quinta-feira, 3 de março de 2011

DESEJO - 07 -

- Mionette Trachtenberg =
- 07 -
Enquanto a composição com seus vagões repletos de passageiros, cargas e animais seguia com pressa bem comum dos comboios na pista de asfalto totalmente esburacada o  motorista Giba conversava com os dois ocupantes do  seu carro sobre assunto relacionado a estas mesmas composições. Certa vez, dizia Giba, ele presenciou um violento acidente com um trem misto conduzindo passageiros e cargas. O motorista contou algo já tão comum, porém nesse caso visto por ele. A composição vinha de um determinado lugar e ao cruzar uma passagem de nível arrastou por cerca de cem metros um automóvel que passava em igual ocasião. Pelo que disse Giba, o motorista do carro de passageiros pensou em passar primeiro que o trem e impingiu verdadeira rapidez no seu veículo. Apesar do seu esforço incomum, o motorista não conseguiu superar o trem. O impacto do choque foi tamanho que o trem arrastou por cerca de cem metros o automóvel completamente destroçado.
--- Corpos de um lado. Ferragens do outro. Era um negócio horrível. O trem pegou o carro em cheio. O motorista do auto nem se deu tempo de verificar o estado da situação. Ele foi levado, com os seus quatro passageiros linha a fora. Do carro nada restou. Os corpos também. Foi difícil de juntar os pedaços dos corpos. Os moradores do vilarejo, os mais dispostos, ajudaram a juntar os pedaços dos corpos. A identificação do motorista foi dada porque um homem de perto conhecia o rapaz. Tadeu, o nome do motorista. Um horror. Francamente. Eu digo isso porque vi a cena. Mulheres, crianças e homens do trem apavorados com a batida. Gritavam, as crianças choravam sem saber por que. Os homens com pressa procuravam descer do trem. Esse não parava. Coisa triste! – disse o motorista Giba quase a chorar.
--- Eu me lembro de uma notícia da Índia, um Pais, de um desastre que houve. Setenta mortos. Duzentos feridos. Gritos e caos. O trem descarrilado. Foi um choque de um trem de passageiro com um trem de carga. Isso é comum na Índia. Os trens andam lotados com gente pelo lado de fora, por cima e pela frente. Parece um enxame de abelhas. – falou Armando a complementar.
Nesse ponto, Canindé filmava toda a composição em marcha rápida. Das janelas dos vagões só se percebia as crianças e moças dando adeus para os que estavam a esperar a passagem do trem. Já no final só se ouvia o barulho dos vagões de cargas ao passarem sobre as emendas dos trilhos. A locomotiva continuava firme apitando para advertir que um trem já estava a chegar ou passar. As pequeninas casas de taipa ficavam para trás ao seguir da composição. Na estrada de asfalto o Governador e tantos outros viajantes esperavam a passagem se abrir para continuar a viagem. A lâmpada vermelha parecia crescer a cada instante para os passageiros dos automóveis. Crescia e crescia cada vez mais. Bem parecia o óvulo de uma virgem a espera de amado sêmen. As cancelas permaneciam ainda fechadas. Após longos e pesados momentos as lentas cancelas foram abertas dando passagem aqueles passageiros como fazia a virgem em seu derradeiro anseio para o seu bem amado. Os passageiros de ida e vinda da viagem podiam então passar como o sêmen a fecundar a pura imaculada. O Governador era um deles.
--- Aqui vamos nós! – proclamou Armando.
--- Vamos Canindé! – chamou o motorista ainda nervoso por causa da demora do trem
--- Já estou indo. – respondeu Canindé endireitando a maquina de filmar para poder travá-la.
Na segunda-feira, dias depois de Armando ter coberto por inteiro a desavença em Sertânia, entre vaqueiros e jagunços tendo morrido entre muitos o vaqueiro Zaqueu, ele estava no café do mercado com Canindé e outros assíduos freqüentadores. Eles enchiam a pança de café com cuscuz, tapioca, bolo-preto, mungunzá e outros tantos. Logo após a conversa Armando seguiu para o seu trabalho na Rua Visconde do Uruguai. Era um sobrado de apenas um andar. Em baixo funcionava uma tipografia. No sobrado havia além do escritório de Armando, outros como sendo um de laboratório fotográfico. E por vezes o homem da Foto batia retratos de locais da cidade também. Um de advocacia. Um de médico. Um de um dentista. Enfim. Era um sobrado onde tinha de tudo um pouco. Com Armando trabalhava além de Canindé fotógrafo, outro redator de nome Humberto. No entanto, Humberto era ainda por cima rádio amador de FAB. E só aparecia no trabalho quando não estava de serviço. No escritório de Armando tinha um rádio antigo, do tempo da Segunda Guerra. O equipamento foi levado por Humberto para ouvir as emissões de telegrafia. Era o seu passa-tempo. Ou estava no trabalho emitindo em Morse ou estava no outro serviço ouvindo o telégrafo. Era assim que Humberto passava as horas.
