domingo, 7 de abril de 2013

"NARA" - 34 -

- Zooey Deschanel -
- 34 -
CHUVA
Após um mês sem chuva o gado se alimentava com ração. Água, apenas as dos reservatórios. Com os tremores de terra havidos na capital, o caminhão ficou sem poder abastecer como o prometido. Nesse ponto a água estava acabando de vez. Em certas ocasiões o motorista se dirigia ao reservatório de Acari, onde homens estavam a trabalhar na construção de um açude o qual o povo chamava de “Garganta” ou “Gargalheiras”. Salvador jamais procurou saber a razão dessa história. Para o motorista apenas bastava conseguir a água colhida na vertente do açude vindo desde a Paraíba. De outras oportunidades o motorista seguia para mais distante onde um alguém falara haver água abundante. Se conseguisse ele chegar àquele malvado interior encontrava apenas umas cacimbas e o rio seco, apenas servindo para se tirar areia para a construção. O motorista coçava a cabeça, pois nada havia a fazer. Então voltava com o seu caminhão a praguejar bastante.
Salvador:
--- Bosta! Aquele sacana! – era o comentário feito.
Mulher, mocinha, meninos. Uma corriola e tanto a seguir estrada afora. Bem mais para frente seguia o tropeiro. Foice na mão, matulão no ombro, chapéu de vaqueiro à cabeça. Roupa suja de fazer dó. Era a inclemente sina do sertanejo. E o tropeiro seguia distante de sua mulher e de seus maltratados filhos. Para bem dizer: “a filharada”, como profetizava o homem do campo, matuto de coração. Sábio por natureza. De uma leva, oito ou dez. Talvez doze filhos. O matuto não falava. E nem ao menos com o filho mais velho. O mais velho usava uma peixeira a conduzir, disfarçada, embutida em sua cintura. Atrás do primeiro vinha o segundo com um facheiro à mão. E depois desse vinha o restante:  mulher e filhos do tropeiro. A mulher ainda com um rebento ao colo a dar de mamar. Sina maldita a enfrentar o sol e a serra. E Salvador apenas olhava como se nada tivesse a dar aos filhos da Terra. Seu caminhão sem carga d’água era o demais importante. E o motorista seguia célere amaldiçoando o bendito informante.
Vaqueiro:
--- “Lá na aba da serra tem água de fartura” – era disso que lembrava Salvador.
Quando chegava ao posto de combustível da cidade de Santa Cruz, Salvador abastecia o seu veículo. Pagamento só depois de resolver certos problemas da carga. Meia hora: e Salvador estava no destino: a fazenda “Boqueirão” do “doutor” Amaro Borba, homem forte e experiente no labor de sempre. Nesse instante, o “doutor” não estava na fazenda. Apenas os vaqueiros. E Salvador saltou do carro. Em seguida procurou saber onde “andava” o vaqueiro Tomaz. Logo ficou sabendo:
Informante:
--- Ali – dizia o vaqueiro esticando o beiço de baixo.
A virgem Margarida estava à porta de trás da casa grande como sempre a sorrir ao motorista. Esse, por sua vez fez um sinal de “olá”  nada mais. E assim  perambulou a procura de Tomaz. Esse vaqueiro era o que entendia de tudo ou mais e estava a dar ordens aos outros aprendizes de vaqueiro. Sol azedo e causticante. Uma semana antes, o tempo se preparou e choveu grosso. Mesmo assim foi chuva de pouco tempo. Relâmpagos e trovões não assustaram o gado restante. Carcaça de vaca se via a granel. Outro caminhão estava pronto para se recolher todo entulho e conduzir para um local deveras não sabido. Apenas o segundo motorista conhecia para onde caminhava.
Caminhoneiro:
--- Fazer comida para o gado. – era o que informava.
