segunda-feira, 19 de setembro de 2011

VENUS ESCARLATE - 55 -

- CASARÃO -
- 55 -
Eram oito horas da sexta-feira quando o telefone do quarto tocou. Era tudo silencio a não ser o marulhar das ondas do oceano. As cortinas estavam cerradas e Glauco não podia saber se era de dia ou de noite. Aliás, ele ainda dormia o sono dos eleitos. Foi o telefone que o despertou em quase nada no escuro total concebido pelas almofadas de veludo a cobrir o leito de casal. O toque insistente do telefone fez Glauco, com muito sono ainda a despertar um pouco e procurar em que local aquela zoada se fazia. Como alguém do outro mundo ele emborcado no leito procurava tatear para saber quem tanto o chamava de tal modo. Após alguns segundos eternos ele apalpou o telefone. Era ele mesmo. Na batida, se encostou ao leito aquele maldito aparelho como uma vespa a saltar. E Glauco, de vez, indagou quem estava a falar, com sua voz um tanto enrouquecida da bebida tomada pela noite adentro.
--- Alô! – fez o homem quase a dormir ainda.
--- É você amor? – indagou a voz do outro extremo do fio.
--- Quem fala? – perguntou Glauco ainda sonolento.
--- Virgem. Parece que estás rouco? – disse a voz do outro extremo.
--- Não estou rouco. Eu pergunto quem está falando! – falou Glauco com a cabeça enfiada no leito de casal..
A voz sorriu no outro extremo da linha e depois resolveu falar de vez.
--- Tua noiva. Racilva! – sorriu a voz quase a gargalhar.
--- Ah bom. Racilva. ... Racilva? – gritou Glauco a despertar de seu sono.
--- É. O que estás a fazer? – sorriu Racilva naquele instante.
--- Espere! Espere! Aqui está tudo fechado! Deixa-me abrir as cortina! Espera coração! – relatou com pressa o homem enquanto procurava as sandálias e a vestir a roupa matinal. As cortinas estavam cerradas de verdade. E nada podia se ver dentro da sala onde estava a alcova
Apos o homem descerrar as cortinas da alcova eis que voltou tão de repente a atender à moça ao fone e a indagar que horas faziam naquele momento.
--- Parece que bebestes? – indagou Racilva a sorrir.
--- Só um pouco com uns amigos no bar do Grande Hotel. Ora merda! Oito horas! Que estou fazendo aqui? – indagou completamente alheio o homem.
--- Sou eu quem te pergunto. – sorriu Racilva no outro extremo do fio.
O homem esfregou os olhos e sentiu vontade de urinar naquele instante. A manhã já era alta, pois era tempo de estar seguindo a Repartição naquele instante. E Glauco ainda confuso indagou de Racilva se ela estava no trabalho àquela hora do dia. E a resposta lhe deixou mais tranquilo.
--- Não. Hoje é o dia do nosso casamento. Por isso eu pedi licença de uma semana. Espero que seja dada. – sorriu Racilva por saber ser o homem a conceder a licença.
--- Claro. Claro. E eu tenho ainda a resolver uns assuntos na Secretaria de Agricultura. Eu penso nisso, apenas. – relatou Glauco a abrir a boca um pouco sonolento.
Essa conversa durou alguns minutos até o ponto em que Racilva Arantes se despediu e deixou um beijo até à tarde quando os dois se união em pleno casamento aos pés de altar e em nome de Deus. Então, Glauco rumou para a sala de banho onde fez as suas necessidades obrigatórias da manhã, inclusive a barba e voltou com pressa ao quarto para por sua roupa de linho branco no momento em que entreva na alcova a senhorita Elizabete Peres, a Bete de todos os dias e das noites infindas. A moça trouxe-lhe o desjejum ao sentir barulho na alcova, pois a noite toda ela esteve ao lado de Glauco Rodrigues como uma delicada e afetuosa companheira solidária e plena de amor. Bete era assim mesmo, apesar de nos seus arrufos dizer não querer mais saber de amar e de lembrar casos de afeição tardia.
Ao por na mesa de cabeceira o desjejum a moça então sorriu e procurou abrir de par a par todo o cortinado da alcova. Glauco sorriu e disse afinal:
--- Não estou com fome agora. – falou o homem fazendo uma cara feia de indigesta.
--- É melhor comer mesmo sem ter vontade. A bebida deixou certas impurezas no sangue. – relatou Bete ao servir a papa de aveia.
--- Não. Papa não. Dá-me náuseas. Eu prefiro somente café. – respondeu o homem.
--- Então um pão com queijo. – sorriu a moça a oferecer a comida ao patrão.
