quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

AMANTES - 68 -

Jessica Alba
- 68 -

Naquela manhã de domingo, desde as três horas da madrugada, Ligia estava empenhada em uma tela a óleo criando uma imagem de mulher e seu filho. A mulher acalentava a criança em um beco escuro e, talvez, mal cheiroso. Era um beco de uma cidade qualquer. A cena, Ligia tinha visto quando voltava para a capital. Ao cruzar uma pobre cidade, estava a mulher com seu filho. A mãe sempre a acariciar o pobre filho. Aquela cena foi tão emocional para Ligia que ela jamais esquecera. Mulher magra, raquítica, roupas velhas, sentada ao chão de pedra, em cima de uma ribanceira se guardado do sol das três ou quatro horas da tarde. Foi aquela cena impressionante onde Ligia pôs todo o seu empenho a elaborar em tintas o quadro da mãe e seu filho. Ela já estava a alguns dias fazendo a pintura a óleo e naquele dia, terminaria tudo por completo. Ligia já havia composto grande número de quadros, pinturas em tela e estava a guardar todas as representações em uma estante em um ponto do seu quarto, local que não deixava penetrar nem mesmo a sua prima Lia. O cuidado com a limpeza do quarto ficava sempre por responsabilidade da própria Ligia. Quando ela saía para o trabalho fechava a porta e guardava a chave em um pote em cima de um armário. Sempre alertava a prima:
--- Cuidado. Não bula nessa chave! – alertava Ligia a Lia com severidade.
--- Não sei por que tanto segredo! – respondia malcriada a prima Lia.
--- É segredo mesmo. Só eu cuido! – respondia com desaforo a pintora.  
--- Vai levar isso pro céu? – perguntava Lia com atrevimento.
--- Vou. Vou levar. Por isso não vá pegar em nada! – respondia Ligia desaforada.
E a mocinha Lia saiu da sala com um ar arrebitado como que conversa com as nuvens. Porém, naquele domingo, Ligia não teria conversa com Lia. Apenas ela acabara de pintar o quadro em tela e, ao final, pôs o seu próprio nome. Eram dez horas da manhã quando tudo estava concluído. O nome da tela teve mesmo a denominação de “Mulher com seu Filho”. Ligia deixou a secar a tinta e mais tarde, para o inicio da noite ela veria como guardá-lo na estante. Na sala de estar estava Lia a esfregar o chão. Porta aberta e ela apenas de camisola. E nem reparava mais o homem da luneta. Com certeza ela pensava de tal modo:
--- Deixa pra lá. É um velho. Nem ligo! – pensava Lia com os seus botões.
Foi nessa ocasião que o telefone tocou. Lia correu para atender pensando ser do interior. Após alguns segundos, a voz de um homem:
--- Não desligue, por favor. Eu só quero ver você trabalhar. – dizia a voz do homem.
--- Quem é o senhor? – perguntou Lia ao homem.
--- Ninguém. Venha para fora do kitnet, venha! - rogou o homem a suplicar.
--- Mas quem é o senhor, seu bosta? – reclamou Lia ao telefone.
--- Isso. Isso. Chame mais. Eu só quero ver você. - implorou aquela voz em desencanto.
--- Homem vá pra merda. Não tô nem aí. – respondeu Lia malcriada e desligou o telefone.
O aparelho voltou a tocar. Ela puxou de vez o fio da parede. E o telefone ficou mudo. Nesse momento, Ligia, alertada pelo barulho feito por sua prima, largou os pinceis no atelier de pintura e veio saber qual era o motivo de tudo aquilo. A mocinha já deixara da sala e aos berros descompunha o homem. Ligia sorriu e religou o fio do telefone na tomada adiantado não ser daquele modo se resolver a questão. Ao religar, o telefone tocou de novo. Ia de dentro da cozinha apenas disse a Ligia:
--- Atenda pra ver se não é o corno! – altercou Lia para a sua prima.
Ligia sorriu e atendeu ao telefone supondo ser, na verdade, o homem de instantes atrás. Porém, ao falar, a voz respondeu como de uma pessoa amada e querida. Era Silas, o seu chefe. Ele apresentou cumprimento e logo indagou se a moça estava a pintar quadros. Ligia sorriu e voltou a pergunta de como o seu chefe sabia das pinturas nem tão pouco divulgadas.
--- Eu tenho umas pinturas. Qual e o caso da pergunta? – sorriu Ligia a pergunta de Silas.
--- Não é nada. É que a empresa Pomar está pensando em expor pinturas de seus próprios funcionários. E se você puder, estamos gratos por isso. – sorriu Silas ao responde a Ligia.
