sexta-feira, 16 de março de 2012

OS QUATRO CAVALEIROS - 03 -

- Juliana Didone -
- 03 -
ACORDO
No dia seguinte, antes do sol nascer, o pistoleiro Otelo Satanás já estava de pé dando chutes nos demais para acordar também. O tempo se mostrava nublado prenunciado chuva a qualquer momento da manhã e da tarde, provavelmente. A fogueira acesa ele chutou para um lado e para outro. E com isso mostrava não ter ninguém importunado pela madrugada nenhum dos seus pistoleiros ou arremessador de punhal.  Tudo era normal por fim. O acordo feito com o coronel estava indo bem até àquela hora. Otelo Gonçalves Dias, o popular Satanás puxou a manda de cada um para eles acordarem de vez. Apenas Renovato Chulé ele não precisou fazer, pois o homem já estava acordado quando Satanás veio para chutar o seu manto. Apenas Chulé fazia a vez de dormir a enganar o próprio Satanás. O pistoleiro olhou a cara entre panos de Chulé e não sorrio por ter sido ludibriado. Otelo era um grandalhão, forte, mas não gordo. Ele era alto mesmo. Talvez 1,90 metros de altura. Talvez um pouco mais. O lugar onde Satanás e o seu grupo dormiram àquele resto de noite e madrugada apenas cheirava a cavalo e feno. O homem limpou o feno pregado na roupa, pegou as suas trailas de viajante, puxou o cavalo para o animal poder comer um pouco de aveia, feno e capim a fim de corresponder ao seu trato. E depois ainda tinha água para o animal tomar. Os demais pistoleiros e o arremessador de punhal já estavam prontos com os seus cavalos a nutri-los da comida oferecida no curral. Renovato Chulé era o menos preocupado. Aqui e ali apanhava um ramo de feno e punha-se a mastigar.
Nesse ponto, Otelo Satanás chamou ao largo o ameaçador de punhal, Renovato Chulé e conversou com o rapaz o trato feito e o dever de cada um.
Satanás:
--- Tu segues a mocinha da casa. Ela não pode falar com Deodato Policarpo de forma alguma. Essa é tua função! – falou baixo o pistoleiro.
O arremessador de punhal, homem ligeiramente baixo, porte atlético e cara de manso fez com um gesto a dizer sim.
E não perguntou pelas funções dos demais pistoleiros pelo assunto não interessar a ele. E apanhou outra haste de feno e fez com ela um mastigar. Ele passou a mão na barriga a sentir fome, mas não disse nada. E se voltou até o celeiro onde tirou o seu café com bolachas e matar a fome, com certeza. Os demais bandoleiros conversavam entre si assuntos corriqueiros de pistoleiros afamados. Renovato Chulé apenas notou o virar de Otelo a apontar para o alto a dizer só sabe Deus quem era. E Chulé não deu a menor importância. Apenas afagou a sua montaria, deu água e sacudiu o manto no seu lombo, a cela e os arreios. Depois de tudo feito, ele saiu a caminhar a espera do serviço a fazer. A mocinha da casa tinha o nome de Ludmila. Ludmila Godinho. Pele alva, cabelos soltos e dourados, vestido longo e de boa classe. Esse era a moça Lu, abreviatura de Ludmila. Logo cedo da manhã, Lu surgiu na varanda. Ela olhou para o céu e notou talvez a chuva. E então Lu voltou a deixar a porta aberta. Nesse momento o lançador de punhal não deu importância. Apenas desmontou e ficou a espera do fazer. Ele sentou em um tronco de madeira jucá, estirou as pernas e apenas ficou no aguardo.  Vez por outra Otelo olhava para ele e nada falava. Em determinado instante surgiu à varanda a figura do coronel Godinho, figura atarracada e pronta para responder qualquer desaforo e chamou e chamou o pistoleiro Satanás para conversar. Os dois se encontraram e foram para dentro do casarão. Chulé não se importou com o caso. Ficou ele sentado no tronco de jucá a espera de algo a lhe interessar. No alto da serra um relâmpago açoitou.
Chulé:
--- Chuva! – fez ver o homem.
E logo em seguida o trovão. E veio a chuva torrencial açoitando a mata como um todo. O vento frio se fez presente. Seu uivo era cortante como todo vento e tempestade do verão. Os animais de porte permaneciam trancados em suas porteiras, salvo os animais soltos ao longo do tempo. Os vaqueiros corriam para extrair o leite da manhã. Diante do aguaceiro Lu veio até a porta ver a mudança do tempo. E disso alguma coisa de pessoa revoltada, tendo retornado em seguida para o interior do casarão. O homem Renovato Alvarenga, o Chulé, estava de pé, encostado na parede do alpendre por conta da torrencial tempestade. Rugia o tempo a todo instante. Ele seguia silente e nada falava. As mulheres da cozinha fechavam as janelas antes de mais nada. Uma auxiliar de cozinha veio até a entrada da casa grande e se encolheu toda.
