sábado, 22 de janeiro de 2011

AMANTES - 61 -

- Monica Bellucci -
- 61 -
No mesmo sábado, pouco tempo depois de Diomedes, saíram Silas, Vera Muniz e a doméstica Otília no igual caminho da praia dos Coqueiros. Com havia acertado na noite anterior, Silas queria ver como estava o perfeito andamento da construção, porquanto a empresa prometera entregar a chave naquela semana. Vera Muniz, sua mulher, já esteve no local e acreditou nas obras tão adiantadas. No domingo só teria o vigia a tomar conta da elegante mansão, como Silas Albuquerque costumava chamar a casa grande. O caminho era o mesmo de sempre, com os botecos a funcionar dia e noite na estrada com seus bêbados e meretrizes. Uma Igreja de Crentes já estava de portas abertas recebendo os seus fies. Eram pessoas todas bem caladas quando estavam no espaço da rua. A doméstica Otilia ainda teve tempo de ver todos os que estavam a entrar no Templo com suas bíblias da mão. E ela nem sabia a razão de tantas bíblias assim. Na Igreja de sua mãe, a Igreja Católica, o povo quando freqüentavam aos domingos nada levava. Apenas as carolas mantinham o véu cobrindo a cabeça e um terço na mão. Tais mulheres pareciam adivinhar o pensamento dos outros, pois combinavam umas com as outras o comportamento das mocinhas quando estavam com seus vestidos de mangas curtas ou saia mostrando as pernas.
--- Olha essa! Olha essa! – cochichavam as carolas confabulando o vestir das moças.
Era sempre assim, a vida inteira. E por conta disso, não raro as moças “pra frente” deixavam de ir a Igreja Católica para não levar carão de suas mães. Os rapazes, na maior parte, ficavam do lado de fora da Igreja Católica conversando quem era a garota desejosa. E a tal garota, passava e achava graça para os rapazes, apesar de estar com a sua mãe ao lado.  Era assim o passar da Missa sempre aos domingos, logo cedo da manhã. Com certeza era assim Otilia a pensar.
O carro trafegava com velocidade, porém o velho Diomedes já estava muito a frente de Silas Albuquerque, pois esse não conseguira ver nem mesmo sombra do veloz automóvel entre outros tantos. Caminhões transitavam com destino a capital do Estado. Eles conduziam peixes, verduras e frutas. Mangas, cajus e bananas entre as demais. O sol já havia assomado  e nem o vento a soprar fazia a vez de uma temperatura menos aquecida para quem viajava em um banco de trás como era o caso de Otilia. Vacas vinham e voltavam na estrada dos Coqueiros atrapalhando o tráfego dos automóveis e caminhões. Quando Silas chegou à porta da casa de Diomedes, só se ouviu o grito:
--- Vamos velho! Tá na hora! Tu chegasses primeiro! – gritava Silas alegre da vida.
A moça Otilia saltou e entrou correndo dentro da sua casa. Com certeza ela estava espremida com vontade de urinar a todo instante. A mulher, Vera Muniz, saltou também e foi agradar a anciã Maria, mãe de Diomedes, e cumprimentar de fato a irmã Luiza bem como a garotada a quem distribuiu bombons. O velho Diomedes retornou do interior da nova casa a qual estava a morar com sua mãe, irmã e sobrinhos. O homem era de tal orgulhoso por estar naquela hora residido em uma nova moradia.
--- Cheguei um pouco antes que o senhor. – respondeu Diomedes a sorrir.
--- Não avistei nem poeira do teu carro. – sorriu Silas ao abraçar o amigo.
--- O carro corre. Caro novo. É bastante tocar no arranco. – sorriu Diomedes a responder.
--- É. O carro é bom. Vamos lá? – perguntou Silas a apontar para a mansão com sorriso da face.
E Silas teve que esperar por Vera. A mulher estava a cumprimentar a anciã Maria e Luiza, irmã de Diomedes. Conversa não faltava para as duas mulheres: Vera e Luiza. Após algum tempo passado Vera se despediu prometendo voltar tão logo possível, pois estaria a ver o tanto dos trabalhadores nos últimos dias. Na praia, ainda cheia, o mar quase batia nos pés dos muros ou nas paredes das casas de taipas. Era maré cheia aquela dos recentes dias. O homem dos burros saía da loca onde fora buscar água doce das pedras. Os meninos procuravam colher lagostinha para o seu café ou mesmo o almoço. Vez ou outra encontravam camarões de água salgada. Os homens com agasalho azul marinho jogavam a isca para apanhar peixe em cima das pedras e direto do mar. Os pescadores estendiam às redes nas cercas a espera de maré branda. Um homem apontava para outro onde havia peixe de montão em alto mar. Jangadas já estavam no mar aberto colhendo os peixes da hora.
