sábado, 16 de abril de 2011

DESEJO - 32 -

- Tatum O'Neal -
- 32 -
Quando eram cinco horas da tarde daquela sexta-feira, um carro estacionou da Rua Visconde do Uruguai, na Ribeira, e dele desceu a motorista Norma Vidigal. A jovem moça se arrumou direito tirando os vincos do vestido e caminhando solene para a entrada das escadas do imóvel de redação de A IMPRENSA, local onde o seu namorado Armando Viana também trabalhava como chefe de Redação do matutino. Ao subir a escada viu um homem maduro a descer a rampa cruzando com ela de lhe dando cumprimentos. O homem, pelo cheiro que exalava, era um dentista, conjecturou Norma. Ao chegar ao fim da escada viu um homem a varrer no local por onde havia qualquer ponta de cigarros ou papel amassado e mesmo não tivesse coisa alguma. Apenas ele varia o corredor das salas. O local de trabalho de Armando Viana era o último dos escritórios, apesar de haver mais um cômodo onde provavelmente se abrigava o rapaz da limpeza do prédio, ela pensou. Após a entrada da escada, tinha ao fim do edifício uma parte onde se podia notar a bateria de banheiros. Com isso, ela se deu por satisfeita ao saber de tudo o que havia no edifício. Norma Vidigal nem precisou bater palmas no escritório de Armando Viana, pois esse estava completamente aberto. Ela entrou e viu de relance a pessoa de Armando e mais dois jornalistas a bater máquina de datilografia com elegante pressa. Norma cumprimentou o rapaz e esse como tomado de susto olhou para frente e viu a namorada a sorrir contente. Tão logo notou a presença da moça, convidou a sentar em uma poltrona ou lado de onde ele estava. Ao conversar sobre o acidente do caminhão com o trem na manha daquele dia, Norma veio a tomar conhecimento de mais acontecimentos havidos no decorrer do dia. O incêndio foi combatido às dez horas da manhã pelo Corpo de Bombeiros. Daí em diante veio mais problemas:
--- Como assim? –indagou Norma preocupada.
--- Três casas de taipa foram atingidas pelo fogo. Em uma, havia uma anciã. A mulher sofria por conta de uma trombose. Seu filho tinha saído para trabalhar junto com a sua mulher. Ficou uma neta de quinze anos e um garoto de doze anos. Eles tomavam conta da anciã. Veio o fogo e destruiu todo o telhado e a anciã não teve tempo para coisa alguma. O casal de netos nem chegaram próximo da anciã por conta do fogo. A mulher veio a óbito em plena cama onde estava deitada. – relatou Armando a lastimar o ocorrido.
--- Que horror!!! – proferiu a moça ao desespero.
--- Outro foi um bêbado. Ele dormia na calçada de um casebre e foi atingido pelo fogo. Ele veio a óbito também  - relatou Armando.
--- Nossa Senhora!!! – pronunciou a moça aterrorizada.
--- Todos os casebres foram fechados até se retirar os destroços do caminhão. – comentou o homem angustiado.
--- E o trem? – indagou Norma como a acordar de um pesadelo.
--- O trem voltou a estação há poucos instantes. O resto do caminhão tostado foi retirado por um guindaste pelas quatro horas da tarde. E as casas que ainda estão em condições de se habitar, devem ser restituídas aos seus donos. – disse Armando a lamentar o acontecido.
--- Ainda bem! – pronunciou a moça tremendo de susto.
--- E eu voltei para a minha casa tão logo me vi desnecessário. Troquei de roupa. Estava imunda a que eu usava. Comi qualquer coisa no restaurante da Cidade. Conversei com o Governador e ainda voltei ao local do desastre com outros repórteres e fotógrafos. Ha poucos minutos é que cheguei aqui, extenuado, cansado, arrebentado. Eu estou todo castigado. O maquinista do trem fugiu com medo do acidente e chegou à Rede duas horas depois. Ele e o foguista. Apenas ficaram no trem os dois garçons. Os passageiros vieram todos em caminhões da Estrada de Ferro. Uns se lamentado, crianças chorando. Muita remissão. É um horror! – declarou Armando começando a chorar.
---Não precisa você chorar. Mas chore se é o caso. Chore mesmo! – declarou a moça.
---Havia uma vultosa multidão. Carro, polícia, bombeiros. O Governador dizendo merda. Era o que ele dizia. Apenas merda. Ele queria que se prendesse o motorista do caminhão. O pobre estava morto entre os demais. – reclamou Armando a situação.
