- DEMÔNIO -
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O DIABO - PARTE II
O Abade estava a supor de ter sido no inverno boreal, em
volta do mês de janeiro ou fevereiro quando ocorre o solstício na região norte
do hemisfério. Houve uma tempestade de neve por amplo redor da vila onde
moravam os seus familiares. Teve época de frio intenso e muita gente não suportou
a peste bubônica conhecida por Morte Negra. Centenas de corpos coalharam o
cemitério da vila onde a família do Abade morava. Pouca gente escapou. Muitos
conseguiram fugir para outras regiões do país, apesar do frio absorvente. Essa
história sempre ouvia o Abade de todos os seus familiares a lamentar de alguns
entes queridos os quais morreram entre os tantos. O Mosteiro era o canto mais
seguro para os vizinhos do remoto vilarejo. Houve pânico entre os sobreviventes
da tragédia e súplicas de amparo para os mais necessitados. O Abade Euclides
fechou o trinco da janela e se voltou para estante onde se guardava umas
garrafas de vinhos feitos na própria abadia com as uvas recolhidas durante o
tempo do verão. Euclides retirou uma taça e encheu com gosto do precioso licor
de anos passados. Ele degustou um pouco para saborear o vinhedo na sua boa
excelência, tragou e engoliu de uma única vez. Logo em seguida, ainda cheio de
frio, Euclides voltou à mesa para rebuscar o grosso tomo. E então continuou a
narrativa:
--- O artista ou artistas do Códice deram a esse astuto
demônio uma Cela. Satã não está solto no inferno. Mas emparedado dentro de uma
câmara do mau. Ninguém nunca o ousou prender antes. Como encontrar o autor da
imagem de Satã? O autor da misteriosa figura pode revelar muita coisa
diabólica. O ambiente, a educação, as influências e até a psicologia de um
escriba. O demônio, como é conhecido, teve sua origem nos jardins do Éden, na
forma de uma serpente. Mesmo assim, suas origens são surpreendentemente
“inocentes”. O Satã em árabe significava simplesmente “acusador”. Em hebraico,
significava “adversário”. No Antigo Testamento, Satã é um tipo de advogado
discutindo o pecado do homem com Deus. O Novo Testamento trás em Satã a
encarnação do mal. No terrível capítulo final – o Livro do Apocalipse – a
identidade de Satã fica clara: ele é o anjo “Caído”. Um superdomínio
apocalíptico engenhoso, sedutor e mortal. Um trapeiro do mau que condena os
pecadores ao inferno eterno.
Opinião:
--- O Livro do Apocalipse diz que a Terra é um solo de
batalha. Então, essa batalha cósmica que aconteceu previamente no Paraíso agora
está acontecendo na Terra.
Nas Cidades Médias, Satã adquiriu um novo visual para
corresponder a sua identidade sinistra. Um visual emprestado do paganismo. O
Cristianismo transformou. Deus da fertilidade pagã, metade homem, metade bode,
em demônio. Com isso ele tem várias características. Os chifres clássicos de um
demônio, a pele escamada de um animal metade homem, metade bode e que se torna
um animal com pele escamada. O Diabo tem os cascos que, literalmente, eram
associados a Pã e que se tornaram uma coisa negativa. Algo animalesco
Esse é o Satã do Códice criado pelo Monge ou Monges
fortemente influenciados por sua época. Mesmo assim o Diabo mostra evidencia de
outra coisa: um estranho espírito livre marchando para o seu próprio destino do
Mefistófeles. Apesar de tudo, o autor do Diabo era um amador. Embora o trabalho
seja impressionante para os olhos de um especialista, não é de um bom artista.
Era um amador com algum talento obsessivo. Ele trabalha para que a figura fique
maior, mais significativa, mais alta, mais forte, mais completa e mais extraordinária
de qualquer coisa já feita. As mesmas pistas aparecem na caligrafia do Livro.
Bonita, detalhista. Mas não sofisticada. Provavelmente obra de um autodidata.