Antes de chegar ao seu trabalho, Armando Viana passou por um beco que dava para outra rua bem atrás do seu escritório. No beco sem nome estava uma garota tomando conta de um serviço onde não havia nada para fazer. Ela estava apenas sentada em uma cadeira posta de frente a um birô e sem ter nada mais. Apenas o birô. Ao seu lado estava uma colega. Parecia ser também alguma coisa da casa suja. As duas mocinhas nada conversavam. Armando as olhou e passou em frente. Logo a seguir tinha um sobrado de uma firma vendedora de algodão. A cima de Armando tinha uma ponte. Ela permitia a passagem de um lado para outro dos operários a levar fardos de algodão. Enfim, assim eram duas casas grandes do mesmo oficio: vender algodão. Na ponte, uma moça atravessou de um lado para outro. Ela trajava saia longa. Armando, olhou devagar as pernas da moça vislumbrando até as calcinhas. E, apesar de estonteante, o homem nada falou. Nem a moça. Ela olhou para baixo e viu Armando a olhar para cima. Em seguida a donzela puxou a saia como para encobrir as pernas. E saiu ao entrar na porta do outro lado da mesma firma. Então, Armando, cheio de ereção, apenas pensou:
--- Linda fêmea essa que passa por cima. – e sorriu para a moça.
Essa não deu a menor importância tendo desaparecido no vão da porta do prédio. Ele a olhou o quanto pode e essa, por vez, olhou de volta e fez leve careta com o seu nariz.
--- Está no papo. – sorriu Armando a observar a virgem a fazer careta.
Por certo tempo, o rapaz ficou escorado na parede um pouco distante da ponte a esperar para ver a volta da virgem donzela. Depois de certo tempo a moça não retornou e o rapaz partiu em direção a esquina da mesma rua por onde entravam caminhões e automóveis. Os veículos entravam na rua da ponte alta e seguiam em frente até onde o destino os levasse. Ao chegar Armando justo da esquina, um caminhão com a frente pintada de azul atravessou para a rua deixando Armando quase imprensado na quina da parede. Era o Caminhão de Miguel Ratinho homem já velho e de cabelos brancos.
--- Quer me matar seu miserável!!! – gritou Armando para Miguel.
A semana se passou sem nenhum atropelo. Armando soube da ponte metálica do Exercito para colocar no local onde a ponte de madeira havia sido arrastada pelas águas da chuva, separando o município de Sertânia do caminho da capital. A ponte metálica era temporária. Enquanto o Governo providenciava um corte na estrada fazendo nova travessia, o Exercito tomaria conta do local. A situação em Sertânia estava normalizada. Na contenda, morreram cinco vaqueiros e um número maior de jagunços. Talvez oito jagunços. O estouro da boiada foi o maior vexame para os bandoleiros. Depois de tudo, reinou a paz. Pelo menos temporária. Escaramuça havia pelo mato. E sempre não deixava de restar a ligeira sombra de um queima de jagunços ou vaqueiros. Com a estiagem no sertão pela falta de chuva continua, o Governo providenciou a abertura da estrada de asfalto ligando a fazenda do Major Theodomiro com a rodovia ainda precária de trafegar. Desse modo, o serviço continuou por mais algum tempo.
Canindé, o fotógrafo, recebeu um convite feito de, na quarta-feira daquela semana, ir com Armando até o Sobrado, um cabaré de alto luxo onde as damas eram escolhidas a dedo para atender os freqüentadores do local. Trajando a rigor, ele concordou com Armando, seu amigo de longas datas. Não se desfazendo de sua máquina fotográfica a tira colo, Canindé estava feliz em poder fazer algo de diferente no decorrer da semana. Quarta feira era dia de futebol no estádio da capital. Assim mesmo, deixando o esporte de lado, ele queria tão somente saber apenas de melhor divertimento. Com Armando ao seu lado, estava Canindé bebericando a melhor bebida servida no bordel. E ao seu lado uma linda e alegre mulher cheia de encantos e delicadeza. Para Canindé, aquele era o seu maior orgulho de ter uma mulher apenas para si. Por seu lado Armando vivia noite de orgias tendo com ele uma loura esbelta e de boa estatura capaz de seduzir qualquer vivente. Luxo e requinte eram os ambientes de efeitos inebriantes para os nobres homens de negócio quando havia sol do dia. À noite, era aquele alcoice de paz e exultação na qual os nobres homens faziam a suas deliciosas amantes de algum tempo em troca de algum favor a lhes conceder. Para o avanço das horas, a bebida embriagava cada vez mais os notívagos sonhadores de alcova. A luz diáfana reluzia cintilante a cada instante do abajur lilás. As ninfas primaveris se entregavam ao todo nos braços dos seus ternos amantes. Luxuria e desejo eram a ternura e afetos a qual cada uma das damas se entregava para as verdadeiras noites de amor enquanto durasse a madrugada.
--- Já estou puxando fogo. – disse meio ébrio do fotógrafo ao seu amigo.
--- É bom você ir com a mulher para a alcova. – respondeu Armando também ébrio.
Nesse instante, um tiro ecoou no ar. O homem estava delirando e se altercou com a dama e lhe fez disparo a queima roupa. Canindé ouviu com impacto o rigoroso desfecho da arma e logo empunhou sua máquina fotográfica e fez flashes contínuos. O pânico tomou conta do local. Mulheres a correr, a pedir socorro, a se esconder em baixo das mesas. Garçons atarantados temiam novas detonações da arma de fogo. A mulher caída no chão a sangrar constante. A morte rondava a casa da doce alegria em um momento derradeiro. O fotógrafo se aproximava cada vez mais do homem ensandecido a correr em labirinto por entre os moveis caídos ao leu. Os guardas de segurança atracaram por sorte o celerado arruaceiro enquanto outros socorriam a mulher a murmurar um sorriso sem brio. Era o fim da festa. A vitrola a tocar uma gravação era o delirante prazer de um derradeiro momento.

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