quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

AMANTES - 67 -

- Silvia Pfeifer -
- 67 -
O pranto caiu sobre a capital desde aquela tarde. O povo procurava saber de alguma coisa. Ouvia-se o rádio. Liam-se os jornais. As emissoras de TV só mostravam um assunto: A morte do Governador Louzada. Os cinegrafistas e operadores de câmeras vasculhavam todo o ambiente do trágico episódio. A mata densa impedia de se ver ou saber onde fora o acidente fatal. Com a noite a cair, os cinegrafistas não tinha como vislumbrar os destroços do avião. Por toda a noite o assunto era um só; Governador Louzada – Morte ou Vida – Com a noite pesada veio à chuva em toda a região da ocorrência fatal. Ouvia-se de comentaristas informações desencontradas da achada de corpos. Depois, por outro canal de TV a informação da incerteza do achado. Chuva carregada era tudo o fato novo. A capital também sofrera com a forte chuva. Casas, palhoças, favelas, edifícios entre tantos outros locais eram todos encharcados pelo aguaceiro. Trovoes e relâmpagos cortavam o céu escuro, tenebroso, carregado como um carregado luto, uma aflição, uma agonia.
A madrugada passara sem noticias do aparelho. Apenas as contradições de sempre. Não fora o Exercito quem comandava a operação e, sim, a aeronáutica, pois era a responsável por tragédia de avião. Outra novidade: a imprensa não teria vez no caso do desastre. Todas as matérias seriam pela Aeronáutica, inclusive as imagens para a TV. Equipes do Pára-Sar seriam deslocadas para o local provável do acidente. Sabia-se ser uma região de mata intensa e nada mais. Os repórteres passaram a ouvir pessoas residentes nas vizinhanças do acidente.  Alguém apenas dizia:
--- Foi para acolá. Ouviu-se um estrondo danado. – dizia um morador do campo.
Esse era o ponto mais próximo que a reportagem podia chegar. Outras imagens de TV eram repassadas pela Aeronáutica, quando se podia ter. Os paraquedistas da escola da FAB não tinham nenhuma informação para dar. E nem podiam falar. A manhã do dia seguinte foi de intenso nevoeiro. As equipes de busca rondaram pelos locais prováveis do acidente, levando-se em conta a latitude e longitude do avião na hora do acidente. Temia-se o pior uma vez que o piloto dissera:
--- Vamos cair! Ai meu Deus! – era tudo o eu se tinha.
Tal informação foi repassada horas depois do desastre com o aparelho por um rádio amador da região sinistrada as autoridades da Aeronáutica. Ele era um ex-piloto de aviação comercial e costumava seguir os vôos de aeronaves em sua rota. Nada mais houve de novidade. A reportagem procurou falar com o radio amador e ele disse apenas o que gravou em seu rádio. Perguntas mais ele não soube precisar. Ou não quis adiantar. A manha veio logo após com forte aguaceiro impedindo as equipes do Pára-Sar a se deslocar com maior precisão pela mata. Naquela tarde chuvosa um grupo de paraquedistas encontrou uma ponta da asa do aparelho. Mais além, uma turbina. E depois encontraram o corpo do avião. Era o aparelho em que viajava o Governador Louzada, experiente navegador aéreo. Louzada tinha a seu favor vinte mil horas de vôo. Mesmo assim aquele foi seu ultimo vôo. Os secretários: todos mortos. O piloto, co-piloto e engenheiro de vôo também não escaparam do acidente. Vinte e quatro horas de trabalho para se encontrar os destroços do avião. Daí então foi o resgate das vítimas. Todos os ocupantes estavam entre as ferragens do aparelho.
A urna mortuária com o corpo do Governador Louzada foi posta em salão de luto do palácio do Governo juntamente com três secretários. As demais vítimas foram levadas para os outros campos de velório. Eram seguidores do partido do Governo e os próprios pilotos, co-pilotos e engenheiro de vôo. A multidão acudiu ao velório vendo pela ultima vez a urna mortuária em que estava o ex-governador Louzada. Chovia forte na capital e interior do Estado, parecia até a natureza a comungar com a perda de seu chefe ilustre, homem de severa lucidez, escritor e também um ex-piloto de avião de caça quando serviu a FAB. Os jornais, rádios e TVs do País traziam em manchetes a morte trágica de Louzada. No Estado foi um dia de luto. E o novo governador decretou luto por sete dias. O sepultamento pesado de Louzada seguiu por um cortejo levado a frente por uma banda de musica a tocar marchas fúnebres em uma cadencia compenetrada. O povo, nas ruas, chorava a morte do seu governador. Os mais velhos cobriam o rosto com um véu. Grinaldas e arranjos de flores eram postas em dois carros logo atrás do cortejo com os seus obituários. Marcha lenta. Muito lenta. O carro fúnebre chegou a parar em vários trechos entre o salão onde esteve exposto ao publico o Governador Louzada e a entrada do cemitério. Apesar da chuva forte, quem podia ir a pé, assim fez. Três dias de amargura e pranto. A viúva e os filhos eram todos prantos. A viúva trajava vestido negro igual com a sua filha e os dois irmãos. Os netos também vestiam preto. O esquife durou três horas para chegar ao cemitério. O mundo era de silencia e não se falou qualquer coisa um só instante. Na hora do caixão descer à sepultura, houve uma trégua na chuva na capital e o tempo chegou até a clarear. Naquele instante parecia ser o Deus supremo a abraçar o seu filho primogênito.
