domingo, 24 de fevereiro de 2013

"NARA" - 11 -

- Ísis Valverde -
- 11 -
ESCURO
O dia estava escuro mesmo. Com a chuvarada veio à ventania espalhando galhos das árvores por todos os recantos da capital. O trânsito de veículos ficou prejudicado por conta do rompimento da ponte do Canal do Baldo. Aquele era um trajeto feito para ligar os bairros do Alecrim à Cidade Alta e a outros bairros da cidade. Os bondes não transitavam pelo local por causa do rompimento dos seus trilhos. Os veículos não tinham como seguir de um lado para o outro. Pessoas não se aventuravam a cruzar o caminho. O aguaceiro era bem forte com a precipitação caída em toda a cidade. No Baldo havia um riacho vindo da Lagoa “Manoel Felipe” no bairro do Tirol e ainda havia o riacho da Lagoa Seca. Esse despejava seu volume de água no riacho do Tirol.  Apesar de um prefeito da cidade ter dito certa vez:
Prefeito;
--- Eu hei de construir essa ponte nem que seja com tronco de bananeiras! – falou bastante  eufórico o homem.
Mas a questão daquele momento não tinha tronco de bananeira a por nos eixos. Uma tromba d’água se abatia sobre a cidade e o povo dos escritórios temia pela ventania a derrubar os pés de árvores. O temporal aumentou o volume de água no riacho do Baldo. Era constante se ouvir gritos do pessoal.
Gritos;
--- Cuidado com o fio! – gritava alguém para outro alguém.
Era a triste sina de se temer morrer de choque elétrico. Em determinado instante a luz faltou em toda a cidade. Os Bondes que já não trafegavam por causa da tempestade. Nesse instante paravam de vez por falta de energia elétrica. O avanço das águas era constante. A descida do Alecrim foi tomada por avanço do lamaçal a destruir as mais robustas árvores. A lama descia pelas ruas Olinto Meira  e a Coronel José Bernardo com suas adjacências e do bairro da Cidade Alta era maior ainda a pegar a Avenida Deodoro, Princesa Isabel, Rio Branco, Santo Antônio e outras existentes. Em todos os recantos havia a enxurrada constante. No Baldo, o volume de água era impressionante. Os Bondes a se deslocar para a Cidade Alta ou o Alecrim, ficaram parados pela falta da energia elétrica. Os mesmo aconteceram na Ribeira, Petrópolis e Tirol. Os veículos também não trafegavam por canto algum. A tromba d’água era terrível e o pessoal morador da Rua Santo Antônio na parava de rezar e fazer promessas tardias. No Baldo alguém gritou desesperado.
Alguém:
--- Um corpo! Um corpo! – era o grito desesperado do homem apontando para o leito do riacho a borbotar a lama suja.
O Corpo de Bombeiros deslocou homens e viaturas para auxiliar no esforço feito por cada um dos ajudantes enquanto a chuvarada continuava a instigar. Engenheiros se deslocavam com sua roupa suja e molhada envolvidos entre os operários. Ninguém da Prefeitura chegou nesse primeiro instante. Fotógrafos de jornais estavam a postos nos locais fora de perigo a registrar os efeitos do temporal. Mudanças se viam a fazer de pessoas moradoras no baixio do local. Um touro mugia em qualquer parte. Uma mulher ao desmaio era socorrida por outros parentes a arrastar seu pesado corpo por um terreno no baixio onde havia cerca de arame para não permitir se entrar. A água continuava a subir e, pelo lado de quem desce da Cidade, via-se moradores abandonarem suas casas nobres. Era o desespero geral. As pobres mulheres e moças que lavavam roupa no riacho dessa vez não tiveram meios para tal. Cada qual reclamasse o pior. Algumas olhavam o tempo e se ressentiam de ter deixado o seu casebre, pois, talvez, o casebre caíra com a borrasca. O cuscuzeiro passou em sua debandada carreira não se importando com a tempestade e procurando um abrigo melhor e mais tranquilo em outro local. Diante do quadro calamitoso ninguém podia fazer coisa alguma. E os trabalhos prosseguiram por todo o dia. A “Companhia Força-Luz” apenas retomou a funcionar às quatro horas da tarde restabelecendo aos poucos em vários bairros a energia elétrica. Na casa de Nara tudo corria com vexame com dona Ceci a lamentar o caos abatido pela tormenta. Chovia menos na cidade e as residências estavam entulhadas de lixo vindo mesmo dos quintais. A moça tinha cuidado redobrado para não deixar o bebê Neto desprovido de assistência. A porta da frente da casa permanecia trancada. Às seis horas da noite o pai de Nara chegou ainda molhado pela grossa chuva caída na capital. Ele retirou os sapatos e comentou;
