sexta-feira, 1 de junho de 2012

ISABEL - 09 -

- Tais Araujo -
- 09 -
ACORDO
As duas amigas continuaram a conversar enquanto Gonzaga pedia licença para se ausentar, pois teria de ir a um ponto de comércio existente naquele pequeno bairro a procura de mais alguma coisa para sustentar a pequena mesa da sala da modesta casa. Coisas como verduras; coentro, hortelã, cebola, pimentão, vinagre. Artigos há muito tempo não comprados por Gonzaga, desde o tempo em que ficou viúvo. Na verdade, foi uma pequena feira. E as amigas divagaram nas conversas, com Otilia a dizer não ter para onde ir ao tempo de sua reabilitação do aborto provocado. E Isabel contestava:
Isabel:
--- E você não pode falar com seu Gonzaga de ficar morando aqui? – inquiriu a moça.
Otilia:
--- Mas: e o dinheiro para fazer compras? Eu pensei, depois de chegar aqui, ter que arranjar um emprego de doméstica em uma casa qualquer. Pode ser mesmo de lavadeira, cozinheira, pessoa de limpeza ou outra coisa qualquer. – respondeu Otilia ainda sentindo dores.
Isabel:
--- Bem pensado. Eu, depois de você ir para o hospital, fiquei a pensar também no meu destino para assegurar o futuro. Hoje, não tenho onde cair morta. Mas, não se vive apenas um dia. E eu penso igual a você; ser empregada. – falou a moça com pensamento distante.
Otilia:
--- Eu nunca mais faço um ato como esse. Nunca! – contemplou Otilia amargurada por estar enferma.
Isabel:
--- Eu penso do mesmo jeito. Homens? Eu não quero! Eu já tive um. Ele morreu. Tive um filho. Também morreu. Agora estou aqui, longe de minha terra. Se eu tiver um homem, no futuro, será só ele e nada mais. Esse negócio de andar com um e com outro, quando nem se pensa, dá nisso! – fez ver Isabel apontando a barriga de Otilia.
Otilia, de cabeça abaixada, começou a chorar de mágoas pela dor sofrida em perder um filho. Certamente seria um garoto a servir nos seus dias do amanhã.
Em alguns instantes, Gonzaga abriu a porta e entrou a mostrar tudo comprado, entre verduras, carne seca, pão, biscoitos entre varias coisas. A moça olhou o pacote e sorriu. Em instantes declarou o desastre por ela feito.
Gonzaga:
--- Você vai precisar de tudo. - declarou Gonzaga a caminhar para a mesa da cozinha.
Isabel se espantou com imensa gentileza feita pelo homem e deu a entender a moça Otilia encontrada uma boa bisca.  E sorriu logo ao se referir para o homem:
Isabel:
--- Mas somente agora o senhor comprou tudo isso? – perguntou alarmada.
Gonzaga:
--- Ela vai precisar. – respondeu o homem com seu andar distante.
Otilia se contorceu na cadeira de palha e sorriu com não querendo.
Após deixar as compras na mesa da cozinha, Gonzaga retornou a sala onde estavam as duas amigas e, por certo, sem muito pensar, ele falou a seu ver de Isabel vir morar em casa dele com a morena Otilia. E falou mais ser Otilia boa companheira e, certamente elas estariam bem confortadas, pôs afinal para se não ganhar coisa alguma era preferível ficar sossegada em uma casa confortável. Isabel ficou a meditar e sorriu ao final.
Isabel:
--- Mas o senhor está brincando?! – fez ver Isabel com a decisão tomada por Gonzaga.
Gonzaga:
--- Verdade. Eu passo o dia fora. Mas, se vocês quiserem, eu arranjo um boteco e vocês tomam conta dele. Eu estou falando à verdade. Tem um boteco perto de vocês. O homem quer se desfazer dele. Até agora não havia pensado nesse caso. Porém, vejo vocês e acredito serem responsáveis para tirar de letra e se eu fizer negócio vocês tomam conta. – decidiu o homem.