Após tanto se lastimar do estomago, Glauco resolveu tomar uma xicara de café com leite e uma insignificante fatia de pão. Enquanto bebia ele conversava com a sua amada e governanta dama. Falava de um amor desesperado que tão cedo teve fim, como foi o caso do seu primeiro casamento com a diva Adélia Agar, moça que a conheceu quando menina. E daí então os dois formaram uma dupla. E terminou em casamento.
--- Ela foi a óbito logo cedo. – disse Glauco ainda sentido de dor.
--- Pena. Às vezes a gente sente pena por um amor que se desfez a longo tempo. – relatou a moça  a beliscar um pedaço de queijo do Reino.
--- É mesmo. Mas, se assim Deus quis, que se há de fazer? – indagou Glauco a moça.
Após um curto espaço de tempo Glauco convidou Bete para os dois saírem a perambular pelas esquinas da vida, pois o homem estava vivendo o seu ultimo dia de solteiro ou mesmo de viúvo, nome pelo qual rejeitava apesar de não falar abertamente aos amigos. Ele sentia ser a viuvez um caso acabado. E sendo ele, sentiria mais ainda e relembrava vez por outra da primeira esposa Adélia Agar, mulher encantadora cuja foto estava em forma de figura de tamanho natural na galeria da sala da casa de campo um pouco distante da Fazenda Maxixe. Até certa época Glauco a tinha como uma mulher extasiante apesar de estar falecida a tão longo tempo. E Bete aceitou em ir com ele para outros locais mais ou menos distantes.
Entre matas e campinas Glauco seguiu à estrada de barro batido e cheia de ondulações até ao vilarejo de Cotovelo. Município de Parnamirim bem ao largo a oeste do Estado onde havia o campo de pouso de aviões, já bem distante da capital. No meio do caminho, Glauco trocou conversa com Bete sobre aquele dia e o futuro a ter pela frente. A moça não gostou nem um pouco pois pensava em ser ela a preferida de Glauco. Certa vez ela fez um “tuc” com a boca virada para um lado. E o automóvel trafegava quando em um instante apareceu um animal na estrada e Bete então gritou chamando a atenção de Glauco:
--- Cuidado! Um bicho! – gritou a moça assustada por demais.
Então Glauco freou o carro em um instante que o bicho atravessava a estrada e se embrenhou de mato adentro da outra margem. O homem, alarmado, tirando a vista de Bete para frear o seu automóvel ainda disse:
--- Que susto você me deu! (disse o homem). Era apenas uma raposa! – e puxou um lenço da calça para enxugar a testa.
--- Era uma raposa, mas tinha vida. E se mata assim os animais? – indagou tremendo de medo.
Em seguida olhou em volta em direção do mato fechado para ver se ainda podia distinguir a presença do animal. Mas esse  já estava muito além do seu olhar. E ainda tremendo de medo a moça resolveu falar o que havia avistado.
--- Tem outra? Tem outra? – indagou a moça alarmada com os olhos tensa.
--- Deve ter. É o local que elas vivem. – ressaltou o homem a enxugara testa molhada de suor.
Em seguida, o homem atravessou a vila com algumas casas feita de barro batido e outras apenas de taipa coberta de folhas de coqueiro. Pouco além, um Cruzeiro e uma modesta Capela. A capela estava fechada. No meio da praça – se era aquele terreno uma praça – a criançada brincava de bola de gude. Uma bodega na esquina de baixo estava aberta a despachar mulheres e homens das compras feitas em plena manhã de dezembro. O carro seguiu com vagar até chegar a um terreno a descoberto onde Glauco estacionou. O chão era feito de capim rasteiro. O mar a sua frente batia nos rochedos. Pescadores nem se via àquela hora da manhã. E Glauco desceu do carro chamando Bete para irem passear na praia. Para se chegar a praia tinha-se que descer um barranco de pedra e barro por longo percurso. Com temor em cair a moça se segurou no ombro do homem.
--- Tenho medo! – sorriu tremendo Bete a se segurar com mais apoio ao ombro de Glauco.
--- Segure firme! – disse-lhe o homem ao por o pé mais para baixo.
E logo desceram eles e toparam com umas grutas nas pedras formando tremendas bocas como quem a esperar a presa e devorá-la em instante. A moça olhou as bocas das pedras e tremeu de medo. Eram muitas as cavernas a se formar nas terrificantes garras. O mar bramia a todo instante a espera da vítima fugaz a qualquer hora. Em uma das cavas Glauco puxou a nobre moça para o interior e, solitários, ficaram os dois nos encantos maviosos do dia.

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