--- Eu creio. Esses brutos têm cabeça porque burro tem. E nem burro, pois os animais têm mais raciocínio de que essas “bestas”. Ignorantes! – declarou Norma torcendo a cara.
--- Você não viu nada. Não viu nada! Esse homem tem cada coisa que dá mil. Só eu sei o que ele é capaz de fazer. – relatou Armando Viana acovardado com a situação.
--- É verdade. Você é um homem nobre, eu posso dizer. – falou Norma com se soubesse.
Nesse momento Marta Rocha caminhou até o birô de Armando a entregar suas novas matérias sobre o acidente. Armando olhou bem o escrito e indagou se a moça fez algo sobre a anciã morta em sua casa durante o incêndio do caminhão. Marta relatou ter essa matéria sido feita por Arnóbio Petrosa, repórter da tarde. Armando agradeceu e disse ter de procurar na ruma de matérias já feitas. Marta Rocha relembrou se ele necessitar ela mesma faria. Pois Arnóbio sentiu-se mal no instante da matéria. O cheiro de carne assada lhe deixou passando mal.
--- Faça a matéria, por favor. Eu tenho a impressão que ele não fez. – relatou de imediato o Chefe de Redação.
--- Eu tenho os dados. Vou fazer. Canindé entregou todas as fotos? – perguntou Marta.
--- Eu tenho um monte de fotos aqui. Umas são até minhas. – falou Armando a repórter.
--- Tem da casa da anciã? Posso ver? – indagou Marta.
--- Pode. Estão nessa pasta. Veja! – recomendou Armando a Marta.
E a moça pegou a pasta e o monte de foto para ver se encontrava a tal da casa velha destruída pelo fogo. Essa era a casa da anciã. Marta se sentou em uma poltrona em frente a Armando Viana detalhado cada foto até encontrar a sua preferida. Após esse incansável processo ela foi até o birô de Armando e declarou ter encontrado a foto.
--- Encontrei a foto! – sorriu contente. Então Marta saiu para fazer novo texto sobre a anciã morta no acidente do caminhão com o trem.
--- Essa menina vai longe. – comentou o Chefe de Redação.
Com isso Norma Vidigal então sorriu de um modo jeitoso de sorrir modesto.  Ela enfim não teve qualquer ciúme de Marta Rocha. Ela era tão somente uma aprendiza de jornalismo. E quando Marta saiu de escritório Armando indagou da namorada.
--- Que achas dessa “munheca”? – perguntou a sorrir o rapaz.
--- Dessa o que, amor? – voltou a perguntar alarmada a jovem Norma.
--- Munheca! Munheca de Pau! É assim que nós tratamos as “focas” que estão começando. – sorriu Armando sem fazer alarde.
--- Munheca de Pau? Nossa! Quem diria! Eu agora é que estou sabendo disso! – reclamou Norma ao namorado.
--- Pois é. Munheca ou foca! São como se chamam as novatas quando estão iniciando. – relatou o rapaz a sorrir.
--- Munheca de Pau? Olhe que vou dizer a menina! – respondeu a moça a sorrir.
--- Pode dizer! Esse é o segundo dia que ela trabalha a redação. E só pega matéria pesada. Ontem foi a do Turco. Hoje a do trem! Vai ter sorte assim no. ... – respondeu o homem sem completar o que gostaria de dizer.
--- No inferno. Não é? É o que não disse? – retrucou a moça complementando o rapaz.
--- Pois é! Eu não tive tanta sorte assim. Mas...Isso é a vida! – sorriu Armando Viana.
Após um curto período a moça Marta Rocha chegou com a matéria já terminada para entregar ao seu Chefe de Redação. Ficou ali em pé a esperar o decisivo aprovado e após o sim de Armando ela voltou ao seu birô onde apanhou seus objetos de uso pessoal. Marta saiu ao banheiro onde cumpriu suas necessidades e voltou. Ao passar pelo escritório já encontrou o Chefe a sair também com seus pacotes de fotos e matérias para depositar logo abaixo, no prédio vizinho, onde havia todo o engenho de fabricação do jornal, com a linotipo, impressora e tudo mais. Marta Rocha se despediu de ambos os namorados e indagou se era preciso vir no sábado.
--- Creio que sim. Pode haver qualquer coisa. – respondeu o Chefe de Reportagem
--- Ah bom. Eu estou aqui amanhã! – disse por fim a moça Marta Rocha.
--- Escute! Amanhã eu não venho. Tenho matéria fora! – falou Armando a moça.



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