Os escribas monásticos profissionais colaboravam uns com os
outros em uma grande sala chamada “Escritório” trocando os mais recentes
métodos e técnicas entre si. Comparando-se um documento medieval com o Códice,
“A Bíblia do Diabo” parece
antiquada, amadora, quase excêntrica. Não é o que se espera de uma Bíblia do
século XIII. Deve ter sido um trabalho de algum autodidata. A pessoa que a
copiou era realmente um amador. Esses indicadores de um trabalho amador levanta
suspeita cada vez maior. E o Códice foi um projeto de uma única pessoa. Quem
quer que tenha sido o responsável por essa figura será que sabia que ela daria
início ao tumulto? Na época medieval pintar um Demônio numa página inteira
poderia ser algo provocativo. Até perigoso.
À medida que especialistas trabalham, as evidencias apontam
para um escriba. Mas quem será ele? Quem escolheu esse gigante no Códice? E que
mensagem queria ele ou eles deixar? Quaisquer que fossem suas intenções a Bíblia do Diabo lançou uma obsessão. Em 1565, na Áustria, o Príncipe coroado Rudolf
II espera o seu horoscopo real de um mestre profeta: Michel de Notredame, o
Nostradamus. O famoso profeta francês, farmacêutico e escritor de almanaques
prepara um mapa quadro elaborados. Neste mapa ele prevê a morte do pai de
Rudolf e a ascensão do jovem governante ao trono, tornando-se o Sagrado
Imperador romano. Quando Rudolf recebe o horoscopo as previsões ajudam a dar
vida a sua obsessão com o “oculto”. Rudolf cobiça o Códice. O Monarca se
aproxima amigavelmente do Mosteiro beneditino, dono do Livro, dando-lhes
presentes e fazendo-lhes favores. A estratégia funciona. O Abade trás o Códice
dando-lhe como presente a Rudolf. O Rei fica seduzido. E contrata uns
especialistas para traduzir as passagens e faz com que se dediquem as estranhas
páginas do Livro, incluindo a famosa figura do demônio, o Mefistófeles.
Rudolf mantém o Códice consigo. Uma grande aquisição para um
grande líder. A sua sorte logo mudaria para pior. Com uma tendência a
melancolia desde a infância, o Imperador se torna antissocial, instável e
paranoico. Ele fica enclausurado em seu Castelo. O reinado de Ruldolf logo se
torna uma tragédia. Sem condições para governar, ele perde todo o apoio que
tinha e sua família o expulsa do trono. O Imperador morre sem poder, solteiro,
sem herdeiros para dar seu bom nome. O ex-reino de Rudolf cai nas mãos do
inimigo. Exércitos armados saqueiam a Biblioteca Real e confiscam talvez o
manuscrito mais extraordinário de todos: o Códice Giga.
Séculos depois, na Biblioteca Nacional da Suécia, o lar do
Códice, é difícil imaginar uma revolta e caos tão grande. A equipe de investigação
está estreitando sua busca do escriba misterioso da Bíblia do Diabo. Eles
precisam de mais dados para provar ou não que o Monge agiu sozinho. Mas quanto
mais eles examinam o Códice, mais difícil fica a imaginar como um único ser
humano pode ter escrito tudo sozinho. E quanto tempo isso teria levado? Mesmo
para um especialista em caligrafia antiga, o calculo para descobrir o tempo
necessário para completar o Livro é complicado. O cientista tem que primeiro se
calcular para escrever uma linha. Para fazer isso, se precisa recriar o século
XIII, respeitando a ciência dos escribas. Escrevendo numa folha em branco, o
cientista reproduz a fonte de doze pontos latina tirada de uma das páginas da Bíblia do Diabo.
Depoimento
--- A pena se move bem depressa sobre o pergaminho. E isso é
tão verdade hoje quanto era há 700 anos. Pode-se calcular isso a partir do
número de linhas quanto tempo deve ter levado o trabalho do escriba.