O motorista Salvador com o olhar descrente apenas comentou a situação da capital onde havia a exigência de se mostrar documentos indo e voltando. Era a lei impiedosa a vigorar depois do tremor. Com isso, o homem ficou certa vez no bloqueio da “Corrente” um posto aduaneiro existente da região por quase uma semana. Ele entregou os documentos de motorista e os Militares levaram e, com certeza, se esqueceram de devolver. E eram muitos os motoristas de estrada a ficarem retidos na entrada da “Corrente”. Os de fora faziam comida para todos. Salvador não tinha comida. E também se satisfazia com o pouco de alimento a ser dado pelo caminheiro viajante. Mercadorias a granel. As frutas se estragavam de muito. O tremor de terra deixara os motoristas apavorados com tal situação. Alguns motoristas se escondiam por baixo das suas carretas se podiam ser chamadas assim, por seu tamanho bem acima do normal. O caminhão a óleo cru era o gigante da fila. O carro trafegava devagar na sua saída e pegava velocidade na sua continuação. O veículo era um “monstro” e levava em cima da carreta um trator também gigante. Salvador procurou ver de perto o “colosso” da estrada para contar de fato aos demais companheiros ausentes. De dia ou de noite eram jogadas conversas a toa. Negócios da Cidade, principalmente. Uma parede de uma residência ruiu colhendo três mocinhas, sendo uma ainda pequena. Isso, no tempo dos sismos. Foi deveras o que mais o impressionou. Outros acidentes ocorridos também deixaram vitimas, algumas com defeitos permanentes. Com o jogo das conversas Salvador foi se inteirando do havido naqueles dias sombrios na Capital do Estado. Não foi sem espanto aquilo tudo o dito por um motorista:
Motorista:
--- O rapaz ficou apenas com metade do seu corpo. Pernas ficaram com defeitos permanentes. É um caso horroroso. Ele anda com os quartos para cima. E só anda de quatro pés. Se pode chamar aquilo de pé. – dizia o motorista cheio de agonia.
O rapaz ouvia tudo o que se contava a respeito do fabuloso estrondo. Essa história durou mais de quatro dias quando então Salvador pegou a rota de voltar para o seu destino de saída. O comentário de aleijo do garoto foi impressionante para o motorista. Não raro, a noite, quando dormia, ele acordava de repente parecendo ver o rapaz a andar com suas pernas aleijadas. E nesse ponto Salvador não conseguia dormir nem um pouco. E nesse estado de coisas o comentário mudou de aspecto quando ele teve de perguntar ao vaqueiro.
Tomaz:
--- O patrão esteve na fazenda durante dois dias. – comentou.
Salvador:
--- É pra trazer água? – perguntou.
Tomaz:
--- Homem! Seu menino! O caso é que não tem mais água no reservatório. – coçou a cabeça e a cara se encheu de rugas.
Salvador:
--- Tenho de apanhar em uma lagoa perto da cidade de Macaíba. Longe pra seiscentos diabos. – reclamou de monta.
Tomaz:
--- Eu não conheço nada para aquelas bandas! É longe assim? – indagou com cisma.
Salvador:
--- Mas. Ora se. Nem estrada tem. Só caminho. Agora, tem água de monta. O negócio é puxar para dentro do tanque. -  lamentou.
Tomaz:
--- E tem quem puxe? – indagou.
Salvador:
--- Tem uns “bonecos” que enchem. – declarou.
Tomaz:
--- Então vá! – respondeu.
Salvador:
--- E as merrecas? – quis saber.
Tomaz:
--- Custa muito? – perguntou.
Salvador:
--- Pouco mais! – deu de fé.
Tomaz:
--- Muito mesmo? – inquietou-se.
Salvador:
--- Pra quem tem? – sorriu sem querer.
Após tanta conversa Salvador pegou o rumo. Quando o homem ligava o motor do caminhão notou a presença de modo acocorado da mocinha Margarida. Nesse ponto o rapaz se recolheu e foi à pergunta bastante assombrado:
Salvador:
--- Que estás fazendo aqui acocorada? – indagou com bastante temor.
Margarida:
--- Vou também. – sorriu a menina moça encolhida em baixo da boleia.
Salvador:
--- Aqui? – indagou espantado.

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