Isabel ficou pensativa no negócio. Ela estaria à frente do boteco. Ela e Otilia, certamente. Fazer comidas, vender bebidas, caranguejos, tatu, carneiro e muitos negócios param se provar em um quiosque mesmo sendo pequeno. Gonzaga foi o pensador no assunto. Otilia  ainda estava em repouso, porém Isabel tomaria à frente do empreendimento. E os dois seguiram direto para o boteco de Arnaldo. Foi coisa de meia hora. O boteco era de Isabel e Otilia. Já nesse dia a mulher não mais trabalhou na pensão de dona Marina. No dia seguinte, sem Otilia, posta em repouse, estava Isabel lavado o chão do boteco. Gonzaga deu ajuda, mas foi Isabel a mentora de tudo. Deixavam-se as compras por conta de Gonzaga e o servir a cargo de Isabel e Otilia. Um dia o barraco não operava para funcionar somente no final daquela semana. Tudo enfeitado e asseado; mesas postas do lado de dentro do barraco; geladeira, fogão, caixas de bebidas. Goiamuns a valer. Quem quisesse teria picado, O primeiro prato era por conta da casa pois seria o meio de prender ainda mais o consumidor. Café pela manha, bebida ao meio dia e à noite. Isabel estava feliz da vida. Otilia nada podia fazer por conta do resguardo dado pelo médico. Começaria Otilia, na semana seguinte. No dia da inauguração do bar, Otilia estava presente apenas para oficializar a associação com Isabel.  Logo cedo do dia Isabel estava a servir a freguesia no dia da abertura do bar. O Bar de Isabel. Esse era o nome. A corriola veio em peso naquele dia de festa. Uma cerveja para José, um vermute pra João. E cana muita para todos os adeptos da cachaça. Uma radiola fora posta a serviço dos fregueses tocando os sucessos do momento. Um frequentador levou até mesmo os fogos de artifícios. Gonzaga trazia as compras e Isabel fazia a festa.
Isabel:
--- Solta os fogos mais para um lado! – relatava a mulher cheia de risos.
Esse foi o inicio de Isabel no vender de suas bebidas. Ela e Otilia. O homem do barracão era sempre Gonzaga. Esse estava mais fora por causa de suas ocupações diárias. O homem viúvo tornou-se engenheiro de negócio para dividir sua pequena riqueza com as duas mulheres: Isabel e Otilia.
Otilia:
--- Pelo visto, está sendo um negócio da China! – sorriu Otilia depois de uma semana a recolher o saldo das vendas.
O Bar de Isabel, como se costumou chamar, tornou-se um chamariz durante todo o dia e, nos finais de semana, até às onze horas da noite. Isso, menos aos domingos, quando o movimento era razoável até ao meio-dia ou pouco mais. Havia atendimento até mesmo a barões como se chamava a pessoa de nível muito mais que a classe média. Gonzaga era um homem só sorrisos com o progresso tido com o bar. Ele, apenas não dizia algo de mais. Do Teatro vinham atores, atrizes e demais membros da Corte. Mais animados estavam Isabel e Otilia onde viram ter a necessidade de colocar mais duas serviçais. Nos dias de sábado era o maior movimento. Os ébrios chegavam quanto sóbrios. Mas ao sair já eram ébrios contumazes. Se alguém perguntasse pelo antigo trabalho de Otilia, ela nada referia, muito embora ficasse vizinho ao bar.
Otilia:
--- Só gosto de quem gosta de mim. – era o muito que falava.
Isabel:
--- Ás vezes dona Marina passa e olha. Mas não encosta. Gonzaga já faz refeição na casa da mulher. Aliás, ele já não fazia tanta refeição assim quando era um homem só. – respondia Isabel a que tivesse o cuidado de não falar demais.
Em certas ocasiões um historiador de respeito chegava ao bar de Isabel, por volta das 10 horas da manhã e somente se retirava quase ébrio, por volta das três horas da tarde. Gonzaga o conhecia muito bem. Porém o historiador não fazia o igual efeito. De uma forma ou de outra, o importante eram as divisas do velho burgomestre. Essa era uma forma de se tratar o homem de letras da Capital. Notadamente, o bar não fazia distinção a pobre ou a rico. Nos finais de semana havia uma enchente de gente rica para beber e até mesmo brincar com as suas parceiras de salão. As damas chegavam pelo bar, devagarzinho, logo cedo da manhã de um sábado qualquer e se ofereciam a ajudar a Isabel e Otilia. E diante da precária situação das damas, essas eram aceitas com amantes de aluguel, pois sempre havia casos de amores clandestinos. E assim, corria a vida naquele bar.

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