sexta-feira, 15 de março de 2013

"NARA" - 19 -

- Michael Cuesta -
- 19 -
VACAS
Na sexta-feira, ainda, o pai de Eurípedes recebeu um telefonema onde a pessoa pedia sua presença imediata na Fazenda “Boqueirão”. A questão era o gado está morrendo de sede e fome por causa da estiagem. Na mesma ocasião seu Amaro alertou sua esposa, dona Clotilde de ser preciso seguir para o campo onde não chovia há seis meses e seu gado estava morrendo a mingua para o desespero do criador. Com toda a pressa o velho e dona Clotilde se prepararam para seguir viagem. De imediato ambos foram para a fazenda a fim de cuidar da amarga situação do gado bovino. Há algumas semanas a situação era de penúria onde seu Amaro via a morte das reses pela falta de água. E por conta de tal fato, a dívida do velho somava o montante de mais de um milhão e meio de cruzeiros às instituições bancárias. Além de seu Amaro ainda havia outros criadores em igual situação. Deslocar o gado para outras reservas já não se podia fazer, pois a seca assolava toda a região do Nordeste brasileiro. Era costume se veem os flagelados seguirem a pé famintos como andarilhos em busca de proteção e de ajuda dos maiores homens do campo. Esses homens, por sinal, já estavam a depender da ação do Governo Federal para salvar a sua lavora e o gado.
Por volta das oito horas da manhã seu Amaro chegara a Fazenda “Boqueirão”. Uma enorme fazenda vinda de herdeiros desde o tempo colonial. À entrada do sítio o homem já percebera quanto era o estrago. O gado morto ou por morrer. Água do riacho tinha secado de vez. Na verdade, o riacho “Dois” já estava quase seco na última semana. E depois disso, não chovendo a água sumiu por completo.  Amaro estremeceu de raiva. Ele pensava de tudo. Mesmo o que não restava. A sua mulher lamentava o estrago do gado. Sem comida, tudo seco de não haver nem cobra naquele estado de penúria era de meter medo na vista. Os cata-ventos pareciam desolados. Água não havia para puxar. Dos trabalhadores da roça muitos já tinham saído à procura de ajuda na repartição do Governo. Os mais resistentes continuavam na luta. O caso era puxar as carcaças para lugar mais afastado e então queimar tudo sem dó nem piedade. Eram apenas carcaças de gado morto. O touro “Brabo”, chamado assim por sua valentia, tinha morrido na quinta-feira. O boi “Manso” estava deitado como a dormitar em baixo de um pé de Amargosa, pau resistente e útil para consumo veterinário. De alimento, havia como principal o “Sodoro” conhecido por Xique-Xique com resistentes é uma das plantas a sobreviver à aridez da seca. A falta de pasto era a consequência da falta de chuva. Na total ausência de ração o sertanejo passou a queimar o “Sodoro” ou Xique-Xique. O azul do Céu era limpo, sem nuvens, mas aterrorizante. Com calor e tudo os homens queimam o Sodoro para dar de comer ao pouco gado restante. Mesmo assim, o pouco gado não resistia apenas se alimentando de Sodoro. O que é verdade era o cemitério dos animais ao redor da casa.
Vaqueiro:
--- Tá tudo morto seu Amaro. Hoje morreram sete vacas no curral. – falou o vaqueiro ao notar o homem chegar.
Amaro chorou de tristeza por saber do touro “Brabo” e a sequidão do Riacho “Dois” de todos os riachos o mais resistente à seca. O riacho vinha da serra e seguia mundo afora até chegar ao Oceano com outro nome. Sem saber o que dizer, Amaro apenas chorava. A tristeza se abateu por completo naquele ser tão disposto e valente para topar a difícil vida do homem do campo. Nascido em terras da Fazenda “Boqueirão”, Amaro sempre foi bem disposto nas circunstancias adversas da vida. A sua mulher, Clotilde, também nascera naquele interior do Nordeste e em tal instante de penúria ela se acercou do marido pondo afinal um pouco de conforto com o abraçar do seu meigo ombro. Naquele jeito autônomo o homem não se deixou por vencer, apesar de ao seu redor os urubus estarem fazendo a festa por causa dos cadáveres de vacas. Ossos ressequidos por todo o canto do imenso quintal era a marca da desgraça a afetar os animais grandes e pequenos além de ovelhas e cabras a também serem vítimas da sequidão.  Com a grande seca do seu amado sítio, após algum tempo, seu Amaro tomou decisão de mandar para outro Estado os animais ainda com vida para ele não ter de sacrificar a corte de facão os sobreviventes da mortandade.
