terça-feira, 4 de outubro de 2011

ANA LUNA - 05 -



- Julie Andrews -
- 05 -
Às primeiras horas da tarde daquele mesmo dia o coronel Ezequiel Torres estava a pensar severamente no Juiz Mardoqueu Ramos que se encontrava convalescendo do ferimento de bala sofrido no dia anterior. O tiro foi deflagrado pelo bandido Joca de Mundica, homem que não errava um disparo pelo que dissera na manhã o serviçal Sebastião Sabugo ainda na cadeia que então foi morar na Casa Grande do Coronel a convite do mesmo para prestar serviços gerais. O Coronel, pensativo, resolveu então ir à casa do Juiz para lhe fazer uma visita de cortesia. Aproveitando a oportunidade, ele levaria o serviçal Sabugo acompanhado do seu capataz Rafael Zenon e mais três capangas, homens decididos para matar ou morrer em caso de haver qualquer tipo de atentado no caminho, vez que o Coronel Ezequiel tinha numero expressivo de inimigos violentos e sanguinários como era o caso do Barão de Itabira. Para então chegar a um acordo verdadeiro ele chamou os dois rivais, Zenon e Sabugo, para que eles fizessem as pazes e não restassem dúvidas de inimizade. E assim se fez e assim se deu.
--- Posso confiar em você, Zenon? – perguntou o Coronel ainda duvidoso do acordo.
--- Pode, sim, senhor. Por mim não há ressentimentos. O senhor é quem manda. Sabe que fui criado aqui desde menino. O meu pai era seu Feitor. Eu fiquei no lugar dele. O senhor mandando, está mandado. Juro por Deus, Coronel. – falou Zenon uma vez quieto.
--- Olhe cabra! Não me vá falhar. Está ouvindo? – falou serio o Coronel.
--- Não se preocupe. O senhor, agora, é meu pai de verdade. Minha mãe trabalha na Casa Grande desde muito tempo. E eu obedeço inteiramente ao senhor. Juro por Deus, meu coronel. – resolveu o Feitor.
--- Tá bom. E você, Sabugo? Tudo certo? – perguntou o coronel de modo para convencer ambas as partes.
--- Para mim, o senhor é quem manda coronel. - respondeu Sabugo inteirado do que já dissera o Feitor.
--- Bem. Vamos à casa do Juiz, até porque o homem é que eu pouco conheço e Sabugo terá oportunidade de vê-lo melhor. Veja bem, Sabugo. Você vai ser chamado de Manoel e é meu afilhado. Não se esqueça disso. Eu entro só com você e Zenon monta guarda mais os três rapazes do lado de fora. Vamos saber agora quem é a fera. Se for conhecido de você, fique calado. Se não for também fique. Só eu falo. Entendeu? – perguntou o Coronel Ezequiel a Sabugo.
--- Entendi, sim, senhor. Entendi. – respondeu o mulato Sabugo.
A caravana saiu do Rancho Maxixe com seus três homens na frente e três para traz. Ao passar pela porteira, quem abriu foi o feitor Zenon. E logo os homens estavam a caminho da Vila Riacho das Pedras, lugar ainda bem pequeno para ser chamada de uma cidade. O sol era escaldante àquela hora da tarde fazendo com que o coronel Ezequiel Torres enxugasse a testa vez em quando com tanto suor que escorria. O mulato Sabugo estava de roupa nova bem ao modo de ser chamado de sobrinho do coronel. Calças novas de outro vaqueiro que não mais utilizara camisa quadriculada, lenço no pescoço, sapatos quase novos e chapéu de abas largas ao modo do vaqueiro nordestino. Ele era todo orgulho com a sua nova e magnífica indumentária. Parecia até um novo homem de tanto enfeite que recebera. Sabugo não cabia em si por tudo aquilo que recebera da gente do coronel Torres. Como sempre, Sabugo não conduzia arma armamentos, nem mesmo um insignificante punhal. De cara, ele todo alegre e altivo como nunca havia sido na vida. Ele nem parecia com aquele traste que horas antes esfregava o chão da cadeia pública. Por seu lado, o feitor Zenon fazia cara feia pela roupa que o negrinho vestia. Afinal, aquele homem não passava de um reles “negrinho” apesar de ter pai e mãe brancos. A cara de Zenon dava gosto de se ver. Sabugo todo altaneiro. Zenon era um desastre de horror. Muito embora a caminhada fosse pouco longa, vez que a Vila Riacho das Pedras ficava no baixo do terreno daquele sertão, os seis cavaleiros venciam o cavalgar sem maiores precauções ou atropelos. O silencio era total de parte do coronel, a não ser quando um mosquito lhe espantava o pescoço e ele dizia ao tempo em que matava o inseto.
--- Sai daqui diabo! – falava o coronel com a cara feia e enrugada.
