- Katie Holmes -
- 03 -
PEIXE
Quando terminou o expediente às
cinco horas da tarde e todos os funcionários começaram deixar a repartição onde
trabalhavam, seu Antônio Sisenando, marido de dona Ceci, também saiu tomando a
direção do Canto do Mangue onde a peixaria era franca para se vender e comprar.
Ao transitar pela rua encontrou um velho amigo. Esse disse ter naquele dia
Reunião na Maçonaria, como se Antônio Sisenando não soubesse. Mesmo assim
Sisenando agradeceu o lembrete e passou a frente. No momento o homem perguntou
a Sisenando:
Homem:
--- Pra onde vai? – indagou de
forma sem entender o cavalheiro.
Sisenando:
--- Canto do Mangue! – respondeu
com pressa o senhor.
O homem perguntador então sorriu
e disse ainda:
Homem:
--- Xarias! – falou bem alto o
arteiro homem.
Porém Sisenando nem deu
importância e seguiu em frente atravessando ruas e becos, até mesmo a Rua 15 de
Novembro onde a “matança” já tomara conta do ambiente. Naquela rua era o reduto
das prostitutas da cidade. Damas da Noite. E Sisenando se lembrou do seu tempo
de mocidade e da feira da Tatajuba, ambiente singular. A Tatajubeira era uma
árvore frondosa onde as mulheres colocavam à venda cuscuz, munguzá, bolos de
milho e de outras espécies. Tudo era servido acompanhado do café. Eram seus
habituês os homens das Docas e empregados das lojas da Ribeira além das
próprias prostitutas do Beco e da Rua 15.
Um carro passou bem rápido a sacudir lama nas calças de Sisenando. Esse
se virou e soltou um grito desaforado para o motorista. Um magarefe a passar
apena sorriu e disse a Sisenando:
Magarefe:
--- É assim o dia todo. – sorriu
o magarefe enquanto Sisenando limpava com o lenço o abainhado da calça.
Sisenando:
--- Puto que ele é! – revidou o
homem a limpar a calça. Ele bem mal humorado.
Um carregador passava pelo mesmo
local de gritava para se ouvir:
Carregador:
--- Olha o Melado! Olha o Melado!
Olha o Melado! – gritava o carregador conduzindo na cabeça um balaio cheio de
frutas.
As Damas da Noite já transitavam
pelo ambiente da Rua Duque de Caxias. Essa rua cortava a Rua 15 onde mecânicos
fechavam suas oficinas ainda a funcionar na artéria das mulheres damas. O Banco
do Brasil já estava fechado. Alguns magros servidores ainda estavam no local
concluindo o serviço da tarde. Na rua à frente Sisenando pegou destino do Canto
do Mangue, local infestado de mau cheiro provocado pela lama da redondeza. E
isso fez o homem lembrar ser o local do pé de pau no meio da rua e a lama a
tomar conta de tudo. Ele atravessava a passos rápidos a Esplanada Silva Jardim,
outrora local de porto. E ele lembrou assim mesmo de um barco atolado à margem
da rua onde se erguia a Alfandega. Os Carteiros deixavam a Repartição dos
Correios e uns moços começavam a entrar no seu novo emprego. Eram os estafetas.
Esses assumiam o trabalho às seis horas da tarde. Um boteco estava aberto para
atender aos velhos e novos funcionários a servir refresco com pão doce e coisa
mais.
Ao chegar ao Canto do Mangue, bem
distante da Repartição dos Correios, o homem passou a examinar a peixaria alí
posta. Peixe de toda a classe. Guaiuba, cação, galo do alto, dentuço,
arabaiana, xarel e mesmo a cioba, peixe de segunda classe. Porém, para
Sisenando era um bom pescado, quase sem espinhas. Após examinar uns e outros,
ele preferiu a cioba e indagou o preço. Ao saber de tanto custo o homem se
alarmou:
Sisenando:
--- Caro! Você vai enriquecer! –
largou o homem com olhos esbugalhados.
Vendedor:
--- É a carestia patrão. – sorriu
o vendedor com um facão na mão a despachar para outros.
De um modo ou de outro, o homem
escolheu duas ciobas deixando de lado os serigados, guaiubas, cangulos e outros
tipos cujo estilo não lhe faziam fé. Tudo isso era feito à beira do rio onde
meninos colhiam as ovas e peixes miúdos. O dia já era quase noite quando
Sisenando se largou em busca do bonde a trafegar na Esplanada Silva Jardim e
dali tomar a direção da Cidade Alta a passar pela Rua Frei Miguelinho e coisas
mais.
Em casa, a moça Nara estava a
cuidar do recém-nascido e a ouvir a sua mãe lhe contar da tragédia ocorrida
quando dona Ceci saiu de casa para rezar um terço na Catedral. A mulher contava
tudo sem receios esperando ter o garoto tratamento mais adequado e se salvar do
calamitoso acidente. Dona Ceci reclama do calor e olhou a criança aos braços da
filha. Quis saber dona Ceci de quem era a criança. Nara não sabia ao certo. E
disse apenas ser de uma moça. A sua amiga tinha saído a procura de fraudas na
bodega próxima, pois a mãe da criança não tinha nada para cobrir o bebê.
Ceci:
--- Socorro? – perguntou
desconfiada a mulher.
Nara:
--- Parece. Laura me disse ser
Socorro. A mocinha não tem nada. A mãe é abusada. O pai dessa menina só vive
embriagado. E de qualquer forma, eles não querem ver nem de perto a criança.
Coitada! – disse Nara a olhar criança em seus braços a ninar para um lado e
outro.
Ceci:
--- Essa mãe não é uma que andava
a pedir roupinhas para seu filho? – indagou a mulher.
Nara:
--- Não sei. Quem é a menina que
pedia roupas? – indagou a moça a acalentar a criança.
Ceci.
--- Não sei. Apenas ela procurava
roupas. – respondeu a mulher a olhar por mais uma vez a criança.
O tempo passava e Nara cuidada da
criança. De Laura não se ouviu mais falar por àquelas horas. O pai de Nara
chegou apressado pedindo o café enquanto ele se cuidava para ir a Maçonaria.
Calça, camisa, paletó, gravata, meias, sapatos e uns trocados. Tudo estava
sobre a cama no quarto de casal. Na mesa, os peixes e a recomendação.
Sisenando;
--- Almoço de amanhã. – relatou o
homem.
Nara estava em seu quarto tomando
conta do bebê. Ela não saíra até àquela hora a espera de Laura, sua amiga. Mas
a moça não retornara da bodega onde fora. A criança fez um choro curto enquanto
Nara afagava. Esse miado o pai ouviu. E de imediato perguntou:
Sisenando:
--- Gato? Tem gato novo aqui? –
indagou com espanto o homem.
Ceci:
--- Menino! – respondeu a mulher.
Sisenando:
--- Que? Menino? De quem? –
perguntou outra vez de modo estranho.
Ceci:
--- Está com Nara. É um menino.
Uma amiga deixou aqui. – fez ver a mulher.
Sisenando:
--- Amiga? Deixou? Ora! Mas por
que você não disse? – arrematou por cima o homem
Ceci:
--- Foi mais tarde. E eu nem
estava em casa. Eu vi a criança quando eu cheguei da Igreja. – falou a mulher a
guardar o pescado dentro da geladeira.
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