Escrevendo sem parar o escriba deve ter completado uma linha
em vinte segundos, uma coluna em trinta minutos, uma parte em uma hora. E para
escrever o manuscrito inteiro, trabalhando vinte e quatro horas por dia, ele
teria levado cinco anos. Mas tem um detalhe: os Monges tinham deveres rigorosos
e só tinham missão para escrever durante algumas horas por dia. Além disse a
caligrafia, era apenas parte do trabalho;
Cálculo:
--- Cinco anos escrevendo. Levaria mais cinco para organizar
tudo. Isso indica dez anos. O Monge teve que fazer iniciais decoradas. E às
vezes, cada inicial leva de dois a três dias para ficar pronta. Ele deve ter
tido que corrigir seus textos e ter precisado ir à Igreja aos domingos. Somando
todos esses fatores se tem algo de um mínimo de vinte anos de produção. É
preferível concluir que o Monge levou de vinte e cinco a trinta anos para
terminar.
E tem mais cálculos: nas condições de ambiente do século XIII
escrever o Códice deve ter sido um trabalho exaustivo. Isso pode ser uma risca:
nos Monastérios Medievais, copiar um Livro Sagrado era uma forma comum de
penalidade. Um trabalho exaustivo, cansativo e pesado que possa ter dado ao
escriba uma chance de purificar sua alma.
Opinião:
--- Na época medieval acreditava-se que era possível espiar
os pecados copiando-se um texto.
E há outros sinais que sugerem que o Códice deve ter sido o
trabalho de um Monge condenado em uma missão. O conteúdo do livro é altamente
incorreto. De escrituras sagradas a historias até curas medicinais, ele inclui
a combinação de textos encontrados somente alí. Os especialistas notam a sua
ênfase em cuidar do corpo e da mente. E de proteger a sua alma imortal. Não há
nenhum outro manuscrito como este. Ele possui uma combinação de textos que não
existe em nenhum outro. Uma sessão em
particular sustenta a ideia de que o Códice pode ter sido escrito por alguém
com a consciência pesada: um conjunto de feitiços chamados: CONJURAÇÕES! – parentes próximos de um
ritual mais terrível: O EXORCISMO.
Opinião:
--- Vê-se no Códice Giga a imagem do
Demônio quase pronta para atacar. Essa é uma das imagens mais fortes da era
medieval. E está viva até hoje transmitindo a ideia não só de que o Diabo
poderia te atacar. Mas de que de alguma forma ele entraria em você e habitaria
em você. E a maneira de lidar com isso seria através do Exorcismo chamando o
Diabo “em nome de Deus”.
Nenhuma outra Bíblia contém a figura do Diabo junto com
condenações demoníacas. No Códice elas estão lado a lado. Os exorcismos e
condenações da era medieval geralmente eram terríveis. Orações fervorosas,
poder físico, encantamentos. O Sacerdote e a vítima lutavam pela alma do
possuído. Geralmente as invocações funcionavam como um remédio preventivo para
afastar os Demônios antes que eles tomassem conta da pessoa. Para os
especialistas que buscam identificar o verdadeiro autor do Códice um conteúdo
tão volátil oferece pistas valiosas. Códice Giga. Pagina 290. Conjurações de
curas espirituosas. Para executar o ritual do feitiço do Códice o sacerdote
fica em pé sobre o doente. Faz o Sinal da Cruz. E ousa se dirigir ao Diabo pelo
nome chamando por seus nomes conhecidos e desconhecidos. Ele conta a historia
sobre Jesus, seus anjos e discípulos. Ordena que a tentação maligna deixe o
corpo do servo de Deus. O sacerdote reza para que a vítima seja redimida.
Decifrando o Código hoje, as conjurações parecem sustentar uma
teoria de um escriba solitário. De um Monge tentando redimir seus pecados
escrevendo o livro mais ambicioso de sua época. Mas pergunta permanece. Como um
manuscrito tão perfeito assim poderia existir? Que tipo de escriba
extraordinário poderia tê-lo escrito? Ou será um trabalho de vários escribas
tentando se passar por ele? Uma evidencia mais forense para desmascarar o
criador da Bíblia do Diabo estava à
vista de todos os cientistas. O ano era 1648, cidade de Praga. Depois da queda
de Rudolf II tropas suecas invasoras roubaram espólios valiosos. Dentre eles, A BÍBLIA DO DIABO. Os soldados colocam
o valioso manuscrito em um caminhão gigante e fazem a jornada de quase 1.500
quilômetros de volta à Estocolmo. Muitos não fazem ideia do Livro que está
viajando ao lado deles. Outros podem ter ouvido boatos sinistros de uma Bíblia
tocada pelo Mal, escrita pelo próprio Demônio. As autoridades planejam
apresentar o Códice a Cristina, a sua monarca reinante. A Rainha reinante da
Europa. Vinte anos antes em um Castelo, em Estocolmo, nascia uma garota sobre
poderosas profecias. Muitos acreditavam, se a criança sobrevivesse à noite, ela
despertaria para a Majestade. Mas um homem está determinado a virar o seu
destino. Seu pai, o Rei Gustavo II. Dois dos seus filhos já haviam morrido e
Cristina é sua única herdeira. O Rei jura trata-la como se ela fosse um homem.
