segunda-feira, 18 de novembro de 2013

O SENHOR DE LUTO - Trinta e Dois -

- CAMINHOS -
- 32 -
- ALIANÇAS -
Naquela mesma noite, após o jantar, o cavalheiro Edgar Penteado, a sorrir após advertir os circunstantes à hora era então chegada, formulou convite à senhorita Nair e pediu-se sua mão em casamento colocando a aliança em seu dedo anelar direito. Uma salva de palmas por todos os convivas, inclusive a anciã Ana Amélia, postada na cadeira à cabeceira da mesa. Após enigmática ovação esperou-se por palavras de agradecer da então noiva quase insistente por todos, inclusive pela amiga Lenira com o seu rosto afoito e repleto de graça. Com semblante alegre a virgem, de tanta emoção, olhava para o anel solitário de noivado, todo em ouro com pedras delicadas e brilhantes não deteve a emoção e tornou a lacrimejar febril. Nair se lembrou da figura no quarto e não havia sequer anel semelhante. Esse era o verdadeiro selo de amor e apreço do dedicado cavalheiro. As lágrimas vertiam em profusão sem Nair poder falar qualquer termo de agradecimento. Com o tempo a passar, a dileta noiva apenas beijou seu noivo e de emoção apenas disse.
Nair;
--- Obrigada. Não merecia tanto. Obrigada. –  soergueu a mão para os demais poderem admirar
Edgar deu-lhe em retribuição um suave ósculo e, contemplando a enigmática virgem, acercou-se e a levou em seus braços para o alto. Temendo cair das alturas, a moça abraçou o noivo e alegre e desejosa se amparou pelo seu pescoço. Ébrio de emoção, em verdade, em verdade o ditoso, Edgar rodou em torno de si com a virgem Nair a sorrir de encantados primaveris  instantes. Entre beijos e abraços, ele nem sequer prestou atenção à figura na soleira da porta. O espírito da virgem Zélia em suave aparição de momento, como uma nuvem brilhante com eterna lembrança se postou naquele local apenas para dedicar ao seu jovem amante algo como infindo sentimento de ternura. Logo após o espírito da sacra virgem se esvaneceu.
A ovação prosseguiu com a família a soerguer com vivas e aplausos as taças de champanhe em homenagem ao homem Edgar Penteado e a noiva, Nair Pereira. Uma festa de honras e glórias para todo o sempre. A anciã, Ana Amélia, sentada em sua cadeira a cabeceira da mesa, apesar de alegre se ressentia de não ter podido beber champanha no seu noivado. Pois era a bebida que estava em falta:
Amélia:
--- No meu noivado eu não tive essa bebida. E hoje eu não bebo porque a saúde me impede. – reclamou ressentida.
Lenira:
--- Ora vovó! Mas tome um tiquinho! Venha! Beba! Se fizer mal, só faz uma vez! – disse a neta a convidar a anciã a tomar champanhe.
Amélia:
--- Não! Não! Não! Agora eu não tenho mais vontade! – respondeu a anciã com  lágrima nos olhos.
De imediato, o comandante Ricardo França saiu em busca da radiola para colocar um disco a tocar em homenagem aos noivos uma melodia própria para a ocasião. Na porta da cozinha, dona Odiléia comemorava com lágrimas a tão ambiciosa festa. Por seu lado, a viúva Deodora chegou à porta e retornou para o fogão com a sua tristeza imorredoura. As duas meninas, Ana Julia, filha de Deodora e Maria, filha de Odiléia sorriam a contento e ambas também comiam pedaços de peru assado com copos de refrigerantes. A festa rolou até altas horas com brindes de vinhos, cerveja e vermute. O champanha se acabara de momento, uma vez terem todas as garrafas sido abertas.
O domingo chegou sem chuvas. O brilho do sol se fez presente às cinco e vinte da manhã. O vendedor de pães chegara alguns minutos depois. O Bonde tilintou logo cedo do dia marcando sua volta ao centro da cidade. Um casal e depois outro e outro mais passaram na calçada do outro lado da rua. Era a caminhada matinal. Todos pareciam mudos. Apenas caminhavam. Na orla, bem embaixo da cidade, havia pouco movimento. Os pescadores já deixavam seus locais de origem rumando para o mar aberto em suas jangadas com as suas velas já suspensas. Eram três as jangadas. Outros pescadores se arrumavam sobre as pedras a bater às ondas e de modo a pegar os seus peixes frescos. Um carro vinha a caminho. Dois homens passavam em frente da casa de Edgar a comentar assunto qualquer. O vento frio sobrava uivando parecendo um dragão a ressonar insistente. Às vezes ingente. Às vezes tranquilo a demonstrar o seu eterno sono. Ouvia-se o canto de um sabiá da mata em algum ponto da descida da balaustrada. Canto de galo ao longe se ouvia constantemente. Um, dois, três. Talvez quadro galos. Um cão a latir por causa de outro cão a passar. Mulheres seguiam para assistir a Santa Missa na capela do Hospital “Miguel Couto” logo às seis horas da manhã. Um choro de menino em alguma casa. Era tudo o ouvir naquela manhã cedinho.    
