sábado, 16 de novembro de 2013

O SENHOR DE LUTO - Vinte e Oito -

 



- Vinte e Oito –

HOTEL

A segunda feira chegou com tempo firme, céu claro, vendo brando do leste. Eram cinco horas de manhã. Na cozinha já estava Nair Pereira fazendo os seus quitutes, café, coalhada e bolos. Para dona Amélia, Nair preparava papa de aveia e leite. O rapaz ainda não acordara. A moça, Lenira, estava no banheiro a se ajeitar. A viúva Deodora se acercou de Nair apenas com um bom dia um pouco triste. A sua menina, Ana Julia ainda estava a dormir. Ana Julia era uma pequena, porém bem dispostas no fazer. A sua mãe era calma e com a morte de Carrapicho estava mais calma ainda. Quase frustada. A mulher Deodora ainda no sábado ficou sabendo como acabara o nefasto Ernesto Tororomba, matador de profissão.

Deodora;  

--- Infeliz! Teve o fim que merecia! Arruaceiro! – teria dito a sentida mulher quando estava no  território de Macaíba.

Na segunda feira a viúva ainda estava ressentida com a tormenta pela qual passara e nem ouviu por certo Nair responder o seu bom dia outra vez. Apenas ajudou a moça no asseio da cozinha como sendo distração de uma mágoa sentida. Para quem nunca vira uma mulher do sertão, Deodora era ligeiramente magra, porém forte e musculosa. Um tanto traída com a vida de caminhante pelas veredas do sertão, a tragar a malsinada lida de sua existência a mulher de Carrapicho não tinha tempo para um pouco repousar. Essa vida distorcida só sentou o tranquilizar no momento do trabalho na fazenda de seu Edgar. E Deodora mostrou o tanto saber a colher leite de vaca, cabra e ovelha. A fazer coalhada e queijo de coalho ou manteiga além das demais comidas do refeitório. Vinda de Olho da Serra era mulher viageira a cuspir na terra para ver o mato nascer.  Pois era desta forma a pacata viúva Deodora. O seu marido era das bandas dos ariscos de Pernambuco ou mais para dentro, no fim do mundo coisa que o homem nunca soube sequer. Mas sabia falar quando abria a boca para dizer:

Carrapicho

--- “Macaco” só é bom quando está morto. E bem morto matado. – e cuspia no chão.

Eram coisas que Deodora não esqueceria tão cedo ou nunca mais.

Com um pouco de tempo surgiu na porta da cozinha o homem Edgar. Ele deu bom dia às duas mulheres e notou Deodora a lavar e enxugar pratos. De imediato ele pensou ser por bem ficar com a viúva em sua casa. Mas não quis se precipitar. A outra doméstica chegaria a pouco tempo e Deodora talvez tivesse a missão de voltar para a fazenda ou de seguir seu caminhar por outros meios. Então o homem apenas cumprimentou:

Edgar:

--- Bom dia. Deodora. – disse o homem pouco sentido

Deodora:

--- Bom dia, senhor. – respondeu a mulher com voz um pouco rouca.

Edgar:

--- Onde está Ana Julia? – perguntou sem entusiasmo,

Deodora:

--- Dormindo, senhor. – respondeu melancólica.

Edgar:

--- As coisas vão se ajeitar. Pode ter certeza. – respondeu o homem.

Deodora:

--- Para mim, terminaram. – respondeu a viúva com voz de choro.

E Edgar Penteado percebeu não ser a hora de melhor falar com a viúva Deodora. Ela estava abalada, constrangida e magoada por perder o seu único homem desde que se juntou a ele. Então lhe beijou a face e apenas se retirou devagar. Nair Pereira observou a cena e ficou com ira, raiva e desamou por causa daquele dolente e inocente beijo. E teve vontade de agarrar, cuspir, chutar a cara dele. Porém não o fez. Aceitou os cumprimentos de Edgar com toda ternura. Ao retorna passando pelo fogão, Edgar observou Nair e lhe beijou a face, coisa nunca feita até aquele dia. Ela sorriu muito leve e agradeceu pela bondade do homem. De vagar, ela se voltou e olhou com carinho o cavalheiro solitário. Ainda com a face rubra do beijo recebido, ela não teve arrojo de retribuir o afeto lhe entregue. Sorriu apenas e teve um pouco de orgulho encantado.

Nair:

--- Café? – indagou com vontade de cativar o noivo. 

O homem sorriu levemente antes de responder:

Edgar:

--- Banho primeiro! – sorriu de vez para a bela morena.

