segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

AMANTES - 49 -

- Anne Hathaway -
- 49 -
Com aquela observação feita pela neta de dona Nazinha de que Racilva sempre freqüentou o Centro Espírita deixou Silas de certo modo preocupado. O que se expunha no Centro era que os seres humanos vêm e voltam para depois vir novamente numa constante reencarnação. Poderia até ser uma forma de aprimorar o espírito humano a uma vida pacata cheia de luz e de fé para onde os humanos retirariam os males que, um dia, fizeram de vidas anteriores. O caso de Racilva falar com sua própria mãe demonstravam esse pormenor. Seria a vida após a vida? Essa era uma questão a ser levantada e que o espiritismo já falara bem claro que a morte não existe.  Racilva deixava antever essa questão. Mas, naquele momento, Silas estava preocupado em poder dizer que Racilva transmigrou para outro plano da vida. De um modo ou de outro, esse era  um assunto que muito bem Silas não acreditava, depois de ouvir a conversa feita pela anciã de que a sua filha adotiva sempre tivera conversas com entes de outra vida. E por sinal, Silas notou por várias oportunidades a conversa de Racilva empregando outro espírito de alguém famoso. A clarividência é o inconsciente da pessoa de conhecimentos além das possibilidades do tempo. E por diversas vezes Racilva demonstrou tal poder.
A anciã ficou a cismar com que o amigo de Racilva soubesse e que não queria contar. Por tal motivo perguntou a Silas se na verdade Racilva morrera.
--- Bem. Eu não queria dizer de forma tão clara. Para os médicos ela morreu. Agora, não se acha o corpo de Racilva em canto algum. E por isso, para mim, ela está viva. E em algum lugar. Por isso estou aqui. Já estive no seu apartamento. Tudo fechado. Em um sobrado que o seu avo lhe deixou por herança, também não vi sinal de Racilva. E agora eu sei que não descansarei enquanto não encontrar Racilva Pontes, mesmo estando morta, em algum lugar do tempo e do passado. – relatou por fim o amigo de Racilva.
Na quarta feira, com a imprensa internacional propalando o caso por demais lastimoso, Molambo, o nome popular de Diomedes, estava presente a sessão espírita do Centro Victor Hugo onde se faria uma prece em favor dos desencarnados e se perguntava a algum espírito de luz se avistara ou soubera do paradeiro de Racilva que tanto a impressa denunciava como morta e desaparecida. Nessa sessão estava presente também o homem Silas Albuquerque para ter certeza de que a moça estaria com vida. Ou morta, com o pesar de todos. O médium presidente do Centro abriu a sessão conclamando em uma prece que os espíritos de luz tentassem resolver um problema crucial dos vivos encarnados que estava a procurar o paradeiro de Racilva. O que se procurava era o saber se a médium estava viva ou morta, ou seja, encarnada ou desencarnada. A sessão prosseguiu sem nenhuma resposta a respeito. Durante a sessão, Diomedes caiu em profunda letargia com um ente a lhe ocupar o corpo e falar-lhe para si sobre o problema de Racilva. Disse-lhe a ente, que do que teria a dizer naquela sessão, Molambo não se lembraria de coisa alguma após despertar de sua letargia. Era algo que ele somente teria lembrança quando o mesmo espírito ordenasse a se recordar. E o velho letárgico sentiu todas as vibrações que lhe eram tributadas e viajou com o ente a um local ermo onde pode ver a bela moça embrulhada em farrapos, sentada ou de cócoras, com a cabeça abaixada e de modo a não perceber coisa alguma. Era uma verdadeira sonâmbula igual as pessoas que em algum tempo sofreram por um desmaio. O local onde estava Racilva, o velho Molambo não reconheceu. Era um local sombrio e frio parecendo ser um cemitério.
Tudo isso o velho percebeu como se alguma força maior lhe despejasse em um sonho.  No amparo dos segredos milenares, Molambo pesquisou os remotos locais onde Racilva estava e sem poder acordá-la, pois naquele momento o velho não tinha capacidade para tal Molambo prosseguiu sua tortuosa excursão. Foi uma viagem noturna e distante onde apenas os espíritos de luz podiam ter acesso aos vivos encarnados em seu estado cataléptico. Com o mesmo gesto de desamparo, a moça dormia o sono profundo da solidão perdida ou estava em seu estado de êxtase e inconsciência acobertada entre as divinas e sedosas mãos. Seu estado de desânimo levava a crer que Racilva estaria inconsciente com a face entre o peito e a testa delirando por um sonho mórbido e de cruel amparo. A perscrutar todo o local nebuloso e escuro Molambo esteve adiante em amplo caminho onde havia um imenso prédio de dois andares. No meio da habitação havia um portão largo. E pela sua direita e pela sua esquerda, eram apenas janelas fechadas e escuras bradando ao som impiedoso do vento que soprava as altas horas noturnas onde o pio da coruja flamejava como mais aterrador. Árvores de ciprestes esvoaçavam seus galhos secos e aterrador. E o velho Molambo caminhava solitário como sem sentido ou sem nada temer. O uivo do lobo se fazia presente de bem distante vindo das trevas do abismal. A tenebrosa chuva caía inconseqüente e lastimosa ao soar da albergada meia-noite. Era o mero assombrado desatino de uma mente carrancuda que lhe deitava os seus mórbidos e relutantes sentidos.
