- DEUS -
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VIAGEM
Todo atrapalhado de modo a procurar a bendita chave, o Monge
Euclides nem prestou atenção quando o outro Monge se aproximou. Quando o viu,
esse Monge ainda estava distante de sua Cela. Ele estava por demais com pressa
a olhar para cima da porta onde a santificada chave poderia se encontrar. O
melancólico cantochão se podia ouvir de muito longe onde os Monges beneditinos
declamavam a uníssono as preces monofóbicas utilizadas nas liturgias cristãs.
Era um cantar de origem pagã ligada a um deus grego. Historicamente, diversas
formas de ritos cristãos, como o gregoriano, organizaram a música utilizada em
repertórios a partir de qual fizessem parte. Formadas principalmente por
intervalos próximos as melodias do cantochão se desenvolviam suavemente. O
cantochão é sem dúvidas o principal fundamento da chamada música ocidental. E
em sua melancólica procura o Monge Euclides nem deu por perceber a figura
aparentemente magra do outro Monge. Ao se acercar da porta fechada da Cela, o
Monge magro, piedosamente perguntou a Euclides:
Monge-1
--- Deus seja louvado. Procuras a tua chave? – indagou o
monge-um com a sua voz delicada e rouca.
Euclides:
--- Bom tarde Senhor Monge. Deus seja louvado. Pois é. Eu
busco a chave e não a encontro. – recitou
Monge-1
--- Vos estavas a viajar. Eu fiquei com a chave. Durante todo
esse tempo muitos noviços usaram o teu
aposento. Eles chegavam e saíam. Quanta lamúria. Deixa me ver qual destas. – e
buscou no monte de chave a adequada.
Após um longo instante o Monge-1 a encontrou entre molhos.
Euclides, o também Monge, ficou admirado com o ancião, pois a sua debilidade
não dificultava a ele enxergar, uma vez não ter nem óculos. Euclides olhou bem
para o rosto do Monge e pode ter certeza de que ele não usava óculos como era
habito dos demais ter a marca nas narinas.
E se pôs a agradecer de verdade.
O monge debilitado indagou por vez.
Monge-1
--- Como vos fostes na viagem? – indagou com voz debilitada.
Euclides:
--- Foi normal. – disse Euclides sem saber do que falar.
Monge-1
--- Fostes a Roma? – indagou o Monge a guardar no bolço o
molho de chaves.
Euclides:
--- Não. Não fui. Fiz meus estudos em Madrid. – suava como
nunca ao dizer tal fato.
Monge-1
--- Ah! Madrid. Eu nunca tive a oportunidade de conhecer.
Mas, algum dia, talvez eu esteja a visitar a velha metrópole.
Euclides:
--- É de um sossego colossal. – relatou envergonhado com
tanta mentira junta.
E o velho Monge saiu com vagar a recitar o nome da cidade.
Monge-1
--- Madrid, Madrid! Velha cidade. – dizia o ancião como se
estivesse contando o tempo para viajar à acabada Cidade.
Euclides, o Monge, fincou a chave e abriu sua Cela.
Aparentemente, tudo normal. A não ser um aviso posto no birô de estudos do
Mosteiro. Era um aviso sem grande importância de algum aluno de tempos remotos.
Outro aviso era o de não deixar a vela acesa. E mais outro. Dizia: “O tempo é
imenso”. Ele ficou a imaginar.
Euclides:
--- Quem teria posto este aviso? Imenso? Por quê? – indagou
sem jeito o Monge novo.
Ele folheou mais uns documentos sem alguma importância. E
teve um o qual definia: “O Princípio”. E ele pôs-se a ler com mais
tranquilidade. O Sol já estava a cair no horizonte. Era o inicio do fim do dia.
As árvores frondosas do parque do Mosteiro deixavam o seu inebriante e
acalentador perfume. Pássaros canoros já procuravam os seus ninhos de dormidas
para o seu sossego da noite. Esquilos volteavam as grandes e formosas árvores a
um só espaço. Um gato se soergueu de leve como a espichar o corpo peludo e
enegrecido. Um cão ladrou intermitente para alguém a passar junto ao seu
habitat. Nuvens esvoaçantes mergulhavam à tarde no domínio da solidão silente.
Os acordes da serra em brumas eram um calar enegrecido e dorido. A paz não
tardava a chegar. E nesse instante de angustiante oração, Euclides, o monge,
passou a verificar por todos os locais do maciço documento onde estava algo a
identificar a estranha frase. Após averiguar de todas as formas o envelope o
Monge se agachou para ver se tinha deixado cair algo no chão. Nada não. E com
isso Euclides, o Monge, desistiu de se aventurar da procura e deu de mão.
Euclides:
--- Deve ter sido de alguém a pernoitar nesse cômodo. – disse
o Monge ao desengano.
