sexta-feira, 25 de março de 2011

DESEJO - 11 -

- Zsa Zsa Gabor -
- 11 -
O tempo passou e a situação voltou ao normal após cindo dias de temporal. O balanço do Governo era por demais catastróficos. Pontes derrubadas. Trânsito de caminhões e carros se fazendo por desvios no interior do Estado, casas caídas, gente morta. Era um caos total. E o Estado não tinha recursos para cobrir todo o prejuízo. O próprio pagamento das folhas do Estado sofreria atraso. E o Município nem se fala. Mesmo assim, o Exército mantinha a ponte no extremo do local de Sertânia. No café do Mercado Público, logo cedo do dia, estava à turma a conversar sobre os estragos das estradas. Canindé era um deles. Armando ainda não tinha chegado. Ele deveria aparecer em poucos instantes. Os talhadores de carne continuavam a bater com os seus facões em cima das pedras e a amolar em seguida para bater novamente na carne e chamar um freguês para comprar a parte nobre do boi. Em determinado instante um freqüentador do café logo disse aos outros presentes:
--- Você sabe que esse mercado, antigamente, foi um matadouro e um mercado de peixe? – indagou o homem presente falando calmo.
--- Eu não. Quem te disse? – perguntou de forma calma o fotógrafo Canindé.
--- Eu era menino quando ouvi essa e estória. Quem me contou foi meu avô. Ele sabia por que o  pai dele também trabalhou aqui mesmo. – disse o homem sorrindo.
--- Interessante! E pai do seu avô? O bisavô do senhor? - indagou o fotógrafo Canindé sem muito entender.
--- É. Foi o que ele me disse. Lá para os idos de mil oitocentos e tarara. – sorriu com bastante franqueza o homem.
--- É isso. Aqui sempre foi um local de peixes e carne verde. – sorriu Canindé.
--- Isso lá pras tantas.  Em mil oitocentos e votes. – sorriu o homem.
E Canindé também sorriu. Nesse ponto Armando vinha chegando ao Mercado mastigando uma casca de romã como ele mesmo declarou.
--- Romã! – sorriu Armando Viana para tirar um espanto da cara do fotógrafo. Esse nem necessitou de saber mais coisa alguma. Apenas disse ao ver um pouco da casca ressecada de romã trazida por Armando em suas próprias mãos.
--- Romã. É bom. – consertou o fotógrafo de olhos fitos na casca da fruta.
--- Eu ouvi dizer que o governo rumou para a Capital da República. – falou Armando pessimista.
--- É. Ele tá doidinho com essa calamidade. – argumentou o fotógrafo.
--- Você já sabia? – perguntou Armando ao fotografo.
--- Alguma coisa assim. Garcia me falou hoje cedo da manhã. – relatou o fotógrafo.
--- Vou passar na assessoria para saber os detalhes. – comentou Armando.
--- Aqueles bostas não sabem de nada. – refletiu Canindé olhando a vagar para a rua.
--- Pelo menos o Secretário de Imprensa. Ele deve saber mais alguma coisa. – falou sem muita confiança o repórter.
--- Pode ser. Se não estava chumbado! Ele só vive chumbado por esses tempos. – reclamou o fotógrafo.
--- Puta merda. O sujeito daquele só vive bêbado. – enfatizou de forma lenta o repórter.
--- Dizem que a mulher dele bota chifre. – sorriu o fotografo.
--- É por isso que ele vive de cara cheia. – retornou Armando a resposta.
--- É a vida! – declarou de forma lenta o fotógrafo Canindé.
--- Bom. Vou tomar café. Quem me acompanha? – indagou Armando a todos os presentes.
--- Eu já tomei o meu. O cuscuz tá uma maravilha. – respondeu um rapaz no local.
--- Tudo tá bom aqui. Não tem nem graça. Tapioca, cuscuz, mungunzá, bolo-preto. Tudo ta bem pra se comer. Ora! – respondeu dona Dora, dona do café.
--- É por isso que eu gosto dessa mulher. Tudo tá bom. – sorriu franco Canindé.
Armando Viana já estava bem melhor. A rouquidão já passara. O tempo bom voltara e ele ainda assim tossia um pouco e costumava mascar a casca da romã que alguém lhe dissera ser um bom remédio.
--- E tiro e queda. – declarou quem disse.