E então a cria, à educa e a veste como um menino. Cristina segue os desejos de
seu pai. Quando se torna uma Monarca, ela faz seu juramento, não como Rainha.
Mas como Rei. Seu Exército se prepara para apresentar a ela a Bíblia do Diabo. Eles esperam que ela
fique feliz com essa incrível novidade. Cristina ordena que o Códice seja
colocado na Biblioteca do seu Castelo. No catálogo oficial o Códice é listado
em primeiro lugar entre todos os seus manuscritos mais valiosos. Mas Cristina
não ficará com ele durante muito tempo. O destino do Reino logo teria uma
tumultuada virada. E a Bíblia do Diabo
também. Em menos de uma década Cristina abdica ao Trono. Ela se converte ao
catolicismo e promete a se exilar em Roma. Ela pega suas coisas mais valiosas,
incluindo várias Bíblias Sagradas. Mas, misteriosamente ela deixa o Códice para
trás.
Menos de 50 anos depois o Códice quase é destruído num
incêndio catastrófico no Castelo. 1697. Estocolmo. Sexta-feira. 7 de maio.
Dentro do Castelo Real jaz um corpo em toda sua ponta. O recém-morto, Rei
Charles XI. Sem aviso, o Castelo começa a pegar fogo. Aposento após aposento
vai sendo tomado pelas chamas. A Família Real foge em pânico. Os servos do
Castelo se apressam para salvar o que podem. Os restos mortais do Rei, bens
preciosos e livros. Segundo a lenda, um servo agarra o gigante Códice e o atira
ao solo, preservando-o. Mas este é mais um capítulo na história desse livro. O
fogo causa uma devastação gigantesca. Os encarregados de evitar que qualquer
incêndio se alastrasse são condenados à tortura.
Com passar dos séculos, hoje, Bíblia do Diabo, salva de um incêndio, existindo por todo esse
tempo, mostra em suas páginas a figura do Demônio protegido das amarguras de
sua vida ao contrário de outras páginas desgastadas, encolhidas e até mesmo
rasgadas. Um detalhe: A Bíblia foi escrita não em papel, porém em couro, ou
seja, velo, parecido com pergaminho, mas feito de pele de animal. E foram
utilizadas 160 peles ou velo para usar na confecção desse Códice. Essa era uma
formula de reciclagem medieval. No Monastério sobrava muita pele de animais
abatidos para o consumo dos Monges. Então depois de muita busca, os cientistas
descobriram que as sombras foram causadas pela falta de luz. Com o tempo, a
exposição aos raios ultravioletas surtia um poderoso efeito na pele de animal
acabando por tingi-la. É uma prova de
uma poderosa atração. Durante 800 anos as pessoas olharam para a figura de Satã
mais do que qualquer outra página. A exposição do livro revela algo muito mais
notável do que possessão demoníaca:
Nosso eterno fascínio pelo demônio. E o Códice Giga foi um
trabalho de um único escriba. É uma conquista quase sobre-humana. O maior
manuscrito já criado. E a única palavra encontrada na Bíblia revela o seu
autor. A palavra é “INCLUSÃO”. Ao
contrario de que se pensou durante esses 800 anos: “Emparedado Vivo” E a Bíblia tem algo mais significativo. Não o
Diabo. Mas o retrato do Reino do Paraíso. O Horror e a Felicidade. O Bem
e o Mal se enfrentando nas páginas do Códice Giga. Esse é o resultado do
conhecer de um Monge beneditino.
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