Às seis horas da tarde era o tempo a oração para os Monges
Beneditinos. Euclides, o Monge, abriu a porta de sua Cela, como todos os
demais, e entrava no corredor estando presente na Sacristia de São Simplício a
aguardar o inicio das orações. A Sacristia ficava próxima à Igreja onde os Monges
se reuniam para então fazer as suas orações noturnas. O Canto por parte do
grupo a entoar o Cantochão sinal de entrada de todos os demais no interior da
Santa Igreja. Á frente de onde se encontrava o Monge Euclides estava também a
Sala do Capítulo e ao seu lado esquerdo a própria Igreja onde o grupo de Monges
entoava o Cantochão. Para o Monge tudo aquilo parecia uma novidade algo como de
quem nunca tinha visto ou visitado. De momento algo esquisito se passou em sua
mente como de estar à vez primeira em um Mosteiro. Pelo tempo passado, Euclides
já era um Monge, com a precisa exatidão. De algum modo, o Monge de Astúrias
nada percebeu de estranho em seus trajes. E se voltava para um e outro lado a
conferir o seu vestir. Por fim ele logo prestou atenção ser um Monge “branco”
com certeza. Suas vestes estavam de acordo. No final da Hora Santa o Monge
entrava no refeitório dos demais Monges. E tudo aquilo era um pouco diferente.
O refeitório dos Monges ficava bem adiante do refeitório dos Conversos, algo
que Euclides nunca percebera. Esses tais conversos eram os Cristãos-Novos,
judeus e mulçumanos convertidos ao Cristianismo. Eles faziam a diferença dos
Cristãos-Velhos ou Cristão-Puros, um conceito meramente ideológico. O monge
lembrou por instantes do velho amigo Ambrósio. Esteve atarantado durante
algumas horas e de Ambrósio se esquecera. A essas horas da tarde/noite a cabeça
de Euclides girou forte. O Monge morrera há cinco anos e ele soube apenas a
algumas horas passadas. De Astúrias não queria acreditar naquele impasse da
vida. Para ele era tudo um sonho. A morte do seu tutor não devia ter ocorrido.
De Astúrias passara alguns minutos de viagem a Madrid. Minutos a se estender em
anos. A Sacerdotisa levou meia hora apenas para Euclides conhecer Madrid. Meia
hora e duraram cinco anos. Uma tristeza vagou por seu espirito. Ele não mais
acreditava na verdade. Ambrósio não morrera, talvez. Aquilo era apenas ficção,
invenção, torvelinho do pensar. O Monge Ambrósio devia estar mais à frente dos
demais. Era o que Euclides pensava então. O vento morno quase frio começava a
sopra do leste com uma lufada de colher, com efeito, tudo em sua volta. Os
Monges entoavam cânticos de gloria onde todos começavam a penetrar no recinto
do Templo. Santuário para Euclides muito estranho por demais. No interior do silencioso
Templo havia apenas os monges beneditinos, os noviços e os Conversos. E os
cantores juntos na entrada onde havia o órgão, uma obra prima com seus 628
tubos. Órgão da antiga Ermida de um templo cristão. Seus foles de ar eram
movidos a um motor recentemente adquirido. Antes, o órgão funcionava a força
braçal. Seus tubos eram de fabricação francesa. Sua estrutura era feita de
jacarandá, madeira própria para o feitio do instrumento. Arcos ogivais
adornavam sua frente e se erguiam até a altura da rosácea frontal como exigiam
as regras da arte. O Santuário de São Simplício tinha vários altares, além do
altar principal e do altar da Celebração Eucarística. Além do mais, dois
altares barrocos, ricamente pintados. Esses altares ficavam logo na entrada do
Santuário. Em um deles, à direita, encontrava-se a imagem de Nossa Senhora dos
Anjos. No outro, à esquerda, estava à imagem do Sagrado Coração de Jesus. Ao
longo da Igreja, encontravam-se outros dez altares, cinco de cada lado.
Mereciam destaque, no interior do Templo, os vitrais franceses do presbitério.
Nele se percebe abaixo o Menino Jesus. Da esquerda para a direita, os vitrais
retratavam o nascimento de Jesus, a apresentação do Menino Jesus no Templo por
seus pais, o Menino Jesus com 12 anos no Templo discutindo com os doutores da
Lei, o Menino Jesus e seus pais trabalhando em Nazaré e as Bodas de Caná.
Simplício nasceu em Tivoli e governou a Igreja de Roma como o
seu 47º Papa. No oitavo ano do seu pontificado ocorreu a queda do Império
Romano. A bela imagem barroca de São Simplício era uma peça única, talhada em
madeira, tendo suas roupas ricamente pintadas. Quando todo o Templo estava
repleto com os seus Monges, - alguns
convidados – deu-se o inesperado com Euclides. Ajoelhado em seu banco à
direita, ele enxergou de uma parte do lado esquerdo a figura de um Noviço o
qual algo de horas o avistara em algum lugar. Parecia uma imagem duplicada de
um noviço conhecido em alguma parte do Santuário ou mesmo em outro local.
Temeroso com a estúpida visão Euclides de Astúrias procurou a desviar a visão e
se encolher mais ainda em seu banco de madeira. Outros Monges passavam calados
e orando pelo centro do Templo, todos de mãos postas, orando, e ele aproveitava
para enxergar o noviço, rapaz que não o conhecera antes, no Mosteiro. Com muita
precaução o Monge se soergueu do seu banco e, com muita cautela, atravessou
para o outro lado até se por pelo lado de trás do noviço e a ele perguntar:
Euclides:
--- De onde está vindo irmão? – indagou o monge o noviço.
O noviço se assustou e de momento compenetrou-se de cabeça
abaixada para então responder a indagação feita:
Noviço:
--- Tramuntana, senhor Monge. – respondeu acanhado o noviço.
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