quinta-feira, 3 de maio de 2012

OS QUATRO CAVALEIROS - 38 -

- Ava Garder -
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A AJUSTE
O Coronel Godinho se sentou em uma poltrona em frente ao prefeito Jorge Nepomuceno e ficou sisudo e calado por largo espaço de tempo. Apenas o olhava sem desviar a vista. O prefeito a sentar em uma cadeira de palha não falava e até ficava um tanto confuso pelo olhar do Coronel. Ao redor do coronel estava o ajudante Otelo Gonçalves, o caçador de fugitivo Júlio Medalha, o segundo caçador Jerônimo Alvino – caçador de primeira linha. E se não fosse Alvino nada disse se teria a falar -. E o pai de Alvino, o coiteiro Manoel Quelé, homem velho por demais. Todos os presentes estavam calados. A maioria de pé. Apenas o velho Quelé permanecia sentado, dado as suas dores nas juntas: reumatismo. Os rapazes olhavam direto para o prefeito e esse permanecia calado. Pernas juntas, braços cruzados, chapéu em cima das pernas e, com certeza a tremer de medo, pois sabia o seu fim.  Nepomuceno sentia vontade de urinar. Porém temia a dizer. Aquela era a hora da Justiça. Do ajuste final. O coronel Godinho bebia sua água e depois despejava um pouco no balde sem tirar a vista do prefeito. A sala onde eles estavam era toda vazia de gente. Quadros antigo nas paredes; moveis velhos; estantes de livros; flores ao redor como de alguém sem nada a dizer; uma cadeira e um centro solitários; cadeiras vazias; uma mesa e quatro cadeiras; janelas ao redor todas fechadas. Era o cenário de um julgamento. Em determinado momento o Coronel se levantou a andar de um lado a outro da sala de móveis rústicos com as mãos para trás, a bater uma na outra. E não parava de olhar o prefeito. Após algum tempo escorou-se no birô cheio de papeis e outros enfeites. Afinal, o Coronel indagou.
Coronel:
--- O que se deve fazer prefeito? Heim? Heim? Heim! – perguntou o coronel muito bravo ao prefeito.
O prefeito nada respondeu. Ele apenas baixou a cabeça, Senti a ausência de algo para se amparar. E nada havia, porém. Apenas a cadeira até muito estreita. Enfim, o homem de cabeça baixa começou a chorar. Em sua mente se passou inúmeras situações. Os contratos feitos, o lugar da Prefeitura. Seu secretariado. Todos enfim. E ali não havia ninguém a lhe dar apoio. Estavam presentes naquele momento os homens da lei do Coronel Godinho. Nada de sítio e sua mulher e filhos. Nada, nada! Apenas as lágrimas travessas a lhe encobrir a face.
Coronel:
--- O senhor não mais o prefeito de Alcântara. Já assumiu outro. O senhor deixou a cidade às moscas! Fugiu! Nem se sabe para onde! Apenas fugiu! O celerado foi morto. Apenas ficaram os seus recados. Apenas. Agora eu tenho o senhor a minha frente. O que fazer? Heim? Heim? Heim? – perguntou muito rude o coronel.
O silencio se fez presente. Dos que estavam ninguém falava. Apenas olhava para o prefeito já então ex-prefeito. Todos eles de uma posição nobre; braços cruzados; altaneiros; cara rude; forma impiedosa. O vento soprava de leve como se desse o sinal. E era um vento frio correndo por sobre à casa grande. O uivo de um lobo se fazia mais presente; as hienas ao longe a gargalhar. Sabiás escutavam o julgamento do mato em volta. Era o mundo a se abrir de forma implacável. Apenas o ex-prefeito a chorar. E o coronel falou:
Coronel:
--- Paremos de lamentações. Tranque-o.  À noite se tem o julgamento! – relatou com avidez o Coronel Godinho. – Está encerrada a sessão. – concluiu o Coronel.
Os jagunços da fazenda levaram o ex-prefeito para um calabouço existente muito além da casa grande. E por lá o prenderam em uma cela acanhada e úmida. Quase nada tinha para se fazer por dentro da cela. Um catre, uma privada e nada mais. A cela não tinha janela. Apenas a grade de ferro da entrada. Quando era meio dia um jagunço levava sua comida, o mais simples possível. À noite, era pão e água e nada mais.  Contudo era uma prisão bem melhor do que as dos escravos. Eles eram amarrados em trocos, quando desobedeciam as ordens dos capitães do mato. Esse era o costume das senzalas de antes. Alguma coisa ainda perdurava.
