terça-feira, 3 de abril de 2012

OS QUATRO CAVALEIROS - 21 -

- Carolina Ferraz -
- 21 -
A LUZ
A noite veio com chuva. De todos os recantos de onde ficava a fazenda do coronel Godinho ouvia-se o trovejar constante parecendo o mundo se acabar. O pessoal da vacaria temia os relâmpagos inquietos e assustadores. O mugido do gado parecia ser mais alarmante.               Os cães ficavam em suas guaritas de modo quieto, pois a cada trovoada mais ainda havia o temor sem latido dos valentes e vigilantes cães. Os jagunços, com vital temor, não saiam de seus casebres amoitados em plena rede de dormir na companhia da mulher e seus filhos. Na casa grande ouvia-se o lamento de Isadora Marques Godinho a reclamar constante.
Isadora:
--- Será possível uma coisa dessas? – reclamava a mulher do coronel.
Nas cocheiras os cavalos estavam inquietos com a zoada dos latões onde os vaqueiros guardavam o leite tirado das vacas pelas primeiras horas da madrugada. Um raio fatal cortou a escuridão da noite, passou por sobre os estábulos do gado ao sinal de pavor e foi se alojar nas águas do Rio de Ouro, nome dado pelo povo. O rio era quase um córrego onde havia pedras brilhantes iguais a ouro. O fogo se espalhou de repente ao sinal do raio a tocar o chão das frias águas. Um estrondo fulminante se rompeu não se sabe aonde. O trovão ribombou na terrível cena macabra. Os animais de vez apavorados pularam a cerca de seu estábulo e correram desnorteados como loucos a mugir ao leu e buscar algo de guarda para se acautelar bem longe além do cercado.  Os vaqueiros tentavam em vão aguentar gado e cavalo. Mas não tinham sucesso de modo algum. A torrente de lama se fez presente, talvez maior e mais intensa quando choveu pela manhã, hora do sepultamento do fazendeiro Severino Policarpo. Ondas enormes de lamaçal corriam a todo campo sem norte e sem meios de estancar. O casarão do coronel Godinho não tinha forças para suportar tamanha enxurrada. A lama subia até a metade das canelas dos vaqueiros a passar pelo curral de um lado a outro.
Vaqueiro:
--- É o mundo todo! – gritava sem meios um vaqueiro.
Na casa grande o coronel Marcolino Godinho refletiu um pouco na sala de jantar diante de tanto intermitente aguaceiro:
--- Só não quero que falte luz! – declarou meio acanhado o deputado.
Era o que se faltava dizer. Quando o coronel acabou de falar na falta de luz elétrica, o motor da casa parou de gerar energia pondo todos em aflição. Ninguém sabia ao certo como superar essa falta de energia. Um se batia com o outro. Tinha quem fizesse:
Alguém:
--- O lampião! O lampião! – dizia alguém desesperado.
E era um corre-corre entre gente, um batendo contra o outro a perguntar:
Outro alguém;
--- Onde está a lamparina! Onde está a lamparina! – indagava desesperada por sua vez outra pessoa.
E o coronel Marcolino Godinho, acabrunhado, dizia por sua vez:
Godinho:
--- Eu não falo mais nada! Quando eu falei na luz, a merda faltou! – disse o homem sem ver o sucedido.
Em tal momento, o pistoleiro Júlio Medalha se apressou em perguntar ao coronel:
Medalha:
--- Se o senhor permitir, eu posso consertar o motor. – fez vez Medalha.
Godinho:
--- E o senhor entende dessas coisas? – perguntou aborrecido o coronel.
Medalha:
--- No Exercito eu tomava conta do motor de luz. Quando era preciso eu desmanchava e montava o gerador. – falou sem pressa o pistoleiro
O coronel olhou para onde vinha a voz e determinou:
Godinho:
--- Tome conta então. Há essa hora não tem ninguém que conserte. Eu tenho um homem que dá ajuda. Mas eu duvido dele está pronto para uma dessas! – falou arrepiado o coronel.
