terça-feira, 5 de novembro de 2013

O SENHOR DE LUTO - Capítulo Dezenove -

- SILÊNCIO -
- 19 -
OUTROS DIAS
Dias após, Edgar Penteado caminhava para a sua repartição. Ele seguia com o pensamento em outras coisas quando chegou à Rua das Virgens, inicio da artéria em ligação com a Rua Sachet, ligação da Praça Augusto Severo. Pessoas passavam de um lado a outro confundido o andar do homem. Gente já estava a vasculhar os artigos domésticos entre outras obrigações. Certo do era feto, Edgar Penteado iniciou a travessia da rua quando ouviu um silvo a chama-lo. De inicio não deu a devida importância. Porem no continuar o gesto foi mais forte e próximo. Ele olhou ao derredor e se deparou com a figura da moça a quem ajudou dias passados. De qualquer forma, o doutor Edgar tomou um susto ao ver tão próxima aquela menina moça, 17 anos de idade, ao seu lado e a sorrir com os seus olhos miúdos e a boca ligeiramente alargada. Após o leve susto, Edgar se voltou e a cumprimentou.
Edgar:
--- Você? Com tem passado? Trabalha ou estuda? – indagou inquieto.
O Bonde a passar fazer o seu retumbante barulho quase não deixava ouvir a moça. Ela olhou para o Bonde e logo após respondeu.
Nair:
--- Ah. Nem sei. Não estudo mais. Eu terminei o quinto ano. E foi só isso. Com a morte do “velho” as coisas desandaram lá em casa. Quase não como. Outro dia tirei uns cocos de uma casa, depois fui pescar. É o que sei fazer. Pescar, apanhar aratu, ginga. Outra vez eu peguei uma lavagem de roupa. Mas tudo não dá para o gasto. Eu vim aqui à procura de trabalho. Padaria, café ou mesmo de limpar as casas de pessoas ricas. Nada arrumei. Paciência. Os homens só interessam em mulher da vida. Desse gosto eu não me apeteço. – falou quase a chorar.
Edgar:
--- Mas você me disse que cuida de casa? – perguntou com insistência.
Nair:
--- Sim. Eu limpo, cozinho, arrumo os pratos. Tudo isso. – falou sem querer.
Edgar:
--- E não encontrou serviço? – voltou a fazer a pergunta.
Nair:
--- Uma vez. Mas o homem veio com enxerimento. Desisti. – falou a moça franzindo a boca.
Edgar:
--- Mas que coisa! Estou a supor! A senhorita gostaria de trabalhar na casa de minha mãe? – perguntou com jeito.
Nair:
--- Se ela quiser. ... Como vou saber? – sorriu e lacrimejou a moça.
O homem teceu as contas e de uma vez fez a indagação.
Edgar:
--- Quer ir comigo? A gente vai agora mesmo. Eu sei onde você mora. Eu sei da sua família. E não precisa mais de nada. Quer? – falou com pressa.
Nair.
--- Posso ir. Onde sua mãe mora? – indagou com sorrisos
Edgar:
--- Pertinho da Rua do Motor. Lá em cima. Só tem uma coisa:  Mora a minha irmã e dois netos! – explicou o homem.
Nair.
--- E que tem os netos? – indagou com surpresa.
Edgar:
--- São peraltas! – alertou com emoção.
Nair:
--- Peralta eu também sou. – falou a moça a sorrir.
O homem sorriu e pediu há Nair um instante enquanto passava na repartição e então rumaria até o hotel onde se hospedava para trazer o automóvel. Ela sabia do desentendimento havido entre a mulher do hotel e a moça Nair dias atrás. A jovem concordou e se pôs a espera do já considerado um benfeitor para com a infante. Aproveitou a ocasião para olhar quem entrava e saia por algum tempo de uma estação de rádio. Nair estranhou ter um radio naquele ponto. Mesmo assim, nada falou. Apenas observava do lado de fora. Duas ou três pessoas sentadas em bancos de madeira aguardando não sabia Nair o que.
Quando Edgar chegou a seu automóvel, Nair embarcou. E os dois foram conversando assuntos normais, como o que Nair faria de normal na nova casa. Ainda indagou a moça como era a mãe de Edgar. Enfim, outros assuntos pertinentes. O carro seguia o caminho sem muita velocidade afinal. O motorista indagou de Nair se havia trabalhado em outras casas. Ela logo informou não ter sido empregada. Apenas ajudava a tia, quando essa precisasse, na lavagem de roupas em uma residência na Praia do Meio. Mesmo assim eram três dias por semana. Em ocasiões distintas Nair costumava a pescar na pedra da praia Forte.
Nair:
--- Às vezes pego alguns peixes não tão grandes. No Forte é melhor. Com paciência a gente pega uns cinco peixes. Eu sempre vou ao Forte com minha prima e o seu filho. Assim nós dividimos o que pescamos. Mas a mulher está meio adoentada. E agora, eu estou apenas tirando coco ou fazendo arrumação na casa da velha Sinhá.  – explicou sem emoção  a moça.
Edgar:
--- Como se chama a sua prima? – indagou sem grandes pretensões ao fazer uma curva com o seu veículo.
Nair:
--- Zeta. Na verdade é Elizete. Mas a gente chama de Zeta. Ela está sofrendo muito. Os médicos disseram que é uma chaga lá nos possuídos. – flou com vergonha.
Edgar:
--- Mas tem tratamento? – perguntou curioso.
Nair.
--- Os médicos não deram boa fé. Mas estão tratando de Zeta. Também ela bebe muito. Ô vida. Esse mal não tem cura! – falou sem vontade.
Edgar:
--- Que mal? – indagou sem muita certeza.
Nair:
--- Esse da cachaça. Morre um e fica outro. – respondeu a moça com suas cismas. 
Edgar:
--- Certamente! Certamente! Até eu tomo um vinho quando no almoço. Mas eu não bebo por demais. Tem gente que dorme na calçada. Em qualquer calçada. Eu vejo nesse aspecto a situação de quem passa dessa vida, como não estará conseguindo viver em outra dimensão. No espiritismo, nós nos encontramos com espíritos vingativos por que não se deve aceitar ele quando era um beberrão. Certo dia, uma mulher foi nos procurar por conta de um espírito mau. Ela falou ter sido durante algum tempo perseguida por essa entidade. E o espírito foi chamado e quando se manifestou disse que estava da mulher por ter sido a mesma a mulher dele em outra geração. E no seu tempo a mulher foi quem matou o desencarnado. Há quando tempo ele não procurava essa mulher? – declarou tristonho.
Nair:
--- Nossa! E o senhor descobre o que um moço fez há tantos anos assim? –perguntou alarmada.
Edgar:
--- Filha! Você não sabe! Mas a nossa vida é uma sucessão de vidas.! Nós não vivemos apenas uma vez! Nós estamos aqui para melhorar os nossos aprendizados. Um dia eu desencarno desse corpo. Mas é só desse corpo. A minha vida continua. Eu desencarno apenas. O povo costuma colocar flores em uma tumba. Não raro, naquele espaço, o desencarnado não está mais. Ele pode até encarnar novamente como um neto ou neta. E também pode não haver mais nem sombra do desencarnado. Ele pode ter subido e vive em outra família, em outra casa, em outro planeta até. O nosso planeta é apenas um estágio da vida de alguém. – relatou com melancolia o mortal advogado.
Nair:
--- Meu Deus do Céu! Então eu não morro nunca? – indagou inquieta a jovem moça.
 

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