segunda-feira, 17 de outubro de 2011

ANA LUNA - 18 -

- Chloe Moretz -
- 18 -
No dia seguinte, logo cedo da manhã, o capitão Martinez se despediu com efusivo esmero do coronel Ezequiel dando-lhe como presente o par de pistolas que tomou do bandoleiro Calvino Quaresma que procurava chamar de Diabo Louro para impressionar aos demais que se debatiam com ele. As armas que ele confiscou do bandido eram de um esmerado feitio. Cano longo, niquelado, cabo de madrepérola e um detalhe a mais: tinham sido feitas especialmente sob encomenda para disparar sete tiros eu lugar de seis como era costume. Quem travava duelo com Quaresma contava até seis. Porém o marginal tinha um tiro a mais. Por isso, o homem morto se orgulhava amplo das armas que trazia com ele. O capitão Martinez cumprimentou o coronel Ezequiel e chamou a atenção para o detalhe do sétimo tiro. Para quem não sabia, esse disparo seria fatal. O coronel ficou alarmado e feliz por ter recebido tal presente de um amigo sincero, como Martinez. Depois de se despedir, Martinez e seus amigos, então quatro, seguiram viagem por caminho difícil de serem encontrados.

Passaram-se dias naquele alto sertão. E veio a chuva. Chuva torrencial. Vento frio, gélido, soprando como um assobio sibilante de serpente entrincheirada na gruta da mata. Águas caudalosas encharcando o chão, trovões e raios cortando o céu espalhando por todos os lados o matagal cuja força era insuficiente para tal temor da natureza, envergando e retorcendo as robustas árvores centenárias, torcendo os mais tenros arbustos, levando ninhos de pássaros, cotovias que faziam seus ninhos até mesmo no chão em regiões arenosas, sabiás, anum, pássaros canoros e tantos outros cujo canto era silencio. Era tempo de inverno como jamais se vira acontecer, diziam alguns vaqueiros. A natureza se rompia em verdadeiro açude no campo. Frio e chuva com suas inversões térmicas. No campo, os vaqueiros procuravam reunir o gado em locais mais elevados temendo as cheias dos rios e riachos. O alagado e a lama vinham por todos os lados deixando o pessoal do sertão com temor de se tornarem vítimas. A única escolha era se abrigar em suas casas. E nas vilas, sempre edificadas em partes mais baixas o temor era ainda maior. Quando amanhecia a pessoa estava a observar para o mais alto da montanha o quanto era de chuva que teria de suportar naquela temporada cujo tempo era de três meses, se fosse inverno normal. Pela tradição vinda dos homens mais velhos, dizia-se que aquele seria um inverno sem igual ao do ano anterior. As aves, em sua maioria, migravam para cantos mais quentes com o saber da natureza. Quando em certo dia o Juiz Mardoqueu Ramos haveria bom inverno naquele recanto onde estava, resolveu partir, em meio da forte chuva, pedido para que Guacira seguisse com ele até a vila, conduzindo a carruagem que o levaria embora. Guacira aceitou o convite, mas pediu apenas que o Juiz celebrasse seu casamento com o rapaz Sebastião Sabugo antes que ele seguisse viagem.

A casa toda se arrumou debaixo do temporal que estava a cair. As moças filhas do coronel Ezequiel se ajeitaram na fuzarca com todo o ímpeto da juventude. Até mesmo o coronel caiu na gandaia animando mais ainda a festa. Chamou-se Félix com seu velho fole para animar a festa cuja duração não se tinha noção de acabar. O Juiz Mardoqueu parece ter saído de um tempo para outro, pois nunca vira festa tão animada como a que se estava fazendo. Comidas como nenhuma com as mulheres e moças da cozinha também faziam festa como se fosse à velha senzala onde os negros estavam então agasalhados sem presença do feitor Zenon com seu chicote de couro. Sabugo estava feliz ao meio de Zenon, o feitor e ao lado do Juiz Mardoqueu. O coronel era todo satisfeito com suas moças fazendo alaridos por demais. A noiva Guacira nem se contava de tão contente que estava portando vestido de noiva com roupas antigas, porém de doces recordações para o coronel. Ela era a presença de quando o coronel Ezequiel se casou naquela mesma Casa Grande. Notava-se enfim entre risos e salutar amizade o coronel a chorar de emoção lembrando o seu antigo amor. E a festa continuou por todo o dia e noite com bebidas e comidas dentre outras da bela festa. La para as tantas o coronel a soluçar de encantos e os noivos a sorrir com tudo o que acontecia. Sabugo já meio ébrio dizia.

