- Vinte e Oito –
HOTEL
A segunda feira chegou com tempo firme,
céu claro, vendo brando do leste. Eram cinco horas de manhã. Na cozinha já
estava Nair Pereira fazendo os seus quitutes, café, coalhada e bolos. Para dona
Amélia, Nair preparava papa de aveia e leite. O rapaz ainda não acordara. A
moça, Lenira, estava no banheiro a se ajeitar. A viúva Deodora se acercou de
Nair apenas com um bom dia um pouco triste. A sua menina, Ana Julia ainda
estava a dormir. Ana Julia era uma pequena, porém bem dispostas no fazer. A sua
mãe era calma e com a morte de Carrapicho estava mais calma ainda. Quase frustada.
A mulher Deodora ainda no sábado ficou sabendo como acabara o nefasto Ernesto
Tororomba, matador de profissão.
Deodora;
--- Infeliz! Teve o fim que merecia!
Arruaceiro! – teria dito a sentida mulher quando estava no território de Macaíba.
Na segunda feira a viúva ainda estava
ressentida com a tormenta pela qual passara e nem ouviu por certo Nair
responder o seu bom dia outra vez. Apenas ajudou a moça no asseio da cozinha
como sendo distração de uma mágoa sentida. Para quem nunca vira uma mulher do
sertão, Deodora era ligeiramente magra, porém forte e musculosa. Um tanto
traída com a vida de caminhante pelas veredas do sertão, a tragar a malsinada
lida de sua existência a mulher de Carrapicho não tinha tempo para um pouco
repousar. Essa vida distorcida só sentou o tranquilizar no momento do trabalho
na fazenda de seu Edgar. E Deodora mostrou o tanto saber a colher leite de
vaca, cabra e ovelha. A fazer coalhada e queijo de coalho ou manteiga além das
demais comidas do refeitório. Vinda de Olho da Serra era mulher viageira a
cuspir na terra para ver o mato nascer. Pois
era desta forma a pacata viúva Deodora. O seu marido era das bandas dos ariscos
de Pernambuco ou mais para dentro, no fim do mundo coisa que o homem nunca
soube sequer. Mas sabia falar quando abria a boca para dizer:
Carrapicho
--- “Macaco” só é bom quando está morto.
E bem morto matado. – e cuspia no chão.
Eram coisas que Deodora não esqueceria
tão cedo ou nunca mais.
Com um pouco de tempo surgiu na porta da
cozinha o homem Edgar. Ele deu bom dia às duas mulheres e notou Deodora a lavar
e enxugar pratos. De imediato ele pensou ser por bem ficar com a viúva em sua
casa. Mas não quis se precipitar. A outra doméstica chegaria a pouco tempo e
Deodora talvez tivesse a missão de voltar para a fazenda ou de seguir seu
caminhar por outros meios. Então o homem apenas cumprimentou:
Edgar:
--- Bom dia. Deodora. – disse o homem
pouco sentido
Deodora:
--- Bom dia, senhor. – respondeu a
mulher com voz um pouco rouca.
Edgar:
--- Onde está Ana Julia? – perguntou sem
entusiasmo,
Deodora:
--- Dormindo, senhor. – respondeu
melancólica.
Edgar:
--- As coisas vão se ajeitar. Pode ter
certeza. – respondeu o homem.
Deodora:
--- Para mim, terminaram. – respondeu a
viúva com voz de choro.
E Edgar Penteado percebeu não ser a hora
de melhor falar com a viúva Deodora. Ela estava abalada, constrangida e magoada
por perder o seu único homem desde que se juntou a ele. Então lhe beijou a face
e apenas se retirou devagar. Nair Pereira observou a cena e ficou com ira,
raiva e desamou por causa daquele dolente e inocente beijo. E teve vontade de
agarrar, cuspir, chutar a cara dele. Porém não o fez. Aceitou os cumprimentos
de Edgar com toda ternura. Ao retorna passando pelo fogão, Edgar observou Nair
e lhe beijou a face, coisa nunca feita até aquele dia. Ela sorriu muito leve e
agradeceu pela bondade do homem. De vagar, ela se voltou e olhou com carinho o
cavalheiro solitário. Ainda com a face rubra do beijo recebido, ela não teve
arrojo de retribuir o afeto lhe entregue. Sorriu apenas e teve um pouco de
orgulho encantado.
Nair:
--- Café? – indagou com vontade de
cativar o noivo.
O homem sorriu levemente antes de
responder:
Edgar:
--- Banho primeiro! – sorriu de vez para
a bela morena.