Ao chegar da Vila, o coronel Zenon achou de dar uma parada na delegacia de policia, pois afinal o delegado, os policiais e o prédio eram todos dele como quase toda a vila também, ou toda a vila por certo. Ao desmontar do seu cavalo, o homem foi entrando no distrito policial acompanhado do feitor Zenon e do moreno Sabugo, então todo vestido de novo. Ao entrar o Coronel Torres foi pego de surpresa. O delegado Euclides Castanheira estava dormindo a sono solto, com a cabeça derreada sobre a cadeira almofadada e os dois pés em cima do birô. O coronel chamou baixinha a atenção do feitor Zenon olhando para a cara do delegado:
--- Dá gosto de se ver. Dormindo como um anjo. Nós podemos ficar aqui a tarde inteira que ele nem dá fé. Lindo delegado de polícia que eu coloquei aqui, não é Zenon? – falou o coronel Torres de forma alegre e cheia de orgulho.
--- Pois é coronel. Pois é. Nem parece que tem trabalho – respondeu Zenon.
O Coronel Torres se enfezou na ultima hora e partiu para cima do delegado agarrando o homem pelo colarinho de seu uniforme e gritando sem esperar por mais nada;
--- Acorda imbecil!. Acorda!. Não está vendo que tem gente na sala? – gritou o coronel de forma bruta e cruel.
--- Prenderam os elementos? – perguntou o delegado de forma aturdida.
--- Que elementos, delegado? Que elementos? – falou com verdadeira antipatia o coronel, cara com cara com o delegado.
--- Desculpe Coronel. Eu pensei que fossem os homens. – respondeu o delegado se pondo então em forma com seu colarinho nas mãos do coronel.
--- Eu tenho cara de andar prendendo homens, ilustre delegado? – argumentou o coronel.
--- Tem, sim. Não senhor. Não senhor, coronel! – respondeu o delegado cara com cara com o coronel Torres já tremendo de medo.
--- Quem fez seu almoço, hoje, heim delegado? Quem fez? – perguntou o coronel já com os bofes pela boca.
--- Foi ele, coronel. Foi ele. Mas quem é esse moleque? – perguntou assombrado o delegado ao ver Sabugo vestido quase a rigor.
--- Ele é o meu assessor, delegado. Meu assessor. Depois de Zenon quem manda é ele, queridinho delegado. - - rosnou o coronel cara com cara com o delegado.
--- Assessor? Que diabo é isso coronel? – perguntou o delegado Euclides ao coronel cara com cara.
--- Levanta traste!. Levanta! – soltou o delegado então o coronel.
Ele passou em revista todo o canto da sala do delegado encontrando marcas de cigarros, charutos, fumos, papel amassado pelo chão. Uma verdadeira bagunça estava a delegacia. Depois de ver tudo aquilo, o coronel falou como se tornava tão nojenta uma delegacia de policia. Não tinha um canto sem sujeira. E de tudo isso ele reclamou. Por fim, o coronel procurou por um soldado. E o delegado respondeu.
--- Na cozinha, coronel. Na cozinha. – respondeu o delegado Euclides.
--- Vamos vez o que ele está fazendo! – respondeu com muita raiva o Coronel Torres.
Então caminhou direto para a cozinha parando na primeira cela que encontrou. O soldado estava a dormir tranquilo chega nem fechava a boca. Ele estava dormindo com as mãos encruzadas no peito e de boca aberta. E o Coronel se espantou:
--- Ora veja só. Dormindo que nem gato. Uma linda criatura. Vamos ver de perto como ele dorme. Talvez até sonhe. Não é Zenon? – perguntou o coronel Torres pleno de mimosidade.
--- Não se deve nem acordar. Pode até ter um desmaio, coronel. – respondeu Zenon.
--- Sabe que você tem razão? Chute a cama dele para ver se ele acorda! – respondeu o coronel rosnando de raiva.
Então Zenon deu um chute com máxima vigor no colchão em que dormia o soldado que pôs o homem bem mais alto do que podia. Quando o militar de pronto acordou foi logo dizendo.
--- Você não está vendo que sou um militar? – perguntou o soldado com muita raiva.
--- Estou vendo sim, soldado. Estou vendo que você está dormindo na hora do serviço. Agora tenha a bondade de lavar o rosto e limpar o chão da cadeia que você sujou soldadinho de chumbo. OUVIU CANALHA? – rosnou o coronel bem na cara do soldado.
--- Sim senhor majestade. Quer dizer: Coronel Torres. É pra já. – respondeu o soldado levando um empurrão do delegado que estava na porta da cela.
--- Veja delegado. Vou sair. Mas eu volto para ver se tudo está direito. Ouviu bem? Que cidade é essa? Não tem delegado, não tem....A propósito. Onde está o defunto? – perguntou o coronel Ezequiel Torres.