Entre outros presentes encontravam-se Silas Albuquerque e a sua esposa, Vera Muniz. A mulher, toda de negro, um véu cobrindo-lhe a cabeça bem parecia chorar as dores sentidas com perda seu pai anos atrás. O homem, trajando terno negro, mantinha-se circunspecto. Grande número de presentes fazia suas orações em completo silencio. Era um momento de imensa dor para todos. As mercearias, lojas, pontos comerciais, industriais e agências cerraram suas portas durante toda à tarde daquele dia. Uma esquadrilha de aviões sobrevoara o céu, em torno do campo santo no momento do sepultamento. O silencio foi quebrado com o buzinar dos carros a descer a urna mortuária. A banda sinfônica parecia chorar ao toque da marcha fúnebre. Ao toque do clarim solfejando lágrimas, a urna desceu a sua última morada sobre intensos aplausos do público silencioso no campo santo. Uma chuva de pétalas de rosas multicoloridas caiu do céu posto por um grupo de helicópteros do Governo do Estado.
Em meio do portão principal do cemitério, um homem embriagado gritou solenemente o seu louvor o grande homem que deixara o mundo dos vivos:
--- Viva o Brasil! Viva o Estado!  – gritou o ébrio.
Quase ninguém ouvira o que o ébrio falou. Apenas uns circunstantes. Uma moça sorriu calada sob o muxicão de sua mãe. Ninguém sabia quem era o homem. Talvez um simples ébrio. Todo agasalhado de roupa em frangalhos, paletó cor escura, calças também de cor escura aquele homem, alguém perguntou quem ele era. E ele então respondeu:
--- Eu não represento nada. Louzada foi meu mestre no campo de aviação. – respondeu o ébrio
Em seguida, o bêbado sumiu por entre a multidão que estava ao portão do cemitério.
Após o sepultamento do Governador Carlos Louzada, em um sábado depois do tormentoso e triste acontecimento Silas Albuquerque estava na praia de Coqueiros olhando o mar com todo seu entusiasmo ao lado do velho Diomedes. A mulher de Silas estava em sua mansão longe da margem do mar quase imune de ser alagada pela maré alta. Por certa vez Vera Muniz chegou até ao terraço da mansão, olhou para o marido, viu o velho Diomedes por breves instantes e entrou para arrumar o seu quarto. Na praia, Silas e Diomedes vislumbravam as jangadas. Silas era o mais feliz dos dois. Queria ver o que as jangadas pescaram enquanto estavam em alto mar. Era só orgulho o que o homem sentia. Ao ver as suas jangadas parecia ver um novo barco a pescar como se nunca houvesse visto um barco de pesca. Na verdade, ele nunca sentira a emoção de ter um barco. Quando passou a trabalhar na Agencia Pomar é que ele soube quanto vale o seu dinheiro. Pouco antes de ir trabalhar na Agencia, ele era um rapaz sem eira nem beira. Depois de ser um diretor de empresa viu o quanto vale ter dividendos. Mesmo assim, ele nem dava conta do fato. O que estava querendo era ver a pescaria. E os barcos chegaram a costa ancorando-se a beira mar. Nesse momento Silas e Diomedes já estavam no local para espreitar o peixe:
--- Que peixe é esse? – perguntava alegre o homem Silas.
--- Albacora! – respondia Tavinho, o homem da jangada.
--- E esse? – apontava ele para outro peixe.
--- Esse é cavala. – respondia Tavinho.
--- Hum! Vou ter muito que aprender. – relatou Silas a Diomedes.
--- Esses peixes são de alto mar. E se poder chamar por outros nomes até. – sorriu Diomedes.
--- Alto mar! E vem dar aqui? – indagou Silas abismado com a pesca.
--- É. Eles podem migrar para diversas regiões do oceano. Depende muito. -  sorriu Diomedes.
--- E você ainda acha graça! Eu sou burro mesmo! –  Silas reclamou observado ouras espécies.
Então Tavinho sorriu por ver que o patrão não entendia patavina. Com isso ele, Chico e o outro rapaz começaram a despejar na praia toda a produção do dia. Tavinho já vira que de peixe o seu patrão não entendia bem. E então quis saber qual peixe o homem queria ficar para o seu almoço. E perguntou:
--- Qual peixe o senhor quer? – indagou Tavinho a sorrir ainda de corpo caído para o chão.
--- Qualquer um. Tudo é peixe. – respondeu Silas olhando a cara de Diomedes.
--- Leva esse! – disse Diomedes.
--- Vai-te a porra! Você pensa que não conheço baiacu? – respondeu Silas com a cara feia.
E todos sorriram dessa vez.

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