- CAMINHOS -
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- ALIANÇAS -
Naquela mesma noite, após o jantar, o
cavalheiro Edgar Penteado, a sorrir após advertir os circunstantes à hora era
então chegada, formulou convite à senhorita Nair e pediu-se sua mão em casamento
colocando a aliança em seu dedo anelar direito. Uma salva de palmas por todos
os convivas, inclusive a anciã Ana Amélia, postada na cadeira à cabeceira da
mesa. Após enigmática ovação esperou-se por palavras de agradecer da então
noiva quase insistente por todos, inclusive pela amiga Lenira com o seu rosto
afoito e repleto de graça. Com semblante alegre a virgem, de tanta emoção,
olhava para o anel solitário de noivado, todo em ouro com pedras delicadas e
brilhantes não deteve a emoção e tornou a lacrimejar febril. Nair se lembrou da
figura no quarto e não havia sequer anel semelhante. Esse era o verdadeiro selo
de amor e apreço do dedicado cavalheiro. As lágrimas vertiam em profusão sem
Nair poder falar qualquer termo de agradecimento. Com o tempo a passar, a
dileta noiva apenas beijou seu noivo e de emoção apenas disse.
Nair;
--- Obrigada. Não merecia tanto.
Obrigada. – soergueu a mão para os
demais poderem admirar
Edgar deu-lhe em retribuição um suave
ósculo e, contemplando a enigmática virgem, acercou-se e a levou em seus braços
para o alto. Temendo cair das alturas, a moça abraçou o noivo e alegre e
desejosa se amparou pelo seu pescoço. Ébrio de emoção, em verdade, em verdade o
ditoso, Edgar rodou em torno de si com a virgem Nair a sorrir de encantados
primaveris instantes. Entre beijos e
abraços, ele nem sequer prestou atenção à figura na soleira da porta. O
espírito da virgem Zélia em suave aparição de momento, como uma nuvem brilhante
com eterna lembrança se postou naquele local apenas para dedicar ao seu jovem
amante algo como infindo sentimento de ternura. Logo após o espírito da sacra
virgem se esvaneceu.
A ovação prosseguiu com a família a
soerguer com vivas e aplausos as taças de champanhe em homenagem ao homem Edgar
Penteado e a noiva, Nair Pereira. Uma festa de honras e glórias para todo o
sempre. A anciã, Ana Amélia, sentada em sua cadeira a cabeceira da mesa, apesar
de alegre se ressentia de não ter podido beber champanha no seu noivado. Pois
era a bebida que estava em falta:
Amélia:
--- No meu noivado eu não tive essa
bebida. E hoje eu não bebo porque a saúde me impede. – reclamou ressentida.
Lenira:
--- Ora vovó! Mas tome um tiquinho!
Venha! Beba! Se fizer mal, só faz uma vez! – disse a neta a convidar a anciã a
tomar champanhe.
Amélia:
--- Não! Não! Não! Agora eu não tenho
mais vontade! – respondeu a anciã com lágrima nos olhos.
De imediato, o comandante Ricardo França
saiu em busca da radiola para colocar um disco a tocar em homenagem aos noivos
uma melodia própria para a ocasião. Na porta da cozinha, dona Odiléia
comemorava com lágrimas a tão ambiciosa festa. Por seu lado, a viúva Deodora
chegou à porta e retornou para o fogão com a sua tristeza imorredoura. As duas
meninas, Ana Julia, filha de Deodora e Maria, filha de Odiléia sorriam a
contento e ambas também comiam pedaços de peru assado com copos de
refrigerantes. A festa rolou até altas horas com brindes de vinhos, cerveja e
vermute. O champanha se acabara de momento, uma vez terem todas as garrafas
sido abertas.
O domingo chegou sem chuvas. O brilho do
sol se fez presente às cinco e vinte da manhã. O vendedor de pães chegara
alguns minutos depois. O Bonde tilintou logo cedo do dia marcando sua volta ao
centro da cidade. Um casal e depois outro e outro mais passaram na calçada do outro
lado da rua. Era a caminhada matinal. Todos pareciam mudos. Apenas caminhavam.
Na orla, bem embaixo da cidade, havia pouco movimento. Os pescadores já
deixavam seus locais de origem rumando para o mar aberto em suas jangadas com
as suas velas já suspensas. Eram três as jangadas. Outros pescadores se
arrumavam sobre as pedras a bater às ondas e de modo a pegar os seus peixes
frescos. Um carro vinha a caminho. Dois homens passavam em frente da casa de
Edgar a comentar assunto qualquer. O vento frio sobrava uivando parecendo um
dragão a ressonar insistente. Às vezes ingente. Às vezes tranquilo a demonstrar
o seu eterno sono. Ouvia-se o canto de um sabiá da mata em algum ponto da
descida da balaustrada. Canto de galo ao longe se ouvia constantemente. Um, dois,
três. Talvez quadro galos. Um cão a latir por causa de outro cão a passar.
Mulheres seguiam para assistir a Santa Missa na capela do Hospital “Miguel
Couto” logo às seis horas da manhã. Um choro de menino em alguma casa. Era tudo
o ouvir naquela manhã cedinho.