E ele acreditou no conselho de quem lhe disse. Após o café no Mercado, Armando foi com o fotógrafo Canindé ao Palácio do Governo a procura do Secretário de Imprensa. Era bem claro que o homem àquela hora não estaria no serviço. E se fosse, só estaria por volta das dez horas e se o Governador também estivesse no seu Gabinete de trabalho. Então, vendo ele a porta trancada do Secretário de Imprensa, se dirigiu para a redação onde estava apenas o mesmo repórter da vez anterior que ele procurou saber do Governado. Ao indagar pelo paradeiro do Secretário, o rapaz, um pouco corcunda, com uma porção de livros em cima da mesa de trabalho foi logo dizendo apontando o dedo para a porta.
--- Ele está ai! – o sorrio por várias vezes como quem tinha certeza do que dizia.
--- Tá nada! Está tudo fechado! – rosnou com raiva o jornalista Armando Viana.
E o repórter magro e meio corcunda, magro que nem um sibite se levantou com pressa e disse ao colega de oficio.
--- Está sim! Quer ver? Quer ver? Quer ver? – sorriu o repórter sem querer com um rosto de criança.
E foi até ao Gabinete. Então abriu a porta e mostrou o Secretario a dormir como criança chega à cabeça batia no encosto da cadeira.
--- Não disse! Não disse! Não disse que ele estava! Olhe ali! – sorriu o repórter outra vez.
--- Eu devia fazer uma foto dele. – falou baixinho o fotógrafo Canindé.
--- Faça uma! Eu compro! – falou o repórter de plantão a sorrir falando a Canindé.
E não teve outra. Canindé fotografou o Secretario a dormir chega roncava. E Armando disse uma vez o que estava a ver.
--- Não tem jeito não. É melhor eu ir embora. – argumentou Armando falando baixo.
E saiu Armando acompanhado por Canindé fotógrafo. E bem atrás vinha o repórter de plantão que chegara bem cedo ao trabalho. Ele vinha sorrindo. Um sorriso sem pé nem cabeça. Apenas sorria. Sua boca era cheia de dentes quando ele mostrava a sorrir. Cheirava ele bem pouco ou quase nada, parecendo não tomar banho. O repórter vinha depressa com um livro na mão e se aproximou bem mais de Armando oferecendo a brochura a sorrir:
--- Ei! Com...com..compre aqui um li...li.. livro! – sorria bem mais como não precisando.
---Quero nada! Ofereça a Canindé! -  respondeu Armando atribulado procurando subir até o Gabinete do Adjunto onde devia obter informações sobre o Governador.
--- Já ofereci a ele! (sorriu o reporte e disse a seguir) – Compre um! – e sorriu.
--- Quer não. Vou atrás do Adjunto. – respondeu Armando com  a cara feia.
E ele subiu as escadas que dava acesso ao Gabinete do Adjunto. Canindé ficou pra trás e disse completamente alheio a consulta do livro do repórter.
--- Vou falar com Garcia. Saber se o Governador viajou mesmo. – resmungou o fotografo aos seus botões. O repórter ainda o perseguiu e vendo o seu insucesso na venda do precioso livro respondeu a sorrir com a boca cheia de dentes.
--- Muquirana! – e torceu a cabeça para um lado e para outro voltando em seguida para o seu ambiente de trabalho.
Após alguns minuto pareceu Armando, descendo a escada que dava ao primeiro andar. Ele ainda cruzou com um deputado da situação e teve a idéia de perguntar ao parlamentar sobre a questão da chuva no interior do Estado. O deputado querendo aparecer naquela oportunidade concedeu a entrevista. O homem procurou se ostentar de bem arrumado com se estivesse falando ao um órgão importante de noticias, pois Armando disse logo ser para uma matéria mandada para o sul do País. E o parlamentar sorriu e falou tudo o que sabia e o que não sabia relatando sobre a ação do Governo naquele instante de inquietação e desespero com o povo pobre sofrendo a maior desgraça, com fome e sede. Crianças ao abandono. Idosos sofrendo as mais terríveis necessidades. E toda essa coisa dita por um parlamentar.

Um comentário:

  1. Gostei do conto,mas sugiro que vç faça uma crônica sobre o meretissimo fux. O homem que defende corrupto.Abraços Magno.

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