quarta-feira, 2 de março de 2011

DESEJO - 06 -

- Penelope Cruz -
- 06 -

O Governador foi ao banheiro e aproveitou para também evacuar fezes, as quais lhe estavam perturbando desde a confusão de Sertânia. A moça da arrumação dos quartos da casa grande entrou de repente na cozinha da casa e sentiu o forte odor. O Governador estava no aparelho sanitário e ela logo percebeu de alguém de fora. Por isso mesmo indagou a Governanta quem estava no banheiro ou na privada. A Governada disse então que era uma visita.
--- Que catinga danada! – falou revoltada a moça.
--- Cala tua boca. É o governador do Estado que está no banheiro. – falou resoluta a mulher.
--- Quem? Ou bosta infeliz! – reclamou aperreada a arrumadeira.
E saiu correndo descendo os batentes da casa grande dizendo em verdadeiro alarde.
--- Tá podre!!! – falou sem temor a arrumadeira.
--- Que estais falando então? – indagou a lavadeira que estava ponde as roupas para enxugar.
--- O homem do Governo. Ele está podre. Não tem quem agüente. PODRE! – falou desesperada a arrumadeira da casa grande.
--- Ora besteira. Ele é homem como qualquer um! – sorriu de qualquer forma a lavadeira.
O tempo passou e o Governador já estava pronto para receber sua primeira refeição ao lado do Major Theodomiro na mesa ampla da sala de jantar. Igualmente estavam os Secretários de Imprensa, o de Interior e Justiça além do fotógrafo Canindé e do repórter Armando Viana e dos dois motoristas. Da parte do Major apenas estava a sua senhora, Dona Maria Amélia. Foi uma refeição agradável pelo que se deu a perceber. O Governador reclamava apenas pela situação de não se saber onde ele estava.
--- Tem gente procurando meio mundo! – reclamou o Governador.
--- Não tem importância, Governador. Eu paço um radio agorinha. – firmou Theodomiro.
--- Passa um rádio como? – indagou surpreso o Governador.
--- Eu tenho um rádio aqui. O senhor querendo eu chamo à capital. – relatou o Major.
--- O senhor tem um rádio? Quer dizer: radio amador? – falou surpreso o Governador.
--- Pois é. A gente se comunica todos os dias. Eu falo sempre com os meus amigos da capital – relatou o major Theodomiro.
--- Ora já se viu! Um rádio amador!!! – falou o Governador como quem cai das nuvens.
Após o café da manhã onde tudo foi bem servido, desde a tapioca ao mungunzá, o Governador e seus auxiliares foram com o Major Theodomiro até a sala onde estava o equipamento de rádio amador e de onde o homem fazia suas verdadeiras proezas. Theodomiro chamou um amigo da capital de prontamente foi atendido. Após uma breve conversa ele foi logo dizendo quem estava em sua casa grande.
--- O Governador. Entende? Ele quer mandar mensagem para ser divulgada nos jornais da capital. Cambio. – falou o Major.
--- Cambio. Cambio. Espera um instante. Vou chamar o Palácio. É melhor falar com o sistema de radio do Palácio. Um momento. Cambio! – falou o amigo que estava a escuta.
Após curto tempo, o radio amador retornou pedindo que o colega baixasse dez. Essa era o meio de se dizer em rádio. Baixe dez. Suba dez. E o radio amador entendia com perfeição. E ao baixar dez o Major Theodomiro já estava conectado com o sistema de rádio do Palácio. Depois da troca de cumprimentos o Major deixou o microfone a vontade o Governador. E esse, tendo ao redor seus auxiliares mandou para o sistema de radio do Palácio a mensagem de que tudo estava bem. As obrigações foram feitas e que o Governador estaria de volta no dia seguinte. Essa mensagem era dada para tranqüilizar todo o pessoal do Estado. E concluído o seu breve pronunciamento o Chefe de Estado retornou o microfone ao Major Theodomiro.
A partir de então, os dois homens voltaram a conversar bem mais tranqüilos. E o Governador declarou ao Major Theodomiro algo necessário por demais:
--- Eu vou tomar providencia assim que estivar da capital para fazer uma estrada de piche no lugar dessa estrada de barro. – argumentou o Governador ainda se ajeitando na cadeira de vime postada à frente da casa grande.
