terça-feira, 6 de setembro de 2011

VENUS ESCARLATE - 42 -

- PURA RAZÃO -
- 42 -
Quando estavam todos no almoço, Glauco Rodrigues resolveu falar de vez sobre os últimos acontecimentos da fazenda “Sossego” onde o Coronel Fabriciano fora vitima de atentado a bala deflagrada pelo jagunço Januário Cipó a mando do fazendeiro João Duarte Junior, filho de João Duarte, morto por capangas do Coronel Fabriciano Timbó há alguns dias após o sacrifício da mulher Corina e do filho dela, Fortunato e de um roceiro da fazenda do Coronel, chamado por Chicão, capitão do mato, por sinal.
--- Meu avô! É preocupante o estado de coisa que se dá na fazenda. Primeiro: foram às três mortes dos roceiros. E depois foi a da tentativa feita contra o senhor por um capanga a mando dos Duarte. É imprescindível se fazer urgente do conhecimento do Governador do Estado e do Comando da Polícia Militar. É imperativo se solicitar a participação policial para a proteção da gente pobre desse sertão de Serra Grande. – relatou o advogado Glauco Rodrigues.
--- É verdade! A questão não pode continuar de tal jeito. Faça ver o empenho do Governo para uma resposta aos atentados, principalmente contra a minha pessoa, um velho de 80 anos. Eu escapei por um triz. – respondeu o velho Timbó.
Com a certeza de uma resposta positiva do Governo e da Polícia Militar, pouco tempo depois do almoço Glauco Rodrigues foi até a estação de rádio do pelotão da Policia Militar e solicitou o envio de tropas armadas para a região de Serra Grande com a rapidez de um relâmpago. Dizia no final da missiva:
--- Assinado: Glauco Rodrigues, Diretor da Recebedoria Rendas do Estado. – o fim da missiva.
Tão logo se fez o despacho à correspondência foi recebida na capital pelo Comando da Policia e pelo Governo do Estado. No exato momento todo o contingente policial, a mando do próprio Governador foi deslocado para a região de Serra Grande. Na cabeça de tudo estava o Tenente José Francisco de Miranda, o Tenente Miranda, homem desaforado e de poucas conversas sendo capaz demandar prender seja lá quem fosse. O contingente militar chegou pela noite daquele dia e de imediato o tenente Miranda resolveu ouvir as partes conflitantes. Eram oito horas da noite. Ao gabinete do tenente Miranda estava presente o Coronel Fabriciano, o também coronel Ahrtur Rodrigues Timbó, outro filho do Coronel Timbó, fazendeiro e criador de gado, senhor Valdomiro Timbó com a presença do advogado Glauco Rodrigues. Da outra parte, estava presente apenas a viúva de João Duarte, dona Amelinha Duarte Manso cuidada por uma filha, um roceiro e um bando de jagunços.  Após ouvir a todos, inclusive o Coronel Fabriciano, sobrevivente de uma armadilha bem montada por João Duarte Junior, o Tenente Miranda um tanto amolado daquela celeuma ordenou de pronto.
--- Vamos acabar com essa lengalenga! É hora se se apertarem as mãos e deixar de lado essa mortandade. Já morreu gente demais e eu não estou para defender mortos e vivos. Quero ver se terminam esta contenda agora mesmo. Tanto da parte do Coronel Timbó como de vossa parte, dona Amelinha. E tenho dito! – confirmou o tenente cheio de espinhos de cardeiro pelo corpo. E nauseado ouviu da mulher:
--- De minha parte, acaba agora. Já perdi um marido e um filho. Nada tenho a reclamar. Sei que foi João quem começou essa desordem. Por mim, nunca haveria esse tipo de sangue. – chorou Amelinha ao dizer tal fato.
E para a satisfação de todo o senhor Coronel Timbó, homem velho da região, abraçou a mulher, pequena por seu tamanho, vestindo trajes de luto, um véu na cabeça e sapatos baixos. A filha, menos modesta deu de ombros para os da família do coronel e alguém ouviu a mulher dizer algo como:
--- Deixa está! – falou a filha de dona Amelinha.
Uma tropa ainda ficou na Serra Grande por algum tempo montando guardas nessas duas fazendas em conflito, pois o Tenente Miranda não confiou inteiramente do abraço da mulher Amelinha. Isso porque a sua filha havia dito palavras tendenciosas, conforme a autoridade policial ficou conhecedora do termo.
