentar a faina diária dos hóspedes. A mulher Dalila saiu de um quarto com uma trocha de roupas sujas e depositou tudo no lavador do Hotel. Um homem tossiu e escarrou em um quarto da Hospedaria.
Às oito horas da manhã daquele dia Glauco já estava a caminhar pelas ruas antigas e solitárias do Bairro da Ribeira onde havia o comércio ostensivo. Uma casa na Avenida Tavares de Lyra por onde Glauco passava era a antiga sede de telefonia da capital. Ele olhou o prédio sem qualquer intuição e caminhou célere para a Agência Pernambucana, um prédio mais além, após a Rua Dr. Barata e vizinha a um salão de barbearia. No caminhar solene ele enveredou por um e por outros e viu aquele velho amigo com quem rompeu a amizade. O homem Onofre passou por Glauco e deu apenas um:
--- Bom dia! – disse Onofre a olhar Glauco.
Esse não respondeu e caminhou direto para a Agência onde provavelmente encontraria algo de novo para si e para Racilva Arantes, a sua noiva. Ao estar distante do seu velho e salutar amigo, Glauco ainda pensou no termo:
--- Puto! E ainda me cumprimenta! – pensou Glauco enraivecido por demais.
Não foi por muito tempo. Antes de entrar na Agência, o homem sentiu um pegar de braço. Ele olhou de repente e viu a figura de Onofre. Nesse instante, Glauco relutou por um momento e depois ouviu de Onofre um pedido de pêsames:
--- Queira aceitar meus pêsames. A morte do seu avô! – relatou Onofre tecendo elogio fúnebre por causa do falecimento do Coronel Timbó, o coronel Fabriciano Rodrigues, de oitenta anos, morto recentemente de causa natural. Glauco evitou um pouco. Mas no fim agradeceu aquela prestimosa atenção.
--- Obrigado! – respondeu Glauco sem sorrir e com uma face muito seria.
--- A propósito. Como foi a morte? – indagou Onofre querendo se aproximar do seu amigo.
Glauco já temia por uma aproximação daquele modo e relatou apenas ter sigo comum:
--- Ele dormiu e não acordou. Foi coisa simples! – relatou Glauco querendo se desvencilhar de Onofre.
--- É assim. Eu também perdi um sogro. Ele foi um caso mais complexo. Morreu há alguns meses. Câncer no estômago. Era um homem robusto. Quando veio a falecer, estava apenas um velho magro. A minha esposa acompanhou toda a enfermidade do pai. – lamentou Onofre.
--- É isso. Uns morrem outros nascem! – comentou Glauco temendo maior contato com e velho amigo  Onofre.
Há certo tempo, Glauco era amigo até demais de Onofre. Porém, ao tomar conhecimento de uma bela moça, ele formulou para Onofre em ir até a residência de Racilva para pedi-la em noivado. O homem, Onofre sorriu de Glauco e disse apenas não ir a casa de Racilva. O caso duro pouco tempo. Um dia Onofre foi à repartição de Glauco pedir desculpar por não acreditar na sua estória de namoro. Esse rompeu relações de vez com Onofre e nunca mais esteve em seu escritório. Passado o tempo, já noivo, quase casando, Glauco encontro Onofre na rua e esse apresentou pedido de condolência pela morte do coronel Timbó. Sem maior caso, Glauco aceitou os cumprimentos de modo tão decepcionado.
---Meu dileto amigo! Aceite meus cumprimentos e aceite as minhas desculpas pelos desavisos passados. Eu apresento as minhas desculpas pela nossa amizade antiga. – fez ver Onofre.
--- Está bem. Nada a reclamar. – respondeu Glauco sem ansiedade.
--- Amigos então? – perguntou Onofre apertando a mão de Glauco.
--- Pode ser. Agora, com licença, pois tenho coisa a fazer. – relatou Glauco querendo se retirar o mais rápido possível daquele local.


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