Forte ereção lhe acometeu de vez naquele instante. Ele mais uma vez sorriu e caminhou para o banheiro com seu pensamento a mil. Nada havia na sala de jantar naquela hora bem cedo da manhã. Apenas frutas. Edgar pegou uma fruta e então saboreou a deliciosa maçã. Naquele instante, ele observou sua sobrinha a sair do banheiro e passar com pressa a enxugar o cabelo. Ele nada fez. Apenas sorriu para Lenira quando essa atravessou o seu caminhar com os seus passos tenros. Na verdade a moça parecia alguém a transitar depressa. Enquanto isso, a menina Ana Julia caminhou para a cozinha em busca de sua mãe. Ao passar por Edgar lhe tomou a benção sem fazer ruído. Apenas lhe estirou a mão. O homem se ressentiu a passou a mão na cabeça da criança como formar de abençoar.

Às seis horas da manhã chegou à residência a senhora Odiléia com um pacote debaixo do braço e uma menina de reboque. A menina era a sua filha. A mais nova das três filhas. O marido era um mandrião a não fazer coisa alguma. Quando era mais tarde, o homem se largava para o bar e por lá ficava até a hora do almoço. Seu nome era Raimundo. Porém quem o conhecia o chamava de Tributino. Caso tivesse almoço, ele comia. Se não, Tributino voltava ao bar.  Nada o homem reclamava. Sabia-se ter ele sido enfermo por uma questão de intoxicação com tinta de carro. Quando era jovem, Tributino trabalhava em uma oficina de pintura de automóvel. Um dia adoeceu. Alegou-se ter sido a tinta a lhe prejudicar. Ele não teve pensão ou auxilio. E passou a vida ao Deus dará. Homem de pouca estatura, cabelos brancos, tez bem clara. A sua mulher era à força do trabalho. Um dia em uma casa. No seguinte em outra. E se tinha pano pra lavar era com ela. Se a faina era outra, ela não se perturbava. Quando moça Odiléia trabalhou durante muito tempo em casa de um político. Quando o político perdeu o mandado Odiléia se bandeou para outra casa nobre. 

O doutor Edgar Penteado chegou um pouco cedo em sua casa. Ele trazia um volume grande. Entre outros objetos estava um rádio, equipamento guardado com o maior cuidado. Para trazer tudo, ele fez várias viagens do carro para a sua mansão. Nair ficou a ver todos aqueles embrulhos já sabendo ter Edgar saído do Hotel. Por certos momentos, a moça ajudou a levar para a casa os diversos equipamentos, inclusive roupas. Odiléia também procurou dar ajuda e acudir no caminhar de Nair a levar para dentro maquina de escrever, tintas, livros dentre outros. As duas ajudantes de Edgar nada em nada elas indagaram. Apenas levaram para por no quarto. Ana Julia olhou para a sua mãe e se pôs a sorrir. A viúva nada fez e apenas mandou as duas meninas brincarem por algum tempo na varanda. Ana Julia buscou Maria, a filha de Odiléia. As duas foram para a varanda a brincar com bozós como forma de se divertir. A anciã Ana Amélia, mãe de Edgar procurou ver de surpresa e ainda perguntou:

Amélia

--- O que foi? Nó nas tripas? – indagou a anciã a sorrir.

Edgar:

--- Não. Estou de mudança. – replicou o advogado com o rosto sisudo.

Amélia:

--- Ah bom! Eu sabia que tudo era rabo de palha. – explicou a anciã a sorrir.

Foi mais de uma hora para Edgar ajeitar tudo em seu quarto de dormir, estudar e escrever. Após esse tempo, ele procurou ouvir da moça Nair a sua opinião a respeito dos preparativos do noivado para relatar a anciã, Ana Amélia. A moça ficou calada e pensativa. Quanto terminou sua mudez foi para dizer:

Nair:

--- Hoje tem reunião? – perguntou com muita calma.

Edgar:

--- Sim. Todas as segundas. E então? – quis saber da resposta.

Nair:

--- Eu pressinto de dona Amélia concordar. – respondeu acanhada a moça.

Amélia:

--- Que resposta? –respondeu a anciã ao se aproximar do casal.

Nair ficou tensa e Edgar sorriu. Ele olhou para a cara de Nair e após esse tempo respondeu:

Edgar:

--- Minha mãe. Nós vamos nos casar de verdade. Ela vai ajeitar o enxoval. – relatou pacato e com sobriedade.

Amélia:

--- Ora mais se viu! Já devia estar casado há mais tempo. – falou a anciã fazendo um tuk na boca

Nair sorriu com leveza. A viúva Deodora estava ouvindo e deu de costa chamando a sua filha para dentro da casa. A menina Ana Julia deu adeus a sua colega Maria, pôs sua mãe Odiléia já estava de saída. Teve apenas tempo de se despedir. A noite estava a chegar e a sobrinha de Edgar, senhorita Lenira, voltava a Escola Doméstica com a sua mãe, também professora da instituição. O marido de Clara, o comandante França, parou de reler a revista e perguntou satisfeito:

França:

--- Tem casório da casa? – sorriu o homem a abraçar sua esposa.

Lenira:

--- Casório? De quem? – indagou surpresa a sobrinha. Olhar abismado.

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