Forte ereção lhe acometeu de vez naquele
instante. Ele mais uma vez sorriu e caminhou para o banheiro com seu pensamento
a mil. Nada havia na sala de jantar naquela hora bem cedo da manhã. Apenas
frutas. Edgar pegou uma fruta e então saboreou a deliciosa maçã. Naquele
instante, ele observou sua sobrinha a sair do banheiro e passar com pressa a
enxugar o cabelo. Ele nada fez. Apenas sorriu para Lenira quando essa
atravessou o seu caminhar com os seus passos tenros. Na verdade a moça parecia
alguém a transitar depressa. Enquanto isso, a menina Ana Julia caminhou para a
cozinha em busca de sua mãe. Ao passar por Edgar lhe tomou a benção sem fazer
ruído. Apenas lhe estirou a mão. O homem se ressentiu a passou a mão na cabeça
da criança como formar de abençoar.
Às seis horas da manhã chegou à
residência a senhora Odiléia com um pacote debaixo do braço e uma menina de
reboque. A menina era a sua filha. A mais nova das três filhas. O marido era um
mandrião a não fazer coisa alguma. Quando era mais tarde, o homem se largava
para o bar e por lá ficava até a hora do almoço. Seu nome era Raimundo. Porém
quem o conhecia o chamava de Tributino. Caso tivesse almoço, ele comia. Se não,
Tributino voltava ao bar. Nada o homem
reclamava. Sabia-se ter ele sido enfermo por uma questão de intoxicação com
tinta de carro. Quando era jovem, Tributino trabalhava em uma oficina de
pintura de automóvel. Um dia adoeceu. Alegou-se ter sido a tinta a lhe
prejudicar. Ele não teve pensão ou auxilio. E passou a vida ao Deus dará. Homem
de pouca estatura, cabelos brancos, tez bem clara. A sua mulher era à força do
trabalho. Um dia em uma casa. No seguinte em outra. E se tinha pano pra lavar
era com ela. Se a faina era outra, ela não se perturbava. Quando moça Odiléia
trabalhou durante muito tempo em casa de um político. Quando o político perdeu
o mandado Odiléia se bandeou para outra casa nobre.
O doutor Edgar Penteado chegou um pouco
cedo em sua casa. Ele trazia um volume grande. Entre outros objetos estava um
rádio, equipamento guardado com o maior cuidado. Para trazer tudo, ele fez
várias viagens do carro para a sua mansão. Nair ficou a ver todos aqueles
embrulhos já sabendo ter Edgar saído do Hotel. Por certos momentos, a moça
ajudou a levar para a casa os diversos equipamentos, inclusive roupas. Odiléia
também procurou dar ajuda e acudir no caminhar de Nair a levar para dentro
maquina de escrever, tintas, livros dentre outros. As duas ajudantes de Edgar
nada em nada elas indagaram. Apenas levaram para por no quarto. Ana Julia olhou
para a sua mãe e se pôs a sorrir. A viúva nada fez e apenas mandou as duas
meninas brincarem por algum tempo na varanda. Ana Julia buscou Maria, a filha
de Odiléia. As duas foram para a varanda a brincar com bozós como forma de se
divertir. A anciã Ana Amélia, mãe de Edgar procurou ver de surpresa e ainda
perguntou:
Amélia
--- O que foi? Nó nas tripas? – indagou
a anciã a sorrir.
Edgar:
--- Não. Estou de mudança. – replicou o
advogado com o rosto sisudo.
Amélia:
--- Ah bom! Eu sabia que tudo era rabo
de palha. – explicou a anciã a sorrir.
Foi mais de uma hora para Edgar ajeitar
tudo em seu quarto de dormir, estudar e escrever. Após esse tempo, ele procurou
ouvir da moça Nair a sua opinião a respeito dos preparativos do noivado para
relatar a anciã, Ana Amélia. A moça ficou calada e pensativa. Quanto terminou
sua mudez foi para dizer:
Nair:
--- Hoje tem reunião? – perguntou com
muita calma.
Edgar:
--- Sim. Todas as segundas. E então? –
quis saber da resposta.
Nair:
--- Eu pressinto de dona Amélia
concordar. – respondeu acanhada a moça.
Amélia:
--- Que resposta? –respondeu a anciã ao
se aproximar do casal.
Nair ficou tensa e Edgar sorriu. Ele
olhou para a cara de Nair e após esse tempo respondeu:
Edgar:
--- Minha mãe. Nós vamos nos casar de
verdade. Ela vai ajeitar o enxoval. – relatou pacato e com sobriedade.
Amélia:
--- Ora mais se viu! Já devia estar
casado há mais tempo. – falou a anciã fazendo um tuk na boca
Nair sorriu com leveza. A viúva Deodora
estava ouvindo e deu de costa chamando a sua filha para dentro da casa. A
menina Ana Julia deu adeus a sua colega Maria, pôs sua mãe Odiléia já estava de
saída. Teve apenas tempo de se despedir. A noite estava a chegar e a sobrinha
de Edgar, senhorita Lenira, voltava a Escola Doméstica com a sua mãe, também
professora da instituição. O marido de Clara, o comandante França, parou de reler
a revista e perguntou satisfeito:
França:
--- Tem casório da casa? – sorriu o
homem a abraçar sua esposa.
Lenira:
--- Casório? De quem? – indagou surpresa
a sobrinha. Olhar abismado.
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