--- Viva a noiva! – gritou o noivo.

--- Vivaaaaa! – gritaram os demais com as filhas do coronel.

--- Viva o noivo! – exclamou a bela noiva um tanto embriagada aquela altura dos acontecimentos.

--- Vivaaaaa! – gritaram todos.

Eu um canto da grande mesa em que eram servidas as comidas e bebidas ouviu-se um grito meio naufragado pelos torpes efeitos da bebida.

--- Viva eu! –gritou o coronel embriagado e meio rouco sem esquecer-se de seus ics.

E a turma da festa gritou!

--- Vivaaaaa! – todos gritaram ao seu jeito de gritar no restinho do casamento.

O tocador de fole, o velho Félix continuou a festa para todos os que ainda estavam de pé, inclusive o Juiz Mardoqueu; o anfitrião da fuzarca, coronel Ezequiel, suas três filhas, Vera Luna a mais velha de todas, Olga Luna, a professora das crianças e a mais nova que estava para seguir viagem para a capital do Estado, onde seguiria a carreira de professora, Eunice Luna. Das três irmãs, a mais velha, Vera Luna era a única que tinha namorado um dos filhos do velho Major Pontes de Mesquita. Esse rapaz, pela surpresa da festa, não se encontrava presente a festa do casal Guacira e Sebastião Sabugo naquele dia de chuva.

No dia seguinte o Juiz Mardoqueu seguiu viagem para a Vila Riacho das Pedras onde depois dali tomaria um novo destino. O dia amanheceu com Sol e isso propiciava uma viagem mais tranqüila. A charrete era dirigida pela nova mulher, Guacira, esposa do moreno Sebastião Sabugo. Ela era de pele clara. E o noivo era um pouco moreno. Isso não preocupou Guacira. Ambos se amavam e já havia namorado em tempos passados. Atrás da charrete viajava o seu marido, Sabugo. Ele foi à retaguarda por medida de precaução.

A certa altura do trajeto a charrete foi interceptada por três pessoas que se postaram a frente da carroça. Guacira não esboçou preocupação. Apenas perguntou ao Juiz:

--- O senhor está lembrado dele? – perguntou baixinho Guacira.

--- Claro que estou. O do meio é Abel Viana. – respondeu baixinho o Juiz.

Então eles esperaram pela decisão de Abel Viana que logo disse.

--- Moça. Desça daí. Não quero matar você. Meu caso é com ele. – disse Abel Viana.

Então Guacira procurou saltar da carroça de modo tranquilo não demonstrando ter armas escondidas. E foi saindo vagarosamente para trás da carroça onde Abel pudesse vê-la abertamente, sem se preocupar.

---Seu canalha. Apronte-se para morrer – disse Abel Viana ao Juiz.

E apontou seu rifle em direção ao doutor Mardoqueu. Em instantes, uma faca saiu feito uma lança e se cravou na garganta de Abel o fazendo atirar para cima enquanto caia. A seta foi lançada por Sabugo naquela mesma hora. De repente Guacira mirou com sua arma trazida por baixo da capa em um dos capangas e fez fogo enquanto que o Juiz Mardoqueu abateu com um disparo de revólver o outro bandido que nem teve tempo de apontar a sua arma. Os três morreram no local. Mardoqueu ainda foi ver a situação de Abel Viana e este ainda relutava viver quando olhou para Mardoqueu e apenas disse.

--- Porco imundo! – cuspiu e deitou a cabeça para a morte.

O tiroteio foi ouvido na fazenda do coronel Ezequiel que, na companhia de vários pistoleiros alcançou a carroça em instantes. No meio de tudo e de todos, estavam Guacira, Mardoqueu e Sabugo vendo o estrago que eles fizeram.

--- Tiveram morte rápida. – disse Sabugo.

O Juiz sorriu. E o coronel perguntou em sobressalto.

--- Como ele soube que o senhor ia para a Vila? – perguntou o coronel.

--- Com certeza gente dele que estava no cercado. Só penso nisso. – respondeu o Juiz.

--- Puta merda. Tenho que verificar um por um. ZENOOOOOON!!! - gritou o coronel.

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