Na casa grande o Coronel fez uma reunião com os seus homens da caça. Estavam quase todos a se contar com Manoel Quelé, Jeronimo Alvino, Pixe – o coiteiro de Pernambuco – e mais Otelo Gonçalves, Júlio Medalha e o próprio Coronel Marcolino Godinho. Esses teriam de decidir a sorte de Jorge Nepomuceno. Era a vez do voto. Cada qual votava sim ou não. Ao fim da votação se teria o destino do prisioneiro. E foi feita a missão. Não demorou meia hora e estava decidido o fim de Jorge Nepomuceno. Um jagunço foi chamado para levar a decisão do Jure (improvisado)  decretando sentença de pena de morte. Sem saber o que levava, o jagunço foi até a cela onde estava preso Jorge Nepomuceno. Ao chegar à cela, o jagunço teve receio. Ele viu o homem dependurado na grade da cela puxado por seu cinturão preso ao pescoço. Para o jagunço aquilo não representava algo demais. E assim, ele voltou até a sala e falou ao Coronel Godinho:
Jagunço:
--- O homem está morto, Coronel! – falou o jagunço na maior calma do mundo.
Coronel:
--- O que foi que você disse rapaz? Morto? – indagou exaltado o coronel Godinho.
Jagunço:
--- Sim senhor. Mortinho da silva. Ele se enforcou com seu cinto, coronel! – respondeu o jagunço
Os Jurados se olharam entre si e nada comentaram. Foi como dissessem um para o outro.
Jurados.
--- Era o que se esperava. Bandido solto é bandido morto. – responderiam os jurados.
O Coronel resolveu ir até a cela verificar o caso de Nepomuceno. Ele e os jurados. E teria ele de arranjar um meio de fazer com o morto algo não suspeito. No caso, se levava para deixa-lo cair na cratera da Caveira do Diabo, longe demais para se encontrar.
Quando era meia-noite, quatro capangas saíram da fazenda em um carro de boi, levado o corpo o prefeito Jorge Nepomuceno coberto com cana de açúcar em monte, para ninguém desconfiar do carregamento ter em baixo um defunto. O horário foi escolhido por ser o mais tranquilo de todo o arraial onde ninguém estaria na rua, apesar dos jagunços seguirem por local bem mais escondido de quem pudesse passar. O carro de boi, mesmo gemendo, era um meio de transporte insuspeito. Não havia lua e com isso o tempo, apesar de seco, dava melhor condição aos jagunços. Eles se passavam por boiadeiro. Nem se falavam, mesmo entre si. Apenas caminhavam com um destino certo: a cratera da Caveira do Diabo, longe demais da cidade onde ninguém, ou pelo menos quase ninguém conseguia ir. À meia noite, as corujas varavam o espaço agourando a tudo e a todos com seus gemidos cruciais. Lobos e hienas faziam a festa no monte da cratera. O carro de boi era lento e levaria duas horas para chegar ao destino. Em plena noite escura somente havia aves de rapinas, como o carcará e animais, como a raposa, lobos e hienas. Os jagunços de nada temiam, pois, acima de tudo, não fora a cana. Havia apenas o corpo de prefeito ou ex-prefeito com era então bem mais sabido. Um nevoeiro açoitou a noite sem trazer chuva. Os jagunços de pouco se importavam. No caminhar apenas mascavam fumo e cuspiam de lado. Ao sentirem o cheiro da carne morta, hienas se aproximavam do carreiro por entre fileiras de árvores miúdas e graúdas. Quase sempre um jagunço estava a espantar os animais. A marcha lenta continuou até as escarpas da Caveira do Diabo onde os jagunços despejaram toda a carga de cana e carne morta. Ainda eles esperaram o defunto chegar ao fim do monte para então voltar à fazenda. Os jagunços estavam já bem castigados pelo cansaço da luta e da lida. Esse caso nunca foi dito por nenhum jagunço ou pistoleiro a ninguém.
Diante do fato consumado o Coronel Marcolino Godinho mandou chama a sua fazenda o novo prefeito de Alcântara, José Genoíno dos Anjos, homem rude e sem nenhuma experiência administrativa. Na conversa vieram os conchavos. Nada o homem sabia. Ele entrou na política porque encontrou a porta aberta, por assim dizer. E entre tapas e beijos o Coronel Godinho foi logo advertindo para ter ele cuidado com os cargos de nomeação. E devia fazer abrigos dos idosos, dá maior atenção as Irmãs do Convento, fazer negócios imprescindíveis tais como calçamentos, arborização, distribuir feiras aos pobres, leite para as crianças desnutridas e algo mais desse gênero. Em tudo o novo prefeito afirmou saber mandar fazer.
Coronel:
--- Outra coisa: para a Prefeitura o senhor indica nas próximas eleições o colega do nosso tempo. Eu pretendo colocar da Prefeitura o senhor Antero Soares. Um rapaz jovem, sem muita pretensão e bem feitor nas suas obrigações. – explicou o Coronel sem muito alarde.
Novo Prefeito:
--- Sim senhor. Pode o senhor deixar. Eu concordo. – relatou o novo prefeito.
Coronel:
--- Tem mais coisa: o senhor Júlio Medalha vai ser o novo presidente da Câmara. É só isso de momento. – falou o Coronel de forma a quem ninguém ouvisse.

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