Após inspecionar as obras de construção da nova mansão, vendo que tudo estava pronto, Silas aventurou perguntar ao velho vigia quanto estava a faltar para ser terminada a casa grande. O homem, então, disse por entre voz bem mansa.
--- Se o senhor me pergunta eu digo não faltar mais coisa alguma. – falou o velho vigia.
--- É também o que noto. O restante, a gente é quem faz. – sorriu acanhado o homem.
--- Pois é. Agora, é continuar o trabalho. – respondeu o vigia.
Vera Muniz continuou a inspecionar toda a obra, de cima a baixo, procurando encontrar algo mal feito e nada foi visto. Com um pouco, chegou também a casa grande a doméstica Otilia a inspecionar tudo sem encontrar nada por fazer. Elas nem pensaram nas moças. Essas tomaram a frente da obra quase terminada, quando foram para dar o acabamento final, jardins, lustres, arrumação de cama, mesa e banho. Cozinha, também elas, as jovens moças, eram verdadeiras artífices nos moldes da arquitetura contemporânea. Desde o inicio da obra, as três moças atuaram a buscar os melhores artigos com os mais baixos preços para por na construção. Aos homens coube a engenharia de massa. As jovens moças ficaram as partes mais preciosas do acabamento, até o local onde a família pudesse assistir à televisão com os aparelhos modernos alimentados por via Internet. Para melhor comportar o modelo, foram instaladas três televisões na sala de visita, quarto de dormir e sala de almoço.
--- Também eles fizeram demais! – comentou Silas a sorrir.
--- Na minha casa, tem dois pontos de TV. – articulou o velho Diomedes.
--- Lá em cima tem mais dois pontos. – respondeu Vera ao verificar as instalações de cada qual.
--- Nem precisava disso tudo. – argumentou Silas Albuquerque.
Do lado de fora, em baixo, no quintal, havia cajueiros, mangueiras, coqueiros além de outros pés de frutas e uma piscina moderna. A água servida escoava direto para o mar enquanto as águas dos asseios domésticos e aparelhos sanitários ficavam enterrados em uma fossa de três metros de profundidade.
--- Para a inauguração festiva da mansão, deve estar presente a tua mãe, a minha, amigos e, sem dúvida, o velho Diomedes. – relatou Silas cheio de alegria.
Nesse ponto, o vigia adiantou que certo dia daquela semana esteve no local uma mulher no seu quarto mês de gestação pedindo abrigo por uma noite. Ele ficou desconfiado em deixar a mulher ficar e a despachou incontinente. Além disso, o vigia relatou não conhecer a mulher e que ninguém de perto a conhecia. E a mulher foi embora sem maior atrito.
--- E de onde ela apareceu? – indagou Silas ao vigia.
--- Não sei. Eu nunca vi tal mulher. – respondeu o vigia com remorso.
--- Mas a mulher disse que era de perto? – perguntou Vera assustada.
--- Ela falou que vinha das brenhas. – relatou o vigia de forma segura.
--- Brenhas? Só sendo mesmo das brenhas! – ajuizou Silas a sorrir.
--- Eu não conheço e findei não deixando. – relatou o vigia com mais orgulho.
--- Tá bom. Deixa a mulher pra lá. – refez Vera orgulhosa de si.
--- Se eu tivesse aqui, talvez perguntasse a ela onde era essa tal “brenha”. – relatou Otilia a sorrir.
--- É. Mas deixa pra lá. Vamos fazer um mutirão para limpar bem o terreno. Está imundo! – reclamou Vera vendo a situação do terreno.
--- Nada! Os homens vêm limpar amanhã. Eles disseram! – refez o vigia sorrindo.
E tudo se acalmou com o dizer do vigia. A maré continuava a encher, lambendo as paredes das casas mais pobres. Nesse tempo de verão, a maré tornava-se alta e a estrada de barro feita pela Prefeitura era tomada pelas águas. Na mansão de Silas havia um muro de arrimo para conter possíveis cheias da maré. A Construtora fora prudente em tal sentido e construiu o tal muro, deixando uma entrada para dois automóveis. Naquela hora, o veículo de Silas estava no meio da rua e ele notou ter as águas tomadas conta dos pneus. De repente, ele se apressou em retirar o seu veículo para um local mais distante onde a maré não tinha a vez de atingir o veiculo de modo algum.
--- Ponha acolá! – gritou vera assustada com a força das águas.
--- Quando chove é pior ainda. – relatou Otilia que estava também presente a cheia do mar.
--- Deus me livre. Que coisa! – reclamou Vera arrepiando-se toda.
Bem abaixo, onde o homem pegava água, uma mulher olhava a cena, calada, sem dizer coisa alguma. O tempo rugiu. Era a chuva naquela hora da manhã.

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