quarta-feira, 23 de março de 2011

DESEJO - 09 -

-  Evan Rachel Wood -
- 09 -
Àquela hora da manhã de forte temporal onde os eternos gritos lancinantes de assombros e dor se misturavam aos parentes mortos, o povo do Motor desmaiava quando alguém era encontrado vivo ou morto por entre os escombros das taperas. No inicio da rua caminhões da Prefeitura chegavam com dezenas de trabalhadores vasculhando as temíveis ruínas de velhas casinhas de taipa ou de tijolos em uma de suas partes. A rua era estreita. Os caminhões ficaram no seu inicio, longe por demais de onde havia estragos. Quem estava de longe, como Armando, via apenas o movimento e ouvia o choro de crianças e mulheres a procura de parentes. O aguaceiro não diminuía e Canindé, já ensopado pela chuva torrencial continuava a tirar as fotos do alto do morro. E uma vez, ele resolveu descer por entre lama e mato para fazer melhores fotos no local. Armando foi com ele deixando o carro e o seu motorista no alto da rua. O terreno era íngreme e descer por aquele ponto era temível por as árvores eram rasteiras por ser de pouca altura. Mesmo assim, Canindé se agüentou como pode a ouvir os apelos de Armando:
--- Pera aí bosta. Por aí não! – gritava Armando para Canindé.
--- Se não pode não venha! – respondia Canindé agoniado com a chuva.
Depois de alguns instantes, o fotógrafo já estava nos fundo do que fora um dia uma casa. Ali estavam seus proprietários a procura por alguém ou alguma coisa a lhe servir. Meninos quase nus estavam entrem cães a ladrar. E era o que Canindé podia ouvir então. Armando vinha em seguida escorregando e caindo no meio da terra encharcada. Com a forte torrente de água descendo pelas encostas do morro era impossível se manter de pé. Armando olhou em volta e para cima procurando divisar a figura de Giba. Nada viu então. Era só lama entre o matagal. O povo chorava por nada e por tudo. Algumas pessoas atordoadas com tanta tormenta cavavam por um lado para deixar o aguaceiro passar. Moças e rapazes ajudavam como podiam a seus pais, tios ou mesmo algum vizinho. Em baixo, na rua, os gritos de mulheres se confundiam com a zoada do veto forte e do dilúvio a se fazer sentir. E tudo isso era documentado em fotos por Canindé.  Do seu lado, Armando nada podia fazer. Nem mesmo anotar nomes de pessoas, pois a chuva forte não lhe dava paz.
E foi assim o tempo todo de angustia e desespero das pessoas desnutridas e alquebradas possuídas de apenas a roupa do couro a lutar em desespero contra a languidez angustiosa da torrente precipitação atmosférica. Por todas as horas daquela triste manhã e já parte da tarde Armando, Canindé e outros repórteres concluíam seu trabalho sobre a forte chuva abatida na terra encharcada de lama e escombros. O trabalho prosseguia pelo restante da tarde e noite para os trabalhadores e pessoas vindas a ajudar a todo custo. Então era a vez do desesperado longo caminho da volta a percorrer do entre matos e barro até chegar os dois profissionais ao carro entre muitos que ali estavam a esperar.
--- Vamos voltar Giba. É muita chuva. Eu vou para o escritório, se der também passagem. – fez ver Armando.
--- Eu quero é um gole de cachaça para aliviar a sujeira do corpo. – respondeu Canindé.
--- E eu estou morrendo de fome. – sorriu Giba aos dois companheiros.
--- Nossa! Tu inda pensas em comer em uma hora dessas? – indagou Canindé aturdido.
--- Não tomei nem café de manhã! – respondeu Giba agoniado pela fome.
--- Se você estivesse lá em baixo, queria ver se pensaria em café. Corpos de gente morta. Gente ainda moça. Umas meninas. Gente idosa. Deus me livre. – resmungou Canindé.
--- Nem me fale. Eu estava aqui em cima e vi tudo. – respondeu Giba.
--- Eu tô lascado. Contei doze corpos. Mais tarde vou ver qual numero exato no Instituto. – reclamou Armando já um tanto cansado.
--- E eu vou revelar o filme. – respondeu Canindé.
Para o carro chegar ao bairro da Ribeira teve de fazer uma imensa volta por fora e se livra Giba do alagamento. Armando e o fotógrafo Canindé desceu do automóvel. Giba seguiu viagem para o seu terminal. Na Ribeira os estabelecimentos comerciais estavam abertos. Porém o movimento de vendas era fraco ou quase nenhum. Apenas os bêbados faziam a festa entre a lama acumulada por causa da subida de volume de água do rio. Os homens fortes de descarrego do trem nada faziam. Naquela hora a chuva não cessara. Na Rua Visconde do Uruguai se podia passar de pé enxuto, pois no trecho a água escorria para o lado oposto do rio. Embora não houvesse transito normal no setor da Praça, o bonde, mesmo assim, passava por entre a água e bagaço acumulados ao longo de sua linha.