No céu só eram os raios a cortar de um lado a outro. E o trovejar a acompanhar o destino dos relâmpagos. A chuvarada a cair não dava sossego a ninguém. O homem voltava da garagem onde fora ver o estado do cabriolé. Por sorte, esse estava enxuto. E nada mais. Otelo Dias riscou um fósforo e acendeu um lampião bem próximo ao meio da mesa. Antero Soares também fazia o mesmo com outro lampião; E Renovato Alvarenga tentava a ajuda à moça Emília completamente estabanada pela falta repentina de luz. O coronel procurava a sua mulher. Essa estava em outro compartimento. No curral o gado estava solto de canga e corda a procura de lugar melhor. No firmamento o riscar dos coriscos. O romper dos trovoes. O aguaceiro a cair. No quarto por trás da casa, o lamaçal e um homem: o bandoleiro Júlio Vento a tatear na escuridão a procura do motor a funcionar. Ele falou:
Júlio:
--- Nada mal! O motor funciona! Vejamos o porquê de não passar corrente. – relatou muito baixo, quase cochichando consigo mesmo o pistoleiro.
Enfim uma lâmpada. Estava queimada ao que parecia. Não acendia. Ele ficou sem saber por onde iniciar. Em todo o caso, começaria pelo motor a sacolejar vibrante como uma onça. Ele soergueu o lampião acima de sua cabeça e procurou desvendar o mistério das ligações. E foi assim o tempo necessário. Ele levou um choque. E disse:
Júlio:
--- Merda! O bicho está vivo! Que choque! – salientou o pistoleiro.
Na casa, o trabalho de se arranjar os lampiões em cada qual no seu lugar de sala adentro. A mocinha Emília parecia uma barata para cima e para baixo a levar e a trazer lampiões. Ludmila pegava qualquer um para alumiar seu quarto de dormir. O frio era enregelante de fazer dó. Com isso Ludmila se aquecia a qualquer forma para não tremer demais. O coronel estava na sala onde já estava claro pela luz do lampião. Os três pistoleiros a andar para cima e para baixo a levar querosene para os lampiões. Era uma forma de ajudar os demais de casa. Um corisco rompeu bem perto e caiu na mata ao lado. Uma árvore pegou fogo.
Isadora:
--- Ui! Que susto! Deus queira que já passe essa tormenta! – falou a mulher do coronel.
Quinze minutos após veio a luz. Na casa, o entusiasmo de todos:
Emília:
--- Até que enfim! – reforçou a moça.
Ludmila:
--- Faça-se a luz!!! – gritou animada a outra moça.
Coronel:
--- Até que enfim. Esse rapaz é bom. Eu bem que disse! – refutou o deputado Godinho.
Os outros pistoleiros deram tiros para o ar a comemorar a luz. Divina luz. Ela voltou de vez! Enquanto isso os relâmpagos e trovões sacudiam o firmamento a todo instante. O aguaceiro descia constante pelo caminho da cidade de Alcântara onde as febris pessoas estavam mais debilitadas ao limpar a lama provocava pela enxurrada. O rio do Ouro passava pela margem de Alcântara e rompia tudo a sua frente.  O Prefeito Nepomuceno estava bloqueado em sua fazenda sem poder sair. Eles e o pistoleiro Fabiano e demais comparsas. A cidade estava cheia de lama, pois o rio não suportou tamanha tempestade naquela noite.  As águas teriam de fluir ao compasso de espera até a manhã chegar.
O estrago somente foi visto às primeiras horas do amanhecer. O céu estava sereno não prometendo novas chuvas. No chão, corpos mortos do gado e de cavalos, suínos e tantos outros animais e aves. Tudo era arrastado até o rio do Ouro para seguir para outro rio mais abaixo e tomar seu curso.

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