segunda-feira, 3 de outubro de 2011

ANA LUNA - 04 -

- Sally Field -
- 04 -
Na manhã do dia seguinte o delegado Euclides Castanheira ainda dormitava sentado nos seus acolchoados de veludo azul um tanto velho com os pés estirados sobre o birô cheio de papeis, tinteiros, canetas e outras matérias de suma importância. Ele não ouviu nem quando o homem da cozinha chegou com o seu café da manhã repleto de ovos, queijo de coalho, leite e pão em uma bandeja de prata. Castanheira estava a dormir a sono solto com a cabeça pendida para trás conforme lhe fazia o assento. O homem da cozinha pigarreou e nem por isso o delegado acordou. Teve ele uma noite pesada a procura dos matadores do homem que estava no necrotério e depois ainda assim foi prestar contas ao Coronel Ezequiel Torres de tudo o que tinha e não tinha sido feito porquanto a noite era escura e não deixava pistas dos quadrilheiros que estavam postos para matar na certa o homem que ele não conhecia. O sono profundo pegou o delegado desprevenido de tudo o que podia haver até mesmo a visita do Coronel Ezequiel e dos outros dois amigos, o Major Pontes de Mesquita e o capitão Zenóbio Manso que ficaram de chegar ao necrotério, um quarto escuro armado por trás da delegacia para ver se conheciam o homem que foi morto depois de tentar matar o Juiz de Direito do lugar.
O sono pesado do delegado evitou ele ver a chegada do coronel Ezequiel e seus amigos a sede do distrito policial na manhã bem cedo daquele dia. Quando o coronel entrou no distrito topou com a estranha figura do delegado a dormir com suas pernas sobre o birô. Foi então que o Coronel Ezequiel chutou as pernas do delegado de cima do birô e mandou que ele acordasse, pois não havia cabimento de um homem tão novo dormir daquele jeito.
--- Acorda nojento! Não vê que é de manhã? – reclamou o coronel com o rosto cheio de rugas.
O homem recobrou a sua posição, mesmo cansado e com sono dizendo que estava lendo o relatório que tinha feito naquela hora.
--- Desculpe Coronel. Eu estava lendo o relatório do caso. – disse Euclides Castanheira meio aturdido no seu sono.
--- Lendo que nada. Levanta! Vamos ao necrotério pra ver o defunto!. – reclamou o Coronel com muita raiva.
--- É prá já, coronel. É prá já. Sabugo cadê a chave, peste? Sabugo! – chamou o delegado o homem que fazia as suas refeições de dia.
O homem veio com pressa para atender ao delegado dizendo que as chaves estavam mesmo com ele, o delegado. E deu bom dia aos presentes que estavam no distrito perguntando se os visitantes não queriam café.
--- Sabugo? Que nome mais nojento! - reclamou com aspereza o Coronel Ezequiel de modo desajeitado.
--- É o meu nome, senhor. Sebastião Sabugo. Eh eh. – achou graça Sabugo.
--- Sabugo! Cadê a chave, delegado Euclides? – perguntou exasperado o coronel.
--- Está aqui, meu coronel. Está aqui. Podemos ir já. - respondeu tímido o delegado.
E os quatro homens seguiram direto para o necrotério, um quarto escuro onde estava o cadáver do homem desconhecido. O delegado abriu a porta e entrou sentindo o cheiro do formol que o farmacêutico Levi havia despejado em torno do defunto quando retirou o sangue coalhado dos ferimentos do homem. Naquele instante o defunto estava totalmente despido. O coronel de acercou do defunto e fez um balaço com a cabeça que ele não tinha conhecimento de quem seria. Em seguida perguntou ao Major que também não o reconheceu. Nem o capitão também. Nesse instante, dando o caso por encerrado. O coronel se voltou quando Sabugo falou:
--- Eu conheço o homem. – disse Sabugo como não querendo dizer.
--- Conhece? De onde você o conhece? – perguntou irritado o coronel.
--- Da cadeia. – falou Sabugo.
---Cadeia? Mas que cadeia? – indagou o coronel.