Sisenando:
--- Esse não presta mais. Só outro! – empurrou os sapatos para bem longe.
A sua mulher olhou e nada comentou. A filha Nara saiu depressa para o seu quarto levando consigo o bebê, amparado como se fosse coisa de outro mundo. De imediato um rato todo molhado fez menção em correr e Nara então gritou:
Nara:
--- Ai!!! Um rato! Socorro! – e se agarrou em seu filho procurando subir na cama.
O homem ouviu e correu depressa para o quarto da filha aclamando de longe:
Sisenando:
--- Onde está o danado? – clamou o homem pegando um dos sapatos rotos.
A moça já estava suspensa na cama a segurar o seu filho. E o que pode dizer:
Nara;
--- Ali! Ali! Mata o bicho! – reclamou a moça acolhendo o bebê.
Sisenando correu para olhar mais de perto e, com um chute, empurrou o camundongo para longe. O rato, meio já sem vida rolou no chão e foi cair ao lado do corredor. Sisenando olhou a filha e então sorriu relatando:
Sisenando;
--- Tá morto o rato! – e sorriu a valer pelo tamanho minúsculo do camundongo.
Dona Ceci veio tanger o bicho já inteiramente morto para uma parte do quintal.  Nesse ponto, um relâmpago rompeu o céu. Com mais alguns minutos veio o trovão. E a chuva começou de novo. Sisenando comentou ter mais uma noitada de temporal. Às pressas, dona Ceci entrou para então fechar a porta da cozinha.
Ceci:
--- Não é possível? Chuva novamente? – reclamou a mulher um tanto nervosa.
E a chuva chegou. Menos no início. Forte na continuação. Relâmpagos e trovões assustadores atormentavam os viventes. De imediato, a chuva caiu insistente aumentando o volume das águas a correr ladeira abaixo na Rua Santo Antônio e ruas próximas. A  rua mais sacrificada era a Avenida Rio Branco onde a maior parte era moradia, algumas de gente rica. Essa avenida não tinha sido tomada ainda pelo comércio, salvo em alguns pontos. O certo era a existência de Padarias e armazéns ou de armarinhos. Algumas casas abrigavam setores de associações ou mesmo um cinema. O movimento intenso de gente era mesmo a Ribeira. Mesmo assim, existia da Cidade Alta o Mercado Público onde se tinha maior volume de comércio. Para um lado, na Avenida Rio Branco, havia ainda uma leiteria, casa de vender leite natural vindo do campo. E nessa avenida corria o maior volume das águas, todas despejado no Baldo. Para a metade da rua, do trecho do Mercado, as águas lamacentas corriam para a Ribeira em grande enxurrada onde se depositavam como sempre a chover. Estrondo se ouviu na Rua Santo Antônio. E um clamor de gente ao desespero. Eram os moradores da Rua da Salgadeira, pouco mais abaixo descendo a ladeira a levar até a linha do trem. As moradias da rua encharcadas pelas águas, não resistiram mais e findaram a soçobrar.  Era um clamor insistente do pessoal.
Uma:
--- Ai meu Deus! A minha casa! – gritava uma mulher.
Duas:
--- Dona Mumbé está debaixo da casa! – reclamava ao desespero outra mulher.
Três;
--- Vamos ajuntar esforço para retirar as vítimas! – gritavam inseguros os homens.
E as moradias continuavam a ruir como um jogo de baralho. As pessoas, às pressas levavam os filhos menores para algum lugar ou mesmo ajudavam seus maridos ou pais. Era um verdadeiro alvoroço tudo a se ver e ouvir. Gente vinha da parte mais baixa onde passava o trem em auxilio das sacrificadas pessoas. A bodega de seu Armindo era o ponto de amparo a toda aquela gente. Alguém buscou ajuda no Quartel de Polícia na parte próxima da rua e encontrou um tenente. Esse ordenou a seus soldados a acolher toda a gente da assombrosa catástrofe.  O pessoal socorrido tremia de frio e medo. Os menores choravam. Alguns aos berros. As mães, irmãs ou mesmo parentes próximo acalentava mesmo estando ao desespero em busca de outro parente, mãe, pai ou avó. Essas pessoas não tinham mais sido vistas. A calamidade se apossou do espírito de cada qual.
Um;
--- Onde está minha mãe? – clamava desesperada uma mulher.
Dois:
--- Quaro saber do meu pai! – era outro chamado aos berros.
Três:
--- Mariazinha! Onde está Mariazinha? – clama pelo amor de Deus alguém perdido na multidão
O Policia, como pode, caiu em campo para trabalhar na remoção de todas as quinquilharias dos seus moradores. A chuva atormentava a Polícia. Porém os soldados cumpriam ordens. Outros até habitavam os casebres derribados.

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