quarta-feira, 30 de março de 2011

DESEJO - 16 -

- Jessica Alba -
- 16 -
O carro tomou o rumo de uma praia distante da capital. Após rodar por estrada asfaltada, ingressou por outra, sem calçamento até, e cheia de depressões onde o motorista se livrava de uma panela e logo depois tinha outra a sua espera. Tudo isso pelos solavancos de caminhões e outros carros menores formando atoleiros descomunais. O passageiro gingava para um lado e para outro tentando se proteger da melhor forma possível de tantos buracos rompidos. Era um sufoco se transitar por aquele meio de estrada. Arrotos e soluços Armando se cuidava em ao menos cuidar. Obedecendo a mesma deferência de uma oferta prometida de chegar a uma praia deserta, ele chegou a lembrar do sofrido na noite do tiroteio no município de Sertânia. Chuva intensa quando a comitiva do Governo voltava e um atoleiro inesperado. O veículo do Governador se atolou de vez. Somente na manhã do dia seguinte foi possível desatolar de vez o veículo oficial. Isso fez Armando sorrir.
--- Por que achas graça? – indagou a moça que estava na condução do seu carro.
--- Nada não. Apenas os buracos. Teve uma noite onde em voltava com o Governador e foi desse mesmo jeito. O carro do Governo atolou e só saiu no dia seguinte. – gargalhou o rapaz.
A moça também se encheu de graças e relembrou das vezes de não poder voltar por causa da chuva intensa na região. E teve de ficar parada, sem fazer nada na praia por dois longos dias. Apenas ela retornou à cidade quando o tempo melhorou.
--- Terrível se houver chuva nesses dias e não se poder retornar. – gargalhou o rapaz.
--- Não há de ser nada. Nós nos comemos um ao outro. – gargalhou a moça também.
Não tardou muito e o carro chegou ao casarão na beira-mar. Era mesmo um verdadeiro casarão para ninguém por defeito. Talvez tivesse sido construção do tempo de mil oitocentos ou coisa assim. Por duvidas, Armando de nada quis saber. Se fosse atraente, a moça Norma por si só diria. Aquela era a hora de se retirar a bagagem de dentro do carro. Frutas, legumes e até mesmo carne seca pronta para assar. A praia era mesmo muito distante e de casa nobre só havia umas quatro ou cinco. A vila era tão somente uma vila. Casas de taipa ou de palha. Uma bodega fazia a vez de mercado. O pessoal da vila vivia da pesca. Alguns faziam carvão de tronco de árvores derrubadas pelo tempo. Quando o tempo era de estio os carvoeiros faziam sua bagagem e tinham de vender na cidade grande, como era comum se chamar a capital. E nesse ponto, Armando olhou bem as casas e a bodega do outro lado do setor de onde eles estavam àquela hora da manhã.
--- Não tem mercado aqui? – indagou Armando a Norma Vidigal.
--- E nem precisa. O povo tira seu sustento do próprio mar. – sorriu Norma ao levantar uma bolsa até os seus peitos e levar para dentro da casa.
Armando Viana viu tal esforço que se precipitou em dizer a Norma.
--- Deixa que eu pego as mercadorias. – falou vexado o rapaz.
A moça sorria e disse ao rapaz que ela mesma fazia o grande esforço.
Após alguns instantes de tempo, com tudo arrumado no interior do casarão, Norma Vidigal retornou à porta de saída acompanhada por Armando Viana. Ela desceu a escadaria que dava acesso ao casarão, tendo passado pelo alpendre e seguiu firme ao portão onde com um forte assobio chamou a atenção de um pescador. O homem estava bem distante. Porém ouviu o chamado por assobio feito pela moça. Armando Viana ficou de sobressalto com a tamanha audácia a moça: chamar alguém através de um assobio. E quando ouviu a confirmação do chamado, Norma Vidigal fez um gesto com a sua mão querendo dizer:
--- Lá pra dentro. Suba ou espere no portão. – era o que talvez dissesse com a sua mão fazendo um serpentear no gesto para o pescador.
Com isso, Armando Viana sorriu baixinho percebendo quanto vale uma mulher ser criada em uma praia encantada como a que estava presente. Com certeza, Norma Vidigal, se nasceu ali, pelo menos foi criada desde criança e a todos conhecia. Ele olhou mais uma vez o casarão e o alpendre o qual circundava todo o casario. E ficou a meditar:
--- Casarão e tanto. Certamente de 1800 e lá vai fumaça. – pensou Armando a visitar mais de perto as dependências da casa grande.
Nesse momento, Norma chegou ao alpendre do casario e se largou para dentro olhando de soslaio para Armando e dizendo até:
--- Venho já. Espere! – sorriu a moça entrando para o interior do casario.