Eles estavam nus, completamente nus. Apesar da intensa chuva e o frio que fazia, Armando achou por bem tirar a roupa após comer pequena refeição no restaurante do Bar Lago Azul. Por seu lado, Canindé também fez igual cena. Comeu e bebeu. Depois foi para o trabalho onde fechou a porta e tirou a roupa molhada pondo para secar em frente a um ventilador. Vendo Canindé despido, o seu amigo Armando fez o mesmo. Logo tirou a roupa e pôs para secar em frente ao mesmo ventilador. Era frio o tempo. Porém Armando estava nu. Em compensação, para não se ver exposto ao tempo, Armando fez de uns jornais um rolo para se cobrir. E isso também fez Canindé. Daí em diante, Armando passou a trabalhar, muito embora estivesse nu de todo corpo. Canindé se trancou no laboratório e trancou a fechadura da porta por dento ficando totalmente despido. Se enxugasse totalmente a roupa, então tudo bem. E não tivesse tal sorte, também tudo bem. O negocio era esperar os negativos e levá-los para Armando escolher o melhor de todos.
O jornal local A IMPRENSA recebeu todo o material e publicou em primeira página no dia seguinte pondo em destaque o nome de Armando Viana e fotos de Canindé. Outra matéria Armando dirigiu ao jornal do sul do país. O tempo na capital continuava tenebroso pondo os seus moradores em estado de atenção. O Prefeito da Capital decretou luto oficial pelas vítimas da cheia. Por seu lado o Governo do Estado procurou juntar materiais para levar ao Governo Federal relatando ao Poder a situação de caos vivida pelos habitantes. O temporal caiu sobre várias regiões do Estado e, em Sertânia, local sumamente castigado, o rio voltou a encher prejudicando o trânsito de carros pesados para a capital, mesmo com a ponte móvel do Exercito posto no lugar da antiga ponte desabada. Em todos os lugares do Estado a visão era somente a desordem.
No dia seguinte, após ter feito a matéria da enxurrada na Rua do Motor, Armando Viana chegou logo cedo ao Mercado da Cidade todo encolhido como um imbua reclamando de ter passado a noite com febre e a garganta ardendo de fazer dó. A sua fala se notava a rouquidão. O tempo era de chuva torrencial, sem parar um instante. Não raro amenizava um pouco. E foi quando Armando correu até o mercado. Não era bem correr. Era andar depressa. A febre lhe afetava até mesmo os movimentos. Canindé dormira no escritório, pois a sua roupa não secara aos contentos. Então no escritório Canindé ficou após fazer as copias do filme tirado dos casebres derribados. Dormia ele apenas de calção em lugar de usar cuecas ainda molhadas. E quando amanheceu ele olhou o tempo e saiu de qualquer jeito a caminhar até o mercado, pegando o bonde primeiro da manhã. Por isso Canindé chegara primeiro ao local. Armando, mais preguiçoso, demorou a se ajeitar, muito embora ele morasse a uma quadra e meia do mercado. A chuva, essa não trava trégua. E Armando, com sua rouquidão de cachorro tremia como vara verde.
--- Fala, homem! – repreendeu Canindé.
--- Eu não posso! – relatou Armando com muita vergonha.
--- Faça um gargarejo! – disse Canindé a Armando.
E sem querer falar, o rapaz apenas perguntava por gesto qual seria o remédio para aquela voz. E Canindé caía na gargalhada porque Armando não sabia de nenhum remédio.
--- Água de romã. – respondeu um freqüentador do café.
--- É muito bom. – emendou outro.
--- Tem umas cascas de pau que serve bem. São amargas! – relatou outro.
E Canindé complementou emendando o que os freqüentadores de café diziam:
--- Romã eu sei que é. Agora mesmo não tem ninguém vendendo por causa da chuva. – replicou Canindé.
--- Tem Temperinho. Ele tem até um mel de urucu. É muito bom também – relatou a mulher dona do café.
Armando fez um gesto de quem estava morrendo de frio. Um rapaz falou:
--- É bom pra isso tomar um analgésico vendido na farmácia. – e apontou para um local do lado de fora onde havia uma farmácia.
O certo: todos tinham uma receita para a fala presa do rapaz Armando Viana. Porém ninguém sabia na verdade o remédio certo. Por uns momentos Armando se apoiou na mureta do café. E logo em seguida desmaiou. Canindé estando por perto logo correu para agarrar o amigo. E reclamou para os circunstantes:
--- Chega gente! O rapaz desmaiou! – falou de repente Canindé agarrando-se com Armando.

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