Tempos depois, alguns meses, Glauco teve noticia de Zilene Caldas. A moça deixou uma carta informando estar de partida para o Rio de Janeiro. E o caso acabou aí. Glauco sentiu a falta de Zilene. Ele amou a moça por algum tempo sem ninguém notar tal fato. Ela se resguardava para não despertar ciúmes na sua amiga Racilva Arantes. Certa vez, Racilva declarou a Glauco ter chegado a hora da sua formação. Era o mês de dezembro. Havia festa por toda a cidade. Glauco confirmou a compra de um chalé no bairro de Petrópolis. A casa grande do Tirol, ele a vendera depois de havido o caso da assombração. Racilva não frequentara mais a residência do velho Neco, o Manoel Revoredo. As aulas impediram tal frequência às sessões espíritas. O chalé era uma magnifica habitação de frente para o mar. Logo abaixo havia uns casebres e bem depois apenas o mar aberto. Para Racilva aquela era uma residência de forma elegante.
--- Formidável mesmo! – sorriu a moça ao visitar a casa.
--- Eu tenho pensamento de construir outra casa nos confins da cidade onde até agora não existe habitação. – sorriu Glauco ao falar a moça.
--- Mas já? – quis saber Racilva espantada.
--- Deixa o tempo passar. Mais pra frente. – sorriu Glauco abraçando a noiva.
--- Mas a gente nem morou nessa? – comentou amuada a moça.
--- Pois é. Nós nos casamos, vamos passar umas férias do Rio, depois voltamos e assim a coisa vai se indo. – raciocinou Glauco a Racilva.
--- Rio? São Paulo até! Quem sabe: Porto Alegre! – sorriu Racilva ao contar nos dedos o seu itinerário a pensar.
--- Também tem Paris, Madri, Roma e coisa e tal! – sorriu Glauco ao fazer cocegas na sua noiva
A moça sorriu de felicidade ao saber do pensamento do namorado. E Racilva pensou ainda no que disse certa vez o diretor da firma onde a moça trabalhava:
--- “Ele é rico! Podre de rico! E a moça que se casar com ele vai ficar podre de rica” – comentou Haroldo Doria, dono da loja de artigos domésticos.
E tudo isso era passado. Foi pelo menos a sorte de ter sido Racilva Arantes a contemplada.
E certa vez, ao entrar da Recebedoria de Rendas, um homem indagou por certo documento por ele solicitado há algum tempo. Racilva prometeu procurar entregar o tal documento. Então o homem, um pouco alquebrado pela idade ainda perguntou à moça como se chamava.
--- Racilva. Racilva Arantes. – respondeu a moça ao senhor idoso.
E o homem fez tal comentário a respeito do nome Arantes.
--- Hum! Arantes! Ousadia, Independência, força de vontade! – sorriu o homem ao decifrar o nome da moça.
Racilva sorriu sem muito entender tal significado do seu nome. E então, saiu requebrando os seus quadris para todos os que quisessem olhar.
Na hora do almoço Racilva estava no restaurante do Grande Hotel acompanhada do seu noivo, fazendo os planos de sua formatura quando notou a presença do homem alquebrado, magro até com um rosto alquebrado. Ele estava sozinho em uma mesa ao largo, tragando o seu almoço quando Racilva notou a sua presença e chamou a atenção de Glauco para tal figura:
--- Quem é aquele velho? – perguntou a moça ao seu noivo de modo preocupado.
--- Qual? – quis saber Glauco com a boca cheia de comida.
--- Lá! Olhe! Lá! – disse Racilva apontando para a mesa onde estava sentado o velho.
Glauco então correu a vista por todo o recinto e vislumbrou a figura magricela do velho. E em seguida respondeu.
--- Ah! Não sei! Deve ser algum novato do restaurante! – respondeu Glauco sem muita pressa abocanhando a comida em seu prato.
--- Interessante! Hoje, na Repartição, ele declarou o significado do meu sobrenome! – alertou curiosa a moça.
--- E qual foi? – perguntou o homem com a boca cheia de farofa a por para fora.
--- Não sei bem. Algo como “Ousadia”. – respondeu a moça pouco preocupada.
--- Ah bom! Deve ser um estudioso! – sorriu Glauco colocando mais farofa para fora.
Racilva notou o seu noivo a vomitar farofa e logo disse:
--- Tenha modos! Estas a me sujar com essa farofa! – relatou Racilva a limpar os seus braços.
Então, o homem não fez por menos: sorriu a valer.


Nenhum comentário:

Postar um comentário