--- De Pilar. No outro Estado. Quer dizer: Eu conhecia ele há mais tempo, desde menino. Ele é Joca de Mundica. Raimunda é o seu nome. Nós éramos meninos. Ele cresceu. Aos doze anos inventou de se armar. Começou a atirar. Fez bravatas. E de um momento para outro se tornou pistoleiro de aluguel. Matava um por nada. Até que um dia matou o filho do coronel Abel. Abel Viana. Seu filho também se chamava Abel. Foi crime encomendado. Ele acertava numa moeda em pleno ar. Não errava um tiro. A Polícia me prendeu. E quando estava na cadeia, eu servia a refeição dos presos. Eu era empregado da cozinha. Era uma gororoba que se servia ali. Coisa imprestável. Certa vez ele me perguntou se eu podia ajudar ele a fugir. Eu disse que não, pois se ele fugisse quem pagava a pena era eu. Ele me tentou por várias vezes. Um dia, quando eu tinha que servir a boia, notei que Joca tinha fugido com a ajuda do guarda Nicácio que fugiu também. De Nicácio nunca mais se ouviu falar. Com certeza Joca o matou também. Ou então ele esta em alguma fazenda por ai. Eu tive empregado na cadeia até um bom tempo. Lá, eles serviam uma boia horrível e não me pagavam nem um vintém. Eu saí de lá por isso. De Joca, não tinha mais ouvido falar. Eu procurava trabalho aqui e acolá. Quando não encontrava arrumava uma confusão e os guardas me prendiam. Por isso hoje estou aqui. Aqui a bóia é boa. Vivo tranquilo e é tudo que eu quero. - terminou a sua explicação o caboclo Sabugo.
--- Mas o Joca não errava um tiro? – perguntou o Major Pontes.
--- Não. Não errava um. – respondeu Sabugo.
--- E como ele errou no Juiz? – perguntou o Major.
--- Com certeza foi mandado. – respondeu Sabugo.
--- Mandado errar! - inquiriu o Major Pontes.
--- Sim. Pois foi. – retrucou Sabugo.
--- Interessante! Mandado errar para depois ser morto! – conjecturou o Major.
--- Eu não conheço o Juiz. Se eu vir posso até me lembrar de que ele pode ter sido daquela região de Pilar. Não sei não. Pode ser. – voltou a falar Sabugo.
--- Que achas, coronel? – perguntou o Major ao Coronel Ezequiel.
--- Faz sentido. Faz sentido. – respondeu o coronel pouco cabisbaixo.
--- E quem matou Joca, Sabugo? – perguntou o Capitão Zenóbio.
--- E como vou saber? Crime encomendado é assim! – respondeu Sabugo.
--- Sei não, coronel! Esse homem sabe mais coisa! – disse o Capataz Zenon ao coronel, meio desconfiado.
--- Sabe mais coisa o que? Sabe mais coisa o que? Você não é Feitor? Pois devia saber disso como se faz! Ora! – falou alto o mulato Sabugo.
--- Cala a boca negro safado! – respondeu o Capataz.
--- Cala boca, não. Quer fazer uma aposta? – perguntou Sabugo, interessado.
--- Que aposta, negro? – perguntou o capataz Zenon já interessado.
--- Tá vendo aquela cerca? Vamos correr até lá. O que chegar primeiro é quem fala a verdade. Vamos? – falou Sabugo eufórico.
--- Mas daqui pra lá não tem dez metros, negro. – respondeu o Feitor, desapontado.
--- Pois é. Quem chegar primeiro vence! Quer? – perguntou Sabugo de modo saliente.
O Capataz Zenon olhou para o Coronel como pedindo sua autorização e este lhe deu. A arma tinha que ser dada ao coronel, para não haver tropeço. Sabugo não tinha armas. Então, todos foram para fora do necrotério ver os dois contendores. O que chegasse primeiro era o vencedor da contenda. Tinha até vaqueiros de ambos os lados a torcer por um e por outro a gritar numa algazarra infernal. Os dois competidores já estavam preparados para a corrida obedecendo à ordem do coronel Ezequiel. De justo momento, o Feitor se lembrou de tirar os sapatos e ficar por igual com seu adversário. Tirando as botas, os dois estavam preparados para a corrida. Com o disparo, teve inicio a contenda sendo que Sabugo calçou o Feitor e este caiu de cara no chão enquanto o outro corria até a cerca e voltava vendo ainda o Feitor todo lambuzado, cuspindo areia e sob as graças do coronel Ezequiel, do Major Pontes, do Capitão Zenóbio, do delegado Euclides e de todos os vaqueiros presentes. Zenon dizia:
--- Isso não fica assim não. Me espere! – falou Zenon
Entretanto, todos gargalharam afinal tendo o coronel rodopiado no local, quase morrendo de achar graça com a astucia de Sabugo, moreno como ele disse que a sua mãe era branca, seu pai era branco, seus irmãos eram brancos e só ele nasceu moreno.
--- Vá ver que sua mãe botou chifre no seu pai. – respondeu o coronel em meio de inteira gargalhada de todos os que estavam ali. Na continuação, o Coronel disse que tinha gostado demais do moreno e ele estava convidado para ir trabalhar da fazenda o que Sabugo respondeu;
--- Se tem comer, eu vou! – e caiu na gargalhada sob os olhares desconfiados de Zenon.

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