- Marjorie Estiano -
- 05 -
NETO
Na tarde daquele dia Nara seguiu
o conselho de sua vizinha e foi levar o bebê Sisenando, ele e a sua mãe Ceci,
para o médico auscultar a criança e lhe receitar algum medicamento se fora
necessário. O avô da criança cuidou logo do registro e deu o certificado de
‘filho legítimo’ à criança. Tudo era orgulho na casa de Neto, pois assim passa
o garoto a ser chamado, pois o pai de Nara era igualmente chamado Sisenando,
apesar de ser esse um segundo nome, uma vez ser Sisenando chamado de Antônio.
Então o querido filho de Nara foi ser chamado Sisenando de Almeida Neto,
retirando-se qualquer nome da sua avó. Como a amiga de Nara não deu mais
notícias e a tal Socorro não se sabia ao certo quem era Neto ficou como filho
legitimo da moça, mesmo sem ter nome de pai. No registro dava-se por desconhecido o nome do
pai.
À tarde daquele dia Nara já
estava na sala de recepções do médico doutor José Ivo para consultar o rebento.
Ao saber do nome da criança, doutor José Ivo disse ter ele o nome
significativo, pois sua origem era
teutônica.
Doutor Ivo:
--- O rebento tem nome
significativo. É de origem teutônica. Significa: “protetor vitorioso”. –
relatou o médico ao auscultar o neném.
A ‘mãe’ do recém-nascido sorriu
um pouco acanhada, uma vez não saber aquele nome ser ‘teutônico’. O médico notou o acanhamento da mãe e voltou a
dizer ser o nome de origem alemã. Então a moça sorriu e se sentiu compensada.
Em continuação o médico indagou quem era o pai da criança. A moça de recolheu
alguns segundos e logo falou:
Nara:
--- Ele não tem pai. Somente mãe.
Sou eu. – confessou a moça de um só jeito.
Doutor Ivo:
--- Ah bom. Mas já foi
registrado? – indagou o médico de cabeça abaixada.
Ceci:
--- Sim. O avô da criança já o
fez. – falou com pressa dona Ceci.
Doutor Ivo;
--- A senhora tem religião? –
indagou ainda escrevendo o médico.
Nara:
--- Católica. – falou com pressa
a moça.
Doutor Ivo:
--- Já batizou a criança? –
perguntou solene o médico.
Nara;
--- Sábado que vem. Eu vou a
Catedral. – falou com pressa a moça.
Doutor Ivo;
--- Ótimo. (sorriu o homem). A
criança está ótima. Vamos receitar um remédio para cólicas. A senhora deve dar
sempre que a criança chorar. Claros que não vai ministrar quando criança
estiver com “fome” ou querendo braço, ou esteva com calor, ou ouvindo zoada.
Apenas por questão de dores intestinais. .... Pronto. Nobre “seu” Sisenando! –
sorriu outra vez o médico dando a receita à mãe do menino.
Logo à noite, seis horas, as “beatas”
chegaram à residência de Nara para cantar a ladainha e rezar o terço de modo a
espantar “olhados” e outros males. Com pouco de tempo chegava a sua residência
o senhor Sisenando, molhado de suor e teve de ouvir as preces das “beatas”,
caso a não dar deveras importância. Mesmo assim, se era para o neto, tudo era
bem vindo. Ele se ajuntou ao bebê quando a sua mulher Ceci o repreendeu a
dizer:
Ceci:
--- Vai lavar as mãos! Não estas
vendo todo molhado de suor? – beliscou de leve a mulher com o rosto rude.
Sisenando:
--- Verdade! – e depôs o bebê no
seu “balanço” seguindo depressa para tomar seu banho.
Entre conversas e outras,
Sisenando contou ter ouvido dizer de um Yate abatido por um navio durante a
madrugada. Fazia serração no Oceano Atlântico
e o navio não percebeu o barco de tão pequeno que era.
Ceci:
--- Morreu alguém? – indagou a
mulher sem muito alarde.
Sisenando:
--- Não sei. Encontrou-se o
capitão pela manhã, em uma boia. Os pescadores recolheram o homem e o trouxeram
para a praia de Areia Preta. – discorreu o homem com angustia.
Ceci:
--- Ele sozinho? – indagou a sua
esposa.
Sisenando:
--- Sim. Porém não se falou em
ter mais sobreviventes. Ele não podia estar sozinho. É o diabo. – comentou com
angustia o homem.
Ceci:
--- O jornal deve trazer matéria
amanhã. – falou a mulher arranjando a mesa do jantar.
No sábado à tarde, por volta das
quatro horas, Nara já estava na Catedral acompanhada do seu pupilo, Neto, de
sua mãe Ceci, do pai Sisenando, dois padrinhos e madrinha e pouca gente
presente, comum em frequentar a Igreja àquela hora da tarde, principalmente nos
sábados. O padre cumpriu a cerimônia tão rápido como começou. Ao ser indagado
da saúde o coroinha, o sacerdote respondeu estar bem.
Sacerdote:
--- Foi apenas um susto. Nada de
mais. Ele é esse. – apontando a cara do garoto com um curativo ainda na cabeça
feito no hospital.
Ceci:
--- Fico feliz por não ter havido
sequelas. – sorriu a mulher e abraçando o garoto com afago.
Sacerdote:
--- Essa senhora foi quem te
salvou. – revelou o sacerdote ao coroinha.
Ceci:
--- Não, padre Mario. Eu apenas
socorri o garoto. Ele é um garoto de sorte. – sorriu Ceci abraçada ao menino.
Sisenando:
--- Garoto de sorte. Duro na
queda. – sorriu o marido de Ceci.
Todos os presentes sorriram e
Nara caminhou para a saída da Igreja a levar seu filho nos braços com as vestes
apropriadas para um dia importante da vida de um cristão católico. Na Catedral,
presente estava entre pilares, Laura, a moça. Ela foi quem deu o menino para
criar a sua amiga Nara. Em determinado
instante Laura saiu furtiva sem as pessoas notarem. Desta forma Laura resolveu
um caso interrompido. As pessoas presentes ao batizado de Neto passado a ser
chamado Sisenando de Almeida Neto, acompanharam a pequena porção de gente indo
até a residência de Nara onde a moça já havia preparado uma simples recepção.
Algo como ponche e bolos. Os bolos, alguns pequenos, foram adquiridos com
certeza a uma senhora moradora perto da residência de Nara. A senhora fazia
bolos de encomenda. A festinha de Neto durou até às seis horas da tarde quando
as “beatas” foram rezar o terço e fazer as cantorias de forma. A noite desceu
rápida e o sereno começou a fluir sobre os tetos das casas da Rua Santo
Antônio, a mais antiga rua existente da Cidade Alta, também conhecida como Rua
da Água. Um touro mugiu sereno, pois era
a vez da matança do gado no açougue da Rua Salgadeira, por onde andavam as
mulheres a fazer o salgado das vísceras do gado morto. Logo abaixo, o trem
apitou anunciando sua vinda a Estação da Estrada de Ferro. Dia de sábado, muita
cachaça na Feira do Paço para os bêbados da noite. Bem acima, ficava o velho
Quartel da Polícia. Antes, muito antes, naquele local funcionou o Hospital da
Caridade. Mulheres de vida alegre faziam a festa nos salões de um casarão
existente logo no início da Rua Padre Pinto, uma depois da Rua Santo Antônio. A
cidade dormia tranquila na noite do batizado de Sisenando Neto.
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