Ao acordar de seu nuvioso sono o velho homem sequer se lembrava de ter naufragado em seu elementar destino. Ao ver a mesa posta com os seus médiuns reunidos, ainda ele indagou o que havia se passado. E ouviu a resposta do médium Paredão de que ele apenas descera no mais profundo sono de sua consciência. E pareceu descer Molambo em um estado de letargia com a perda total de sua sensibilidade. O velho ficou a pensar o que dera em si daquela imobilidade crucial onde a sua morbidez função parecia está suspensa com a sua inércia total e absoluta e a sua impossibilidade completa de reagir ao que lhe tocasse.
--- Cuidado velho! Eu já vi um que não tornou mais. – respondeu Paredão bem baixinho.
--- Que os espíritos de luz sigam o meu caminho. – disse o velho Molambo sem temer.
Os presentes à sessão espírita já estavam tomando passe e foi à vez de Molambo entrar no saguão escuro da sessão para também tomar o seu passe. E nesse instante, um espírito rebelde se apossou da médium Olga para soltar uma estrondosa gargalhada. Com a mesa ainda composta, Paredão se viu obrigado a sacudir dona Olga pelo seu pescoço e dizer.
--- Deixa este aparelho espírito tirano. Vai seguir para o mundo das trevas. – gritou Paredão com bastante raiva ao ver dona Olga ser suspensa da cadeira por esse espírito da maldade.
Esse foi o caso mais soberbo a acontecer naquela sessão espírita da quarta-feira.
Na quinta-feira, de manhã, logo cedo, por volta das cinco e meia, a auxiliar de enfermagem havia entrado na suíte onde dormia a paciente Vera Muniz, para ver sua pressão, temperatura e fazer novos medicamentos. A mulher acordou naquele instante. A auxiliar nem fez barulho, pois seus calçados eram com solado de borracha não favorecendo algo de barulho por mais imperceptível que fosse. O esposo de Vera Muniz dormia a sono solto em uma cama postada perto de sua mulher e nem acordou com a presença da auxiliar de enfermagem. Ele havia chegado pouco antes das dez horas da noite acompanhado de Diomedes. Silas ficou na suíte e assim a moça Otília foi para o apartamento onde morava em companhia de Diomedes. No seu dormir, Silas teve um sonho que ele achou bastante estranho ao acordar e lembrar. O homem sonhou que estava em uma catedral cujo feitio não era a que estivera com a moça Racilva. Havia bancos sem nenhum devoto a rezar. Eram deveras muitos e incontáveis bancos, todos feitos de madeira de lei. Santos estavam postados em seus altares. Em um dos Santos, ele viu bem próximo o vulto a sorrir para Silas. Sorria muito, embora não fizesse qualquer reação. O homem ficou a admirar o vulto sagrado e a fazer cumprimentos, subindo e descendo a metade do corpo como um toureiro fazia aos presentes em suas apresentações. De repente, surgiu a noviça que vira na segunda feira. A noviça tinha saído de trás do altar mor e vinha a andar apressada, a sorrir constantemente para Silas. Ao chegar próximo do homem a noviça disse:
--- Está ali! – apontou sorrindo para detrás do altar mor onde se guardava a Hóstia Consagrada
O homem sorriu em troca e lembrou que ela indicara a presença de Racilva, pois a moça caíra em letargia no banco da igreja. Ele olhou depressa para o altar e viu Racilva a sorrir a brincar de se esconder por detrás do altar mor. Ela só mostrava o seu belo rosto a sorrir e parte de seu corpo como que dizia:
--- Olhe eu aqui! – o sorriu Racilva francamente.
--- Vamos para casa que temos de pegar o ônibus. – falava Silas para Racilva.
O homem ainda olhou para a noviça que já saíra a correr e a sorrir para os dois amantes. Nesse ponto Silas acordou assustado com aquela miragem aterrorizante. Ele ainda se lembrou de outro sonho que tivera na mesma madrugada com a própria Racilva aonde ela chegava para ele em um local, cujo corredor era imenso, de portas altas, paredes fornidas e uma porta mais ao final do corredor. Racilva dizia a ele com placidez:
--- Voltei. – e sorria a contento.
O homem se levantou da cama e esfregou os olhos como que fazia para acordar direito. Seu coração pulsava forte e o rapaz teve até a intenção de medir a sua pulsação para saber de algo de anormal. Porém ele teve receio em pedir a auxiliar de enfermagem e a deixou fazendo o serviço a que fora destinada. Quando a auxiliar saiu da suíte, a mulher sorriu para Silas e por vezes perguntou sem muita emoção.
--- Já acordou? - - indagou Vera a sorrir fraco.
--- Já. Tive um sonho inquietante. – respondeu Silas.
--- Eu também. Sonhei que estava a amamentar uma criança que não era filho meu. – falou a mulher quase a chorar.
--- Interessante! A gente sonha cada coisa! – lamentou o homem por conta de Racilva.
Um barulho de fora assombrou mesmo aqueles que estavam em suas suítes. Um verdadeiro estrondo seguido de gritos e alarmes com vozes de homens e mulheres.

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