--- Mas o defunto já foi enterrado, coronel. Mandei o ferreiro fazer o caixão e enterrar hoje mesmo. – respondeu o Delegado Euclides.
--- O ferreiro? Mas que tem a haver ferreiro com caixão de defunto? – perguntou o coronel com bastante raiva.
--- É ele que cuida de tudo isso, coronel. – respondeu o delegado meio encabulado.
--- É danado. Um ferreiro que prega e enterra. Vamos embora negrada, antes que ele pregue a gente. Ou enterre! – rosnou o coronel Torres.
E logo em seguida o Coronel Ezequiel Luna Torres saiu da delegacia rumando para a casa do juiz Mardoqueu para onde ele já devia ter chegado. A chegada do coronel se deu logo após ele ter saído da delegacia de polícia. Ao chegar na casa do Juiz de Direito Mardoqueu Ramos, uma casa baixa de uma só entrada, o coronel recomendou que Zenon ficasse de fora, observado a tudo e a todos e que os três jagunços ficasse um do lado direito da porta e os outros dois no final da calçada para ver quem passava por ali. De resto, o combinado era de que Sabugo se chamaria Manoel e afilhado do coronel. Ficaria calado o tempo todo. Então, o Coronel Ezequiel Torres bateu a porta e veio de imediato atender um rapaz que fazia a vez de enfermeiro, mas trabalhava no balcão da farmácia de Epaminondas Levi o homem que fazia a vez de médico da vila. O coronel logo entrou e perguntou como estava passando o juiz Mardoqueu.
--- Assim. Assim. Nem come. Só bebe água. O ferimento foi no peito saindo nas costas. Ele nem fala. – disse o rapaz.
--- Mas posso entrar? – perguntou o coronel preocupado.
--- Pode. Pode. Mas não faça falar muito, pois isso junta gases. E ele nem pode tossir. – recomendou o balconista da farmácia.
--- Tá bem. Eu entendo. É só uma visita rápida. Não me demoro. – falou o coronel.
E então, o coronel Ezequiel Torres e seu afilhado Manoel seguiram para o quarto em que o paciente estava um quarto que foi transformado em enfermaria, porém de tudo havia ali que Manoel pudesse observar. É tanto que o rapaz ficou de pé a olhar uma coisa e outra, até mesmo um revolver que tinha deflagrado dois tiros e um papel com o nome de “Abel”. De resto tudo aparentemente normal. O coronel Ezequiel Torres foi quem começou a conversa sem muito chamar a atenção do Juiz Mardoqueu.
--- Ora viva meu nobre amigo Mardoqueu. Assim é que se mostra destemor. Não precisa falar. Eu só vim trazer meus votos de recuperação imediata. Se bem que um ferimento como este deve levar uns três meses. Eu tive um amigo que sofreu igual ferimento. Levou três meses para se recuperar. Mas o senhor é um homem forte. O fraco, no caso, foi o que veio ferir o senhor. O delegado já enterrou o bandido. Ora vejam só. Ele está esperando para que o senhor se recupere para poder tomar seu depoimento. É isso velho amigo. Hoje eu vim na cidade e aproveitei para te fazer uma visita, apesar de não ser à hora ideal. O senhor sabe, não é? Mas folgo que o senhor esteja melhor o mais rápido possível, pois precisamos do senhor no Conclave, está entendo? Mas não se preocupe. Podemos esperar que se recupere do ferimento que o canalha lhe fez sofrer. Por isso, é só. Visita rápida. O médico pediu isso. A propósito. Eu tive um amigo em Pilar – não sei se o senhor conhecesse Pilar – que sofreu igual acidente. Saúde. É o que desejo a meu nobre e cordial amigo. Enfim, passar bem. Bom tarde, velho amigo. – comentou o Coronel Ezequiel Torres.
Logo saiu e agradeceu ao enfermeiro a presteza de tal visita. Quando saia da casa do Juiz Mardoqueu, sentiu um empurrão que lhe dera o rapaz Sabugo.
--- Cuidado coronel. – gritou Sabugo empurrando o homem para um canto.
Um homem que estava no outro lado da rua fez disparo certeiro. O empurrão livrou o coronel. De imediato, Zenon atirou no homem acertando no peito e lhe causando a morte. Nesse mesmo instante os jagunços atiraram também. O cavalo desembestado pára na frente dos defensores do coronel. O seu matador vinha atirando a torto e a direito procurando matar o coronel. Zenon fez mira e acertou no bandido que logo caiu. Um terceiro homem fugiu desesperado por uma rua próxima. Os capangas do coronel perseguiram atirando até que um deles acertou o atirador bem na nuca, fazendo cair logo em seguida. O segundo pistoleiro apenas teve tempo de dizer:
--- Encomenda! Encomenda! – e caiu morto.

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