Mulher:
--- Ui! Que frio! – disse a mulher há observar o tempo.
O tempo esfriava mesmo de uma só vez. Relâmpagos e trovoes ricocheteavam a todo instante com se estivesse com uma brutal fome para comer todo o resto do mundo. Um bezerro apareceu mugindo, desorientado procurando por sua mãe sem saber onde a encontrar. Os mugidos do bezerro despertaram a atenção da vaca e o chamou com outro mugido grosso o identificando a sua presença no pasto. O bezerro correu célere a pinotear como uma criança travessa e inocente.  Um fato de cabras, bodes e cabritos estavam a balir no alto das pedras existentes no longo terreiro do imenso sítio do coronel Marcolino Godinho. Não fazia questão em balir, pois toda a família estava completa. A mulher de dentro do casarão indagou ao homem estranho chegado às dez horas da noite e estava a sentar nua cadeira estofada posta do alpendre.
Mulher:
--- Café meu senhor? – indagou a mulher.
Chulé logo entendeu a aproximação da mulher e assentiu de forma bem positiva. A mulher respondeu como forma de cortesia.
Mulher:
--- Vá por lá. – respondeu a mulher sem outras palavras ao fazer roda com o dedo indicador.
Com isso, o homem se levantou da cadeira e rodou nos pés, percorrendo o alpendre pelo lado de fora até chegar à porta de entrada da cozinha. Por lá estava à donzela Lu. Ele a observou com maior atenção. Ela nem sequer notou a sua presença. Uma criada veio com um bule de café para servir ao moço Chulé. Tinham na mesa biscoitos, bolachas feitas na cozinha da casa grande, inhame, cuscuz, batata doce e um sem numero de demais alimentos. Ludmila estava a procurar algum alimento para engordar mais a sua pança e depois de muita pesquisa recomendou a cozinheira chefe a levar tudo para o seu quarto. Chulé a olhou ternamente e não lhe disse nada. Apenas se levantou da cadeira da mesa e foi até ao pote de água e dali pode observar onde era o quarto da donzela. Uma mocinha doméstica se aproximou do pote de água e sorriu para Chulé. E logo baixou a cabeça com certa vergonha de alguém. Chulé a acompanhou em seu caminhar de volta rodopiando em seus pés. Ele não tinha pressa em tomar seu café. A caneca estava aquecida e Chulé comia apenas os biscoitos. Ele a olhar a pequena mulher-menina-moça morena.
Em tal instante apareceram na porta da cozinha o coronel Godinho, o pistoleiro Otelo Gonçalves, o Satanás, Júlio Vento e por trás do grupo também Antero Foguetão. A turma toda caminhava para tomar café com cuscuz, batata e macaxeira. As conversas eram diversas todas ao sabor do coronel Godinho. Ele conversava e a turma escutava sabendo ter de cumprir ao mando do coronel. Por alguns instantes o pistoleiro Renovato Alvarenga levantou o chapéu da sua cabeça em sinal de respeito e cortesia a fazer um aceno ao coronel:
Chulé:
--- Coronel! – e se pôs em marcha acabado de beber seu café.
O coronel ainda olhou para o pistoleiro e nada respondeu. A conversa girou apenas para o comandante da turma, Otelo Gonçalves, o Satanás. Nesse ponto, Chulé se ajeitou e tomou caminho em rumo a frente da casa grande a percorrer o alpendre do terraço e procurou se sentar em um estofado com as pernas esticadas para frente da mobília. Em poucos minutos apareceu à porta da casa a mocinha feiticeira com um punhado de biscoito para dar a Chulé e logo fez questão em dizer:
Mocinha:
--- Tome! Fui eu quem fez! – disse a pequena mocinha a sorrir de leve.
O rapaz agradeceu a oferta dos biscoitos e jogou tudo em suas pernas para comer uma e outra a olhar devagar a jeitosa mocinha. E então lhe deu vontade em saber:
Chulé:
--- Por acaso tens nome? – perguntou Chulé a mocinha.
A mocinha sorriu antes de responder quando estava já na porta da casa grande.
Mocinha:
--- Eu sou Emília. E você? – indagou a moça ao rapaz.
O rapaz titubeou em respondeu e deu o seu primeiro nome:
Chulé:
--- Renovato. É o meu nome. – fez ver o pistoleiro Chulé.
Emília sorriu, teceu um beijo com os dedos da mão direita, pois meia cabeça de fora e depois saiu de vez.  Chulé se conteve de mais ação naquele ponto. A chuva torrencial não parava. Os vaqueiros e ajudantes a correr com o leite tirado na hora para depositar nos baldes. Um touro bravo se espantou só sabe Deus porque e teve de ser contido pela a ação dos boiadeiros. O pistoleiro viu o caso e não se mexeu do seu canto. Apenas olhava para a serra ao longe onde parecia ter iniciado a invernada.

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