O homem do pão bateu a sineta e a mulher Odiléia foi buscar os pães da manhã. Na sala estava o telefone totalmente adormecido em uma pequena mesa onde estava um gato de porcelana eternamente mudo. Ela verificou de repente a mesa do jantar onde houve a festa do noivado. Tudo já estava normalizado parecendo não ter havido festa então. O relógio cuco bateu há meia hora após as cinco e o senhor Edgar saiu do seu cômodo em direção ao banheiro. Um bom dia foi tudo o que se passou entre os dois desatentos personagens.
Odiléia:
--- Bom dia senhor. – disse a mulher sem sorrir.
Edgar:
--- Bom dia. Todos dormem na casa. – ressaltou o homem.
A mulher caminhou em direção ao vendedor de pães e nada mais falou. Antes de entrar no banheiro, Edgar teve um encontro inesperado. Deodora chegou de repente e perguntou se o homem queria café antes de sair à fazenda. Ele respondeu:
Edgar:
--- Estou enojado. Mas uma xicara pode ser. – relatou a murmúrio o homem.
Deodora sumiu de repente em busca do pretendido café. Uma voz de mulher a surgir assustou o distraido homem:
Lenira:
--- Espera! Espera! Espera! Vou urinar! – disse a moça tão de repente abrindo a solitária tranca do banheiro.
Edgar coçou a cabeça e fez ao largo a procura do segundo banheiro. Ele supôs por onde andava o sobrinho. Esse não veio à festa do noivado. Certamente estivesse de plantão no hospital. Ao sair do banho, onde muitas coisas ele pensara, Edgar deu de encontro de novo com Deodora já a servir o café com pões da manhã, queijo e ovos fritos. Ele observou atento e teve meio apenas para relatar ser demais. Não precisaria de todo aquele alimento.
Deodora:
--- Comer faz bem. Principalmente depois de uma festa. – comentou trancada.
Edgar correu o riso para acertar o que dissera a mulher.
Quando o automóvel ganhou a estrada, indo pela ponte de Igapó, o homem lembrou-se de Carrapicho. No banco da frente viajava apenas a viúva Deodora uma vez ter deixado no casarão a sua filha Ana Julia. A noiva de Edgar Penteado também ficou na casa, pois precisaria arrumar as compras feitas na manhã do dia passado. De repente, o homem falou à viúva ter alguém lhe informado que o espírito de Carrapicho esteve a seu lado durante a celebração da Santa Missa.
Edgar:
--- Jerônimo observou para um “vulto” a estar em pé ao meu lado esquerdo, bem em depois da senhora na Igreja. E era Carrapicho, apesar de Jeronimo não o conhece-lo. Eu nada informei a homem. – disse o senhor sem querer assustar a viúva
Deodora:
--- Eu tive um sonho pesado e ele aparecia para me contar algo. Mesmo assim eu não lembro o que o defunto me disse. Foi um sonho pesado mesmo. – comentou a mulher viúva.
Edgar:
--- Eu creio que Carrapicho não subiu. Ele está na Terra. Talvez. – relatou receoso.
Nesse instante, Deodora chorou de tristeza lembrando o tempo das idas e vindas pelo sertão brabo e arriscado por demais. As angústias do calor, a falta de água. Apenas Carrapicho encontrava água salobra ou um líquido que nem gado bebia. E eles andavam, a avançar pelas montanhas, pé no caminho, pé da estrada. Vida malsinada, calcinada e triste do homem sertanejo vivido no interior nordestino desse maldito território. Quando precisava se amoitar, se escondia no mato a ficar de olho atento esperando o “desgramado do polidoro” como Carrapicho chamava os “macacos”. Os homens da Polícia. Quando um “macaco” aparecia era:
Carrapicho:
--- Tei! E o “macaco” tombava de perna aberta. – dizia Carrapicho.
Deodora relatava ter Carrapicho um grande amigo de jornada. Para onde um caminhava, o outro também o mesmo fazia. Se um comia preá, o outro também se satisfazia da mesma forma:
Deodora:
--- Gonzaga era o seu nome. Ele morreu de morte matada. E Carrapicho escapou por milagre. Por isso era que o meu defunto tinha veneração por Nossa Senhora. Ninguém mais do que Ela podia fazer algo por ele. Ele rezava todas as noites. Era devoto de Nossa Senhora. No dia em que foi morto pelo o “desgramado”, ele disse pra mim:
Carrapicho:
--- Aqui nessa malsinada terra, só presta quem é devoto da Santa. Eu rezo todas as noites para Ela me defender do mal. – dizia Carrapicho.
Edgar:
--- Mas a Santa não evitou dele ter morrido. - - salientou o seu patrão
Deodora:
--- Ele me disse ter encontrado uma visão da Santa que o advertiu para o “homem do mal”. – relatou a mulher como quem chora.

Nenhum comentário:

Postar um comentário