--- Na verdade, eu tenho umas telas. Poucas. Mas eu faço quando estou em casa. Quando eu estou a viajar, então eu não faço. Tem mostras que eu gosto por demais de ver. Por exemplo, em Cannes, da França. – explicou Ligia a Silas. 
--- Ótimo. Ótimo. Mas você tem quadros em casa? – relutou em saber Silas.
--- Tenho bem poucos. Eu levo um tempo para fazer uma tela. – sorriu Ligia.
--- Ótimo. Ótimo. É bastante umas duas ou três. Você tem esse número? – voltou a querer saber Silas.
--- Tenho. Tenho. Mas, eu duvido que essas telas sirvam. São de um péssimo mau gosto. – falou Ligia ao ser perguntado.  
--- Não é preciso ser uma obra de arte esmerada. Basta você ter algo para mostrar. Eu pretendo discutir o assunto amanhã. A idéia foi de Vera. Vera Muniz, minha mulher. E se for possível eu posso ir até a sua casa junto com Vera para ver seus quadros. – respondeu Silas.
--- Pode vir. Não tenha cerimônias. A casa é simples. Eu morro em um kitnet. Mas cabe mais um ou dois. – sorriu Ligia já tremendo de nervosismo.
--- A que horas nós podemos ir ver suas pinturas? – perguntou Silas a Ligia.
--- A qualquer hora. O senhor é quem sabe. – sorriu acanhada a moça.
--- Hoje mesmo? – indagou Silas.
--- É. Pode ser. Eu ainda estou toda suja de tintas. Eu terminei uma tela e agora está secando. – relatou Ligia.
--- Ótimo. Ótimo. Então nós vamos à tarde. Após o almoço. Certo? – indagou Silas sorrindo.
Com isso ficou acertada a visita de Silas e Vera à tarde daquele dia para ver a coleção de quadros de Ligia Duarte, jovem de pouco mais de vinte anos. Ela deixou o Convento há poucos meses e passou a trabalhar a convite de Silas Albuquerque, na Empresa Pomar. Com isso fez viagens ao exterior em companhia do casal ou apenas com Silas Albuquerque. Com a notícia da chegada de Silas e Vera, logo a moça tratou de ajeitar o kitnet, repreendendo Lia de não mais querer ouvir lamúria sobre o homem ao lado da sua casa. E se ele telefonasse, era advertido para não chamar novamente, pois daquela vez seria chamada a policia. E Ligia abriu a porta e a cortina do kitnet para o homem poder ver quem estava ditando a ordem. Por momentos, o telefone não mais tocou. Parece até que o homem havia entendido a repreensão sofrida por Lia apesar de sua residência ficar em apartamento distante uns quinze metros da moça Ligia Duarte.
Quando chegou as três horas da tarde o carro de Vera buzinou em frente ao kitnet de Ligia. E assim, começou a visita do casal. De começo, nada de quadro. Apenas conversa. Lia chegou com uns copos de vinhos. Porém Silas, educadamente não quis beber tal vinho. E, por sinal, Vera também seguiu a mesma linha. Local aconchegante, dizia Silas a Ligia ao se referir ao kitnet onde ela habitava juntamente com a sua prima Lia.
--- É. Contudo é bem pequeno. Mesmo para nós. Somos duas. – falou Ligia a sorrir.
--- Isso, nós podemos ver. Se você paga um tanto por esse kitnet então veremos o quanto mais vai poder você desembolsar por um apartamento melhor. – sorriu Silas acompanhado por sua esposa.
--- Onde estão as telas? – perguntou Vera Muniz.
--- Ah as telas. São poucas. Estão aqui nesse quarto apertado. – sorriu Ligia.
E nesse ponto, Ligia foi com Vera e Silas até o quarto apertado cheio de estantes de telas em branco, telas iniciadas, tela posta de lado. Eram diversas varias pinturas não acabadas. Em um cavalete, tinha uma tela a secar. Ela era a mais recente produção da moça. “A Mulher com seu Filho”. Mesmo assim, a moça inda tinha guardado um imenso volume de telas nunca acabadas. Ela a seguir mostrou a tela que havia acabado naquele dia. E outra como Nossa Senhora “Mãe”. Uma eximia tela representando à santa. Ou simplesmente “Mãe”. Um magnífico quadro apresentado à santa com seu manto branco e mãos postas a rezar. Os olhos da Virgem era algo de singular. O seu rosto parecia querer-se tocar pela precisão com que fora oleado. Um encanto divino aquela obra de arte. É tanto que Vera Muniz sentiu um calafrio e em um momento apenas suspirou.
--- Magnífico esse quadro. Dá vontade até de a gente falar com a imagem da Santa. – sorriu Silas compadecido com a sacra imagem de Maria Mãe.
--- Estou toda arrepiada com essa tela. – falou Vera Muniz com temor de olhar ainda mais.
--- É a minha diversão. -  sorriu Ligia ao contemplar a Virgem Maria.

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