Amaro:
--- Não tem jeito. Eu vou parar por aqui. Ou o Governo constrói barragens em todo esse território ou ninguém vai querer mais criar gado. Já ouço falar a muito tempo as vozes da seca afirmando ser o Nordeste o território da miséria. De fato isso pode ser o sertão dos famintos. – falou o homem o seu pensar.
Vaqueiro:
--- Aqui não tem gente que fale com o Presidente, senhor? – indagou cheio de dúvidas um dos vaqueiros presentes.
Amaro;
--- Esses bostas só pensam em ganhar dinheiro. Não pensam no sacrifício que nós sofremos. E nem querem saber! – relatou Amaro Borba a cuspir de lado.
Vaqueiro;
--- Pelo visto não vai chover por longo tempo! -  informou o vaqueiro a levantar um dedo para o Céu como medir o tempo e voltear a cabeça para os lados.
Amaro:
--- Tem de se conseguir carros-pipa, açudes, cisternas e transposição de rios. Assim o negócio tende a melhorar. Mas isso leva muito tempo. Talvez um século ou mais. – falou desventurado o homem.
Vaqueiro:
--- Por aqui não tem lugar de se encontrar nem água para o povo. Essa gente vive ao Deus dará. – confessou o por fim o vaqueiro.
Amaro:
--- O sertanejo é antes de tudo um miserável e faminto. O caso é o empobrecimento de todos. – relatou com remorso seu Amaro.
Vaqueiro;
--- Nós, aqui, só comemos palmas. E de quando em quando um preá. – falou desolado.
Naquele dia seu Amaro passou a vista nas carcaças do gado e dos caprinos e lamentou por não ter armas para enfrentar a burguesia arrogante do País. E andou a esmo por todo o território do seu sertão maravilhoso vendo o que ainda não vira. A terra seca e carcomida. Era um pasto repleto de carcaças.
Amaro;
--- Nós vamos adquirir um ou dois caminhões-pipa para abastecer nosso sertão. – relatou severo o homem nos confins da terra vasta.
Após percorrer toda a fazenda e colhendo terra seca e por fora por entre os dedos, seu Amaro falou ao camponês da estiagem a afetar toda a região da caatinga da Bahia ao Maranhão. Dizia o homem ser hábito o homem da caatinga se alimentar de ratos, os chamados “rabudos” por serem grandes. Esses ratos são nocivos como os da cidade. Mesmo assim, o povo consome os “rabudos” como alimento, uma vez não ter comida ou dinheiro para comprar até mesmo o jabá, a carne seca e até uma galinha. Há alguns anos, antes da Guerra, disse seu Amaro ter existido no interior dos Estados da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba e Ceará um grupo de bandoleiros a invadir terras dos “Coronéis” em troca de comida.
Amaro;
--- Era o bando de Lampião, chamado rei do cangaço. – falou o homem.
Vaqueiro:
--- Eu soube da sua existência. O bando do cangaço invadiu a cidade de Mossoró. Mas por fim foi derrotado. -  respondeu o homem rude.
Amaro;
--- Sim. Ele era homem forte. Com ele era tiro e queda. Não poupava nem mesmo os homens do cangaço. – relatou sem cisma.
Vaqueiro:
--- Era homem destemido, não era doutor? – indagou o seu vaqueiro.
Amaro:
--- Destemido e brabo. É de homens como esse que estamos a precisar! – falou grosso o sertanejo
Vaqueiro:
--- Ave Maria meu patrão. Ave Maria. – falou com medo e se benzendo o vaqueiro.
Amaro:
--- O que foi homem sem fé? Tais afrouxando? – indagou o sertanejo de uma vez.
Vaqueiro:
--- Não meu patrão. É que os tempos mudam! – respondeu o homem a se tremer.
Amaro:
--- Venha cá? Você fugiu da batalha de 35  - (1935) - na região? -  indagou bem sério o patrão.
Vaqueiro:
--- Eu? Não! Nem estava morando aqui! – respondeu o vaqueiro a se tremer.
Amaro:
--- Tais com conversa mole? – perguntou o dono da terra.

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