Armando sorriu, mas não perguntou ainda de quando era aquela construção daquele casario. Voltou para o salão grande de visitas, vendo os quadros dos velhos senhores de engenho. Com certeza os avos ou mais para trás. Pessoas que fizeram a construção daquele enorme casarão. E passou pela memória a questão:
--- Senzala! Será que tem? – indagou para si Armando Viana.
Essa era uma questão de soberba importância: senzala. Se alguém construiu tal império, com certeza devia ter feito pelas mãos dos escravos. E ele olhava atento aos quadros suspensos na parede grossa como se estivesse de boca aberta. Nesse instante retornou de dentro da casa a moça Norma Vidigal e viu com deveras curiosidade o rapaz a esquadrinhar os retratos da parede dos velhos senhores de engenho. E respondeu:
--- Pode olhar. São meus antepassados. Bisavós. Avos. Entre outros. – sorriu Norma a caminhar para a saída da casa.
O rapaz sorriu e se espreguiçou de momento com os braços estendidos do sofá para um lado e para o outro. A moça foi até o portão e Armando ouviu a conversa ligeiramente baixa por causa da distancia. O pescador trazia alguns pescados. Parecia ser de boa conversa esse pescador, pois afinal a moça lhe reprovou ao ouvir dizer ter aquelas ótimas aparências.
--- Conversa! Ficou com esses dois. – reclamou a moça.
--- Fique com mais esse! – sorriu o pescador oferecendo outro peixe.
--- Não. Só quero esses dois. – reprovou Norma Vidigal.
Tão depressa como foi mais depressa ainda Norma retornou a casa mostrando em uma bandeja os dois pescados que ela havia comprado. O tamanho do peixe era regular de modo a poder guardar em uma geladeira a querosene. Tal geladeira doméstica era como se fosse toda feita em madeira. Talvez tivesse sido comprada por seu pai.  E nesse vai e vem à moça retornou a sala onde se postou ao lado de Armando alegando estar com bastante calor. Enquanto o rapaz fez perguntas de quando eram aquelas fotos:
--- Antigas. Antigas. Essas são do meu bisavô. Tem muito tempo. – sorriu Norma a relatar.
Após alguns momentos de explicação e de lembranças tardias, recordando o tempo da aurora da vida de Norma, a moça sugeriu ao seu companheiro ir a praia tomar um pouco de ar e deitar na areia vendo o mar bravio a segredar costumes e momentos passados de tempos de antigamente.  O moço olhou bem firme para Norma e então sorriu.
--- Eu vou colocar o meu maiô de banho. E venha você. Só há nos dois nesse casarão. – sorriu a moça a inquietar o jovem mancebo.
Não tendo outra coisa a ser feita, o rapaz caminhou para um dos aposentos do casarão onde vestiria a sua indumentária. Norma, aproveitando a ocasião chamou o rapaz para o mesmo aposento onde ela estava e deveria se trocar de vestes. O rapaz relutou, porém não resistiu ao puxão lhe dado pelas mãos de Norma Vidigal. E entrou na alcova toda feita de veludo onde o silencio era de ouro. Armando ficou desnorteado com o seu ingresso no patamar do destino. Por muito pouco ele não vira o chão mais perto diante do arrancar para dentro feito por sua companheira de doce ilusão. E ele voltou a falar de modo prudente:
--- Nós e um só quarto? – indagou cismado o jovem e débil convidado.
--- E o que há demais? Nós somos dois adultos. Tu vestes teus trajes e eu os meus. – sorriu Norma para Armando.
--- Mas acontece que eu só tenho o calção! – disse vexado o rapaz.
--- E eu só tenho o maiô. – sorriu Norma declarando um terno amor profundo.
Ela se achegou próximo do rapaz e fez um aconchegante momento de verdadeiro amor. Era divinal como a moça dedicava-se a murmurar ternos segredos de alcova ao ouvido do jovem e imaturo poeta da ilusão quimérica. O dia se prolongava por todo o seu destino e desatino enquanto os dois amantes em volúpia de eternos prazeres sentiam-se um ao outro. Amado e amante por vez dizer nas procelas do destino deslumbrante. O mar ao quebrar nas onduladas pedras pontilhadas perdia o seu sereno mágico da plena manhã de sol de primavera onde meros pescadores destinavam suas barcaças ao largo do mar azul. Os ouriços se encobriam por entre as pedras letárgicas sob brumas dos inocentes e voluptuosos acasos. Não se podia pensar em manhã de sol ao murmurar das ondas a derramar a sua canção de divinal afeto. Era tarde demais para recordar uma distante afeição para guardar as eternas fantasias. E não era então saber o que aqueles ternos amantes apenas faziam o afetuoso amor do momento.
--- Alguém como você jamais eu encontraria. – recitou Armando enternecido de encanto.
--- Goze amor. Goze. Faça o que desejas. – respondeu a mulher enamorada.

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