- SILÊNCIO -
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OUTROS DIAS
Dias após, Edgar Penteado caminhava
para a sua repartição. Ele seguia com o pensamento em outras coisas quando
chegou à Rua das Virgens, inicio da artéria em ligação com a Rua Sachet,
ligação da Praça Augusto Severo. Pessoas passavam de um lado a outro confundido
o andar do homem. Gente já estava a vasculhar os artigos domésticos entre
outras obrigações. Certo do era feto, Edgar Penteado iniciou a travessia da rua
quando ouviu um silvo a chama-lo. De inicio não deu a devida importância. Porem
no continuar o gesto foi mais forte e próximo. Ele olhou ao derredor e se
deparou com a figura da moça a quem ajudou dias passados. De qualquer forma, o
doutor Edgar tomou um susto ao ver tão próxima aquela menina moça, 17 anos de
idade, ao seu lado e a sorrir com os seus olhos miúdos e a boca ligeiramente
alargada. Após o leve susto, Edgar se voltou e a cumprimentou.
Edgar:
--- Você? Com tem passado? Trabalha
ou estuda? – indagou inquieto.
O Bonde a passar fazer o seu
retumbante barulho quase não deixava ouvir a moça. Ela olhou para o Bonde e
logo após respondeu.
Nair:
--- Ah. Nem sei. Não estudo mais. Eu
terminei o quinto ano. E foi só isso. Com a morte do “velho” as coisas
desandaram lá em casa. Quase não como. Outro dia tirei uns cocos de uma casa,
depois fui pescar. É o que sei fazer. Pescar, apanhar aratu, ginga. Outra vez
eu peguei uma lavagem de roupa. Mas tudo não dá para o gasto. Eu vim aqui à
procura de trabalho. Padaria, café ou mesmo de limpar as casas de pessoas
ricas. Nada arrumei. Paciência. Os homens só interessam em mulher da vida.
Desse gosto eu não me apeteço. – falou quase a chorar.
Edgar:
--- Mas você me disse que cuida de
casa? – perguntou com insistência.
Nair:
--- Sim. Eu limpo, cozinho, arrumo os
pratos. Tudo isso. – falou sem querer.
Edgar:
--- E não encontrou serviço? – voltou
a fazer a pergunta.
Nair:
--- Uma vez. Mas o homem veio com
enxerimento. Desisti. – falou a moça franzindo a boca.
Edgar:
--- Mas que coisa! Estou a supor! A
senhorita gostaria de trabalhar na casa de minha mãe? – perguntou com jeito.
Nair:
--- Se ela quiser. ... Como vou
saber? – sorriu e lacrimejou a moça.
O homem teceu as contas e de uma vez
fez a indagação.
Edgar:
--- Quer ir comigo? A gente vai agora
mesmo. Eu sei onde você mora. Eu sei da sua família. E não precisa mais de
nada. Quer? – falou com pressa.
Nair.
--- Posso ir. Onde sua mãe mora? –
indagou com sorrisos
Edgar:
--- Pertinho da Rua do Motor. Lá em
cima. Só tem uma coisa: Mora a minha
irmã e dois netos! – explicou o homem.
Nair.
--- E que tem os netos? – indagou com
surpresa.
Edgar:
--- São peraltas! – alertou com
emoção.
Nair:
--- Peralta eu também sou. – falou a
moça a sorrir.
O homem sorriu e pediu há Nair um
instante enquanto passava na repartição e então rumaria até o hotel onde se
hospedava para trazer o automóvel. Ela sabia do desentendimento havido entre a
mulher do hotel e a moça Nair dias atrás. A jovem concordou e se pôs a espera
do já considerado um benfeitor para com a infante. Aproveitou a ocasião para
olhar quem entrava e saia por algum tempo de uma estação de rádio. Nair
estranhou ter um radio naquele ponto. Mesmo assim, nada falou. Apenas observava
do lado de fora. Duas ou três pessoas sentadas em bancos de madeira aguardando
não sabia Nair o que.
Quando Edgar chegou a seu automóvel, Nair
embarcou. E os dois foram conversando assuntos normais, como o que Nair faria
de normal na nova casa. Ainda indagou a moça como era a mãe de Edgar. Enfim,
outros assuntos pertinentes. O carro seguia o caminho sem muita velocidade
afinal. O motorista indagou de Nair se havia trabalhado em outras casas. Ela
logo informou não ter sido empregada. Apenas ajudava a tia, quando essa
precisasse, na lavagem de roupas em uma residência na Praia do Meio. Mesmo
assim eram três dias por semana. Em ocasiões distintas Nair costumava a pescar
na pedra da praia Forte.
Nair:
--- Às vezes pego alguns peixes não
tão grandes. No Forte é melhor. Com paciência a gente pega uns cinco peixes. Eu
sempre vou ao Forte com minha prima e o seu filho. Assim nós dividimos o que
pescamos. Mas a mulher está meio adoentada. E agora, eu estou apenas tirando
coco ou fazendo arrumação na casa da velha Sinhá. – explicou sem emoção a moça.
Edgar:
--- Como se chama a sua prima? –
indagou sem grandes pretensões ao fazer uma curva com o seu veículo.
Nair:
--- Zeta. Na verdade é Elizete. Mas a
gente chama de Zeta. Ela está sofrendo muito. Os médicos disseram que é uma
chaga lá nos possuídos. – flou com vergonha.
Edgar:
--- Mas tem tratamento? – perguntou
curioso.
Nair.
--- Os médicos não deram boa fé. Mas
estão tratando de Zeta. Também ela bebe muito. Ô vida. Esse mal não tem cura! –
falou sem vontade.
Edgar:
--- Que mal? – indagou sem muita
certeza.
Nair:
--- Esse da cachaça. Morre um e fica
outro. – respondeu a moça com suas cismas.
Edgar:
--- Certamente! Certamente! Até eu
tomo um vinho quando no almoço. Mas eu não bebo por demais. Tem gente que dorme
na calçada. Em qualquer calçada. Eu vejo nesse aspecto a situação de quem passa
dessa vida, como não estará conseguindo viver em outra dimensão. No
espiritismo, nós nos encontramos com espíritos vingativos por que não se deve
aceitar ele quando era um beberrão. Certo dia, uma mulher foi nos procurar por
conta de um espírito mau. Ela falou ter sido durante algum tempo perseguida por
essa entidade. E o espírito foi chamado e quando se manifestou disse que estava
da mulher por ter sido a mesma a mulher dele em outra geração. E no seu tempo a
mulher foi quem matou o desencarnado. Há quando tempo ele não procurava essa
mulher? – declarou tristonho.
Nair:
--- Nossa! E o senhor descobre o que
um moço fez há tantos anos assim? –perguntou alarmada.
Edgar:
--- Filha! Você não sabe! Mas a nossa
vida é uma sucessão de vidas.! Nós não vivemos apenas uma vez! Nós estamos aqui
para melhorar os nossos aprendizados. Um dia eu desencarno desse corpo. Mas é
só desse corpo. A minha vida continua. Eu desencarno apenas. O povo costuma
colocar flores em uma tumba. Não raro, naquele espaço, o desencarnado não está
mais. Ele pode até encarnar novamente como um neto ou neta. E também pode não
haver mais nem sombra do desencarnado. Ele pode ter subido e vive em outra
família, em outra casa, em outro planeta até. O nosso planeta é apenas um
estágio da vida de alguém. – relatou com melancolia o mortal advogado.
Nair:
--- Meu Deus do Céu! Então eu não
morro nunca? – indagou inquieta a jovem moça.
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