--- O senhor não sabe quantas andadas eu dei na Prefeitura de Sertânia! Muitas. Passava Prefeito. Vinha Prefeito. E nenhum fez nada. Aqui é uma estrada particular. Uma estrada da minha fazenda. Mas eu queria apenas um pouco de barro. Mesmo assim, nada se fez. Comprei um trator para fazer a terraplenagem. E foi assim que ainda pude resolver parte do serviço. – enfatizou o Major.
--- De agora em diante vai ser do Governo. Tome nota, secretário. Eu exijo que se faça isso com pressa. – falou alto o Governador.
--- Sim senhor. Está anotado. É a primeira coisa a ser feita. – relatou bem humilde o Secretário de Justiça.
--- Bom. Assim é que se faz Governador. – agradeceu sorrindo o Major Theodomiro.
As mocinhas de 16 e 17 anos estavam por perto, na entrada da casa grande, só olhando para o repórter cuja missão era  anotar também o desejo do Governador.
Após o lauto almoço pouco depois do meio dia houve então a despedia do Governador e do Major. Abraços e apertos de mão enfim. As duas mocinhas estavam por perto e cada uma se despediu do repórter Armando Viana na esperança de em curto espaço de tempo ele também pudesse retornar.
--- Volte mais vezes! – disse a mais velha de modo a sorrir.
--- Voltarei sim. – declarou Armando.
O automóvel do Governador seguiu por uma estrada calçada de pedra que rumava pelo final do terreno do cercado até encontrar a pista muito além. O calçamento estava não muito bom. Os veículos tinham que trafegar em zig-zag em alguns pontos para se livrar dos incômodos atropelos o qual se faziam presentes. A chuva torrencial da noite do dia anterior também tinha contribuído para o desacerto da estrada. Cada sopapo deixava o Governador cheio de gases. E assim, ele estava a soltar gases e nem o motorista suportava. Foi mais uma hora de viagem na estrada até chegar a rodovia de asfalto. Nessa rodovia também carecia de reparos. O Governo Federal não custeava as despesas por algum tempo. Desse modo, os carros rodavam mais pelo acostamento quando havia panelas no meio da estrada. Panelas eram o que se chamava de depressão provocada pelo desgaste do asfalto. Em todo o trecho percorrido havia panelas. O carro de Giba seguia atrás do primeiro automóvel. Desse modo, o Governador estava sempre a frente de Armando Viana. A certa altura, Canindé resolveu colocar filme na sua máquina de filmar e assim pediu para Armando por seu paletó sobre ele.
--- Pra que você quer meu paletó? – indagou Armando ao fotografo.
O carro no qual viajava adernava para um lado e para o outro na estrada de asfalto e Canindé apenas teve a dizer.
--- Eu vou mudar o filme aqui seu bosta! – resmungou colérico o fotógrafo.
Com bastante raiva pelos catabirros da estrada Armando retirou o paletó e sacudiu em cima de Canindé sem dizer mais nenhuma palavra.
--- Não briguem. Cuidado! – falou o motorista do carro tentando acalmar os ânimos dos dois amigos ou companheiros de viagem.
--- Esse bosta é que não quer dá o paletó. Bosta! – reclamou Canindé enquanto se enfurnava por debaixo do paletó já amassado demais.
Após um  longo período de tirar e por película na máquina de filmagem então Canindé se deu por satisfeito entregando o paletó de Armando Viana.
--- Taí tua bosta seu corno! – disse em desaforo o fotógrafo.
O repórter pegou o paletó e vestiu enquanto Canindé procurava ajeita a maquina de filma. Em certa ocasião ele filmou o carro da frente. Era o Governador quem estava em viagem. Em outra ocasião, ele filmou os campos verdejantes e de muita lagoa formada da margem da estrada. Mesmo aos solavancos que lhe permitia a estrada, Canindé era seu verdadeiro artista para todas as conversas. De longe, viu o trem. Ele mirou para apanhar o comboio a apitar constante para prevenir a sua vinda na passagem de nível. O trem era imenso para a ocasião. Trazia a composição e em seguida os carros de passageiros. Ao final a composição rebocava os carros de bagagem e de cargas. Para Canindé aquele era o máximo. Ele não avistara um trem há muito tempo. Pelo menos para filmar.
--- Venha! Venha! Venha! – dizia Canindé com o olho no visor da máquina de filmar.
O carro do Governador parou na passagem de nível. Havia também do outro lado da rodovia esburacada outros carros parados. Os viajantes do trem acenavam para todos os presentes.


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