O homem do pão bateu a sineta e a mulher
Odiléia foi buscar os pães da manhã. Na sala estava o telefone totalmente
adormecido em uma pequena mesa onde estava um gato de porcelana eternamente
mudo. Ela verificou de repente a mesa do jantar onde houve a festa do noivado.
Tudo já estava normalizado parecendo não ter havido festa então. O relógio cuco
bateu há meia hora após as cinco e o senhor Edgar saiu do seu cômodo em direção
ao banheiro. Um bom dia foi tudo o que se passou entre os dois desatentos personagens.
Odiléia:
--- Bom dia senhor. – disse a mulher sem
sorrir.
Edgar:
--- Bom dia. Todos dormem na casa. –
ressaltou o homem.
A mulher caminhou em direção ao vendedor
de pães e nada mais falou. Antes de entrar no banheiro, Edgar teve um encontro
inesperado. Deodora chegou de repente e perguntou se o homem queria café antes
de sair à fazenda. Ele respondeu:
Edgar:
--- Estou enojado. Mas uma xicara pode
ser. – relatou a murmúrio o homem.
Deodora sumiu de repente em busca do
pretendido café. Uma voz de mulher a surgir assustou o distraido homem:
Lenira:
--- Espera! Espera! Espera! Vou urinar!
– disse a moça tão de repente abrindo a solitária tranca do banheiro.
Edgar coçou a cabeça e fez ao largo a
procura do segundo banheiro. Ele supôs por onde andava o sobrinho. Esse não
veio à festa do noivado. Certamente estivesse de plantão no hospital. Ao sair
do banho, onde muitas coisas ele pensara, Edgar deu de encontro de novo com
Deodora já a servir o café com pões da manhã, queijo e ovos fritos. Ele
observou atento e teve meio apenas para relatar ser demais. Não precisaria de
todo aquele alimento.
Deodora:
--- Comer faz bem. Principalmente depois
de uma festa. – comentou trancada.
Edgar correu o riso para acertar o que
dissera a mulher.
Quando o automóvel ganhou a estrada,
indo pela ponte de Igapó, o homem lembrou-se de Carrapicho. No banco da frente
viajava apenas a viúva Deodora uma vez ter deixado no casarão a sua filha Ana
Julia. A noiva de Edgar Penteado também ficou na casa, pois precisaria arrumar
as compras feitas na manhã do dia passado. De repente, o homem falou à viúva
ter alguém lhe informado que o espírito de Carrapicho esteve a seu lado durante
a celebração da Santa Missa.
Edgar:
--- Jerônimo observou para um “vulto” a
estar em pé ao meu lado esquerdo, bem em depois da senhora na Igreja. E era
Carrapicho, apesar de Jeronimo não o conhece-lo. Eu nada informei a homem. –
disse o senhor sem querer assustar a viúva
Deodora:
--- Eu tive um sonho pesado e ele
aparecia para me contar algo. Mesmo assim eu não lembro o que o defunto me
disse. Foi um sonho pesado mesmo. – comentou a mulher viúva.
Edgar:
--- Eu creio que Carrapicho não subiu.
Ele está na Terra. Talvez. – relatou receoso.
Nesse instante, Deodora chorou de
tristeza lembrando o tempo das idas e vindas pelo sertão brabo e arriscado por
demais. As angústias do calor, a falta de água. Apenas Carrapicho encontrava
água salobra ou um líquido que nem gado bebia. E eles andavam, a avançar pelas
montanhas, pé no caminho, pé da estrada. Vida malsinada, calcinada e triste do
homem sertanejo vivido no interior nordestino desse maldito território. Quando
precisava se amoitar, se escondia no mato a ficar de olho atento esperando o
“desgramado do polidoro” como Carrapicho chamava os “macacos”. Os homens da
Polícia. Quando um “macaco” aparecia era:
Carrapicho:
--- Tei! E o “macaco” tombava de perna
aberta. – dizia Carrapicho.
Deodora relatava ter Carrapicho um
grande amigo de jornada. Para onde um caminhava, o outro também o mesmo fazia.
Se um comia preá, o outro também se satisfazia da mesma forma:
Deodora:
--- Gonzaga era o seu nome. Ele morreu
de morte matada. E Carrapicho escapou por milagre. Por isso era que o meu
defunto tinha veneração por Nossa Senhora. Ninguém mais do que Ela podia fazer
algo por ele. Ele rezava todas as noites. Era devoto de Nossa Senhora. No dia
em que foi morto pelo o “desgramado”, ele disse pra mim:
Carrapicho:
--- Aqui nessa malsinada terra, só
presta quem é devoto da Santa. Eu rezo todas as noites para Ela me defender do
mal. – dizia Carrapicho.
Edgar:
--- Mas a Santa não evitou dele ter
morrido. - - salientou o seu patrão
Deodora:
--- Ele me disse ter encontrado uma
visão da Santa que o advertiu para o “homem do